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Edição 188

Mulheres conquistam espaço, mas ainda sofrem com machismo

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Nas universidades elas já são quase maioria, na participação no agronegócio e na renda familiar do campo, representam mais de 40%, no entanto, ainda sofrem discriminação por gênero

Redação

Foi muito difícil e um tanto quanto demorado, mas as mulheres finalmente estão conquistando seu lugar na sociedade. E assim como em outros setores da economia, o papel da mulher no agronegócio tem se tornado cada vez mais relevante. O segmento, que durante muitos anos foi considerado um meio totalmente masculino, começa a apresentar mais e mais casos de mulheres que têm quebrado barreiras dentro do agronegócio.

Hoje, a participação das mulheres no agronegócio e na renda familiar do campo correspondem a 42,4%, número maior do que das mulheres que vivem na cidade, 40,7%, segundo dados da pesquisa ‘Mulheres no Agronegócio’, publicado em 2016. A maioria delas vai para o agronegócio recorrente a tradição familiar e atuam na produção ou na administração dos negócios agrícolas. No entanto, não é apenas no campo que elas estão. Atualmente, a figura feminina tem tido um papel fundamental também na área de pesquisa e desenvolvimento do agronegócio.

Para Mirela Cristina Gradim, superintendente da Coplana Cooperativa Agroindustrial, que está no setor há mais de 25 anos, a participação feminina no setor vem crescendo por conta da franca-expansão. “É um negócio lucrativo. Um outro fator que podemos destacar é de que há mais mulheres do que homens e, naturalmente, a filha vai herdar a propriedade. Então é necessário que ela entenda tecnicamente do negócio”, explica Mirela, que teve seu primeiro contato com produtores quando foi trabalhar no Sindicato Patronal.

Elizabeth Farina, presidente da Unica (União da Indústria de Cana-de-açúcar) é um dos exemplos de quem veio de fora do setor. Formada em economia, teve seu primeiro contato efetivo com o agro em 2012, quando chegou ao cargo da principal organização do setor sucroenergético. “O meu interesse pelo agronegócio nunca foi familiar, nunca morei em área rural. Porém, eu tinha uma preocupação urbana com o controle de preço de alimentos por conta da inflação”, conta Elizabeth, que se dedicou a formação acadêmica e passou a trabalhar com pesquisas sobre a interface do setor agrícola diante dos problemas urbanos.

Gestora de empacotamento de açúcar na Guarani Tereos Açúcar & Energia Brasil, Maureen Vaccari Grassi  acredita que o aumento do número de mulheres no mercado de trabalho e em funções de liderança é reflexo da globalização e mudança de cultura que vivemos. “Hoje, a mulher busca a independência por meio de estudo e trabalho, independente do ramo de atividade. A presença de mulheres nas usinas vem crescendo, incluindo na área industrial e agrícola. As oportunidades existem, as promoções ou contratações para cargos de liderança dependem do perfil, conhecimento e experiência da pessoa, independente do gênero,” opina.

Elizabeth: “Acredito que a sociedade
brasileira valoriza pouco a atividade
familiar e coloca sobre os ombros das
mulheres a responsabilidade da família,
a responsabilidade de cuidar. E isso
disputa tempo com a vida profissional,
não resta a menor dúvida.”

AINDA HÁ MACHISMO

Segundo pesquisa do Instituto de Estudos do Agronegócio – IEAg, da ABAG (Associação Brasileira do Agronegócio), em pareceria com a PwC e o Transamerica Expo Center, divulgado em março de 2017, mais de 43% das mulheres do agronegócio confessam que sentem dificuldade para que suas opiniões sejam tomadas em consideração pelos empregados e 28% delas afirmam sentirem barreiras para acessar cargos em associações ou organizações.Elas ainda revelam que se relacionar socialmente ou profissionalmente pode ser complicado em alguns casos. A superintendente da Coplana revela que, por ser mulher, já passou por dificuldades no setor. “Foram poucas vezes, mas passei. E não é só pelo fato de ser mulher, a idade também pesa. Quanto mais nova, pior.”

