A safra de açúcar da Índia finalmente ganhou ritmo após o impasse provocado pelos protestos de produtores, que pressionavam por um preço mínimo da cana acima do State Advised Price, fixado em 34 mil rúpias por tonelada. Segundo Arnaldo Corrêa, analista de mercado e diretor da Archer Consulting, esse valor “já equivale a cerca de 17 centavos de dólar por libra-peso, algo como 200 pontos acima do mercado internacional”. Na prática, ele destaca que a maioria das usinas vem pagando acima do próprio Fair and Remunerative Price (FRP), o que ajuda a explicar a tensão entre produtores, indústria e governo.
Com a moagem avançando em ritmo forte, a expectativa permanece em torno de uma produção de 35 milhões de toneladas de açúcar, mesmo com produtividade semelhante à da safra passada. Corrêa avalia que a temporada tende a ser mais curta, uma vez que mais usinas voltaram a operar, especialmente unidades pequenas que estavam paradas, além do aumento da capacidade de moagem das plantas já em atividade. “As usinas existentes ampliaram a moagem para ganhar escala econômica”, observa.
Apesar do avanço operacional, o setor indiano segue sob forte pressão financeira. De acordo com o analista, o custo de produção gira em torno de 39 mil rúpias por tonelada, algo próximo de 19,5 centavos de dólar por libra-peso, enquanto o mercado doméstico oscila hoje perto de 36,2 mil rúpias. “Esse nível é insuficiente para cobrir o custo”, afirma. Para que as contas fechem, segundo Corrêa, “o açúcar doméstico teria que negociar pelo menos a 38 mil rúpias por tonelada”. Caso isso não ocorra, ele alerta que as usinas podem começar a acumular atrasos no pagamento da cana a partir de fevereiro, com impacto direto sobre os produtores e necessidade de algum tipo de intervenção governamental. Nesse contexto, ele lembra que o governo de Karnataka já se adiantou ao anunciar um subsídio de 50 rúpias por tonelada aos produtores, além do valor pago pelas usinas.
No mercado externo, as exportações indianas seguem praticamente travadas. Das 1,5 milhão de toneladas liberadas, apenas 40 mil toneladas foram embarcadas até o momento. Segundo Corrêa, o açúcar branco de baixa qualidade está sendo ofertado a cerca de US$ 450 FOB, “algo em torno de 20 centavos de dólar por libra-peso”, o que melhora apenas marginalmente a paridade e ainda não foi suficiente para destravar um fluxo mais agressivo de vendas.
Para o analista, o ponto realmente sensível do mercado neste momento não está na Índia, mas em Nova York. Dados mais recentes da Commodity Futures Trading Commission indicam que, em 18 de novembro, os fundos mantinham uma posição vendida de 207.019 lotes, o equivalente a aproximadamente 22% da posição em aberto. “Historicamente, quando o percentual se aproxima desse patamar, não é incomum observar uma reversão de tendência”, destaca Corrêa. Ele lembra que, entre 11 e 18 de novembro, a recompra de 12.850 lotes foi suficiente para elevar o mercado em 45 pontos e questiona se a liquidação integral dessa posição não poderia provocar um movimento expressivo de alta, “exatamente como ocorreu no final de 2023”.
Caso os fundos comecem a reduzir suas posições, Corrêa avalia que a retomada das vendas, se ocorrer, tende a se concentrar nos vencimentos a partir de julho, onde a curva apresenta um ambiente de cash-and-carry mais favorável. Por outro lado, se os preços permanecerem por muito tempo na faixa entre 14,50 e 15,50 centavos de dólar por libra-peso, o analista alerta para um aumento relevante do risco estrutural para a safra 2027/28. “Preços abaixo do custo desestimulam tratos culturais, reduzem o uso de insumos e limitam a expansão de área”, afirma, lembrando episódios históricos como o de 1999, quando a produção recuou 17% após um ciclo prolongado de preços deprimidos.
No mercado de energia, Corrêa chama atenção para as projeções da agência americana de energia, que apontam o WTI na casa dos US$ 51 e o Brent em torno de US$ 54 no próximo ano. “Se confirmados, esses níveis pressionam o RBOB e afetam a paridade do etanol”, observa, com impacto direto na decisão de mix das usinas brasileiras. Ele acrescenta que o câmbio segue inflado por ruídos políticos e fluxos típicos de fim de ano, mas com espaço para correção. Segundo o analista, “cada movimento do dólar altera de forma relevante o custo FOB Santos”, citando que, com o dólar a 5,25, o custo de produção no Centro-Sul sobe para cerca de 17,75 centavos por libra-peso, enquanto, com o dólar a 5,00, ultrapassa 18 centavos.
No mercado interno, Corrêa aponta sinais de firmeza nos preços do açúcar. O índice Esalq avançou mais de 6% em poucos dias, refletindo estoques reduzidos de empacotadores e indústrias e a expectativa de menor oferta externa. Ele destaca problemas fitossanitários na Tailândia e a projeção de quebra relevante na União Europeia, com necessidade de importação. “Caso a Índia exporte pouco e a Tailândia confirme um recuo mais acentuado, a demanda pelo açúcar brasileiro tende a crescer já no primeiro trimestre”, afirma.
Outro ponto destacado pelo analista é o nível de fixação das usinas brasileiras para a safra 2026/27. Estimativas da Archer indicam que cerca de 41% da produção já está fixada a um preço médio de 16,55 centavos de dólar por libra-peso, aproximadamente R$ 2.345,62 por tonelada FOB Santos. Esse volume, segundo Corrêa, “cria um teto técnico para altas mais agressivas no curto prazo”, já que cada movimento de alta tende a acelerar novas fixações por parte dos produtores. Ele observa ainda que a disciplina no fechamento antecipado de câmbio, com uso de NDFs estruturados em momentos de dólar acima de 5,45, tem contribuído para suavizar movimentos mais bruscos em Nova York.
Em linhas gerais, Corrêa avalia que o mercado segue preso entre um lado técnico pressionado pela posição exagerada dos fundos e, de outro, uma percepção crescente de que os preços atuais não são sustentáveis no médio prazo. “Esse cenário é complexo, mas cheio de gatilhos potenciais de alta”, afirma, citando Índia, câmbio, energia e qualidade da cana no Centro