Segundo ela, a geração mais antiga ainda carrega o machismo consigo. “A geração dos 30, 40 anos não é [machista], mas acima dos 50 anos ainda é, e muito. Não existe igualdade de gêneros. As mulheres ainda precisam provar que são muito boas para ganhar a confiança do agricultor”. A maior dificuldade, segundo Mirela, é ganhar a confiança do produtor, provar que sabe o que está fazendo. “Outra dificuldade são as conversas. Eles ainda não se sentem à vontade. Mas é preciso chegar devagar e ir conquistando este produtor. É demonstrar que podemos trabalhar juntos, independente do sexo.”

Para ela, o setor é machista, mas tem mulher machista também. “Muitas vezes, nós mesmas fazemos distinção. Mulher e homem são iguais? Não! E nunca serão. Cada um tem qualidade diferente e tem o seu valor. O que é preciso sempre analisar, independente do sexo, são quais competências técnicas e comportamentais você precisa para preencher um determinado posto. Tenho certeza que se pegar um grupo de homens e um grupo de mulheres em que os currículos fossem analisados sem identificar o sexo, todos seriam surpreendidos com suas escolhas.”

Para a presidente da Unica ainda existe uma tensão que vem de muito tempo. “A mulher demorou a entrar no mercado de trabalho, essa penetração é recente. Então não é que o setor de cana seja machista. É que o status da mulher está sendo conquistado dia a dia. Faz pouco tempo que as mulheres de fato disputam carreiras. Não é uma peculiaridade do setor da cana-de-açúcar.”

Elizabeth critica a maneira com que a atividade familiar no Brasil é tratada. Segundo ela, as mulheres acabam sendo prejudicadas pelo fato de serem, na maioria das vezes, responsáveis pelas atividades da família. “Acredito que a sociedade brasileira valoriza pouco a atividade familiar e coloca sobre os ombros das mulheres a responsabilidade da família, a responsabilidade de cuidar. E isso disputa tempo com a vida profissional, não resta a menor dúvida.”

Mas, por que cuidar é papel da mulher? Questiona a presidente da Unica. “Cuidar tem que ser papel de todos nós”, continua Elizabeth, que completa dizendo que hoje essas tarefas não são valorizadas adequadamente no mercado de trabalho e que a falta de flexibilidade das empresas prejudicam as mulheres.

“Quando [as flexibilidades] são obtidas por força de lei, por proteção a mulher, um custo para as próprias mulheres é criado e isso responde, em parte, o fato da mulher ter um salário menor do que o homem para uma mesma função. O empresário vai lá, faz a conta e pensa: ‘Nossa, aqui tem entre 25 e 30 anos, não tem filho, logo, logo vai ter. E aí vai ter um, dois, três. Vai levar a criança na escola, no médico e assim por diante’. Tudo isso acarreta em custos para a empresa, o que acaba gerando uma descriminação se não pela vaga, pelo salário”, destaca Elizabeth.

Para Cinthia Xavier Martins de Lima, gerente de Recursos Humanos da Usinas Itamarati, “cabe às empresas terem um novo olhar sobre essas mulheres, apoiando suas necessidades pessoais e sociais e incentivando-as a irem em frente”.

Mirela: “A geração dos 30, 40 anos não é
[machista], mas acima dos 50 anos ainda é,
e muito. Não existe igualdade de
gêneros.As mulheres ainda precisam
provar que são muito boas para ganhar
aconfiança do agricultor”.

MULHERES OCUPAM APENAS 12,7% DOS CARGOS DE LIDERANÇA

O número de líderes mulheres no setor ainda é muito baixo. Segundo o “Mulheres do Agro”, para cada mulher dirigindo um estabelecimento agropecuário ou cuidando da produção existem nove homens nas mesmas funções. O que significa uma divisão de 12,7% para mulheres e 87,3% para homens. Mirela acredita que isso acontece porque o agro ainda não passou pela sucessão. “Ainda tem muita gente ‘das antigas’ que não evoluiu, vive no passado. Mas a onda de agricultores mais jovens não liga para gênero, raça e idade.”

A mulher profissional, a penetração dela no mercado de trabalho é recente e isso está associado à cultura e a educação, explica Elizabeth. “A mulher é menos competitiva, às vezes ela não bate de frente para disputar uma posição e isso também dificulta a chegada a esses cargos mais elevados,” relata.

Daiane Porto Taragão, gestora Automotiva II Guarani Tereos&Energia Brasil, explica que a presença da mulher na agricultura está em constante evolução e que antigamente as mulheres do campo eram educadas por suas famílias a trabalhar em funções ditas como “femininas”, como cuidar da casa e da horta. Nos cursos agrícolas os homens aprendiam a administrar o negócio e elas a fazer compotas, queijos e reaproveitamento da produção, raramente elas participavam do desenvolvimento das atividades no campo.

Romper essa diferença social que atravessa décadas, salienta Daiane, é difícil e não acontece do dia para a noite. “E, assim acontece com as líderes, gestoras de campo do setor sucroenergético, por ser um setor predominantemente masculino desde sua concepção, a mudança vem acontecendo, porém lentamente.”

Um estudo divulgado pelo Instituto Peterson mostra que empresas com pelo menos 30% de funções de liderança ocupadas por mulheres podem elevar em até 15% o lucro, na comparação com aquelas em que as mulheres não estão em cargos de liderança. O levantamento mostra que os maiores ganhos são obtidos pelas organizações quando as mulheres estão em posições executivas, como diretoria-financeira.

Rosa Abrahão Orlando, gerente de Recursos Humanos para a Área de Etanol, Açúcar e Bioenergia da Raízen explica que ao longo dos últimos anos a presença da mulher em cargos administrativos na companhia cresceu 40%, considerando as 24 unidades do Grupo. “Nossa empresa acredita que quando a mulher faz parte da decisão da companhia traz outro viés importante na tomada de decisão”, acrescenta.

Anne-Marie Kuijpers, gerente de Biotecnologia do CTC (Centro de Tecnologia Canavieira), analisa que em sua área de atuação a maioria é feminina. Contudo, diz ser possível notar que em diversas empresas ainda é muito baixa a quantidade de mulheres em posições hierárquicas mais altas. “É muito importante que as mulheres que conseguiram chegar ao alto nível hierárquico dentro de uma companhia, não recuem e não se deixem impactar por um ambiente masculino. Nós devemos procurar sempre levar argumentos fortes, objetivos e bem pensados as discussões, sejam elas quais forem.”

Anne-Marie chegou lá e hoje lidera uma equipe de 65 pessoas, sendo a maioria mulheres. “Vejo que as mulheres trazem ingredientes importantes ao grupo de funcionários de uma companhia como foco, precisão, persistência, além da sensibilidade para as relações interpessoais no ambiente de trabalho que ajudam muito no clima, no engajamento e no sucesso de um projeto.”

Fonte: Pesquisa do Instituto de Estudos do Agronegócio – IEAg, da ABAG (Associação Brasileira do Agronegócio), em pareceria com a PwC e o Transamerica Expo Center

NAS UNIVERSIDADES O NÚMERO TAMBÉM CRESCE

Novos indícios alertam para o crescimento da participação da mulher no setor. Segundo dados do extinto MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário) 25% dos financiamentos a proprietários rurais foram destinados às mulheres em 2015, número este inédito até então. Nos últimos anos o interesse das mulheres no agro tem crescido. Tanto é que nas faculdades de agronomia, mais de 50% das vagas são preenchidas por mulheres. Em 2015, metade da turma formada pela ESALQ – USP era do sexo feminino. Há algumas décadas, muitas mulheres não podiam nem frequentar as escolas fundamentais. Hoje, o acesso é para todos e as mulheres avançam no processo de formação profissional agrícola em igualdade de gênero.

“A mulher, ao longo dos tempos, vem tomando consciência do seu lugar na sociedade, bem como sua importância no mercado de trabalho. Antigamente, agronomia era um curso predominantemente masculino e voltado para o público que já tinha histórico de trabalho junto à agricultura. Em sua maioria produtores rurais ou filhos de produtores. Hoje, as faculdades de agronomia contam com um público heterogêneo e não encontramos somente homens oriundos de famílias agrícolas ou mulheres que tem descendência do agro, mas sim pessoas de todas as regiões, mas com um aumento significativo do público feminino”, conta a gestora automotiva II da Guarani Tereos Açúcar & Energia Brasil.

Atualmente, o setor do agronegócio está em expansão, oferecendo oportunidades, inovação e tecnologia. Maureen Vaccari acredita que as mulheres enxergam onde podem atuar e chegar. “Os paradigmas de cursos e funções masculinas e femininas estão se quebrando e as mulheres, ao observarem outras atuando e se destacando em funções que antes eram predominantemente masculinas, começam a se especializar e abrir portas para buscar novas oportunidades, experiências e desafios”, comemora.

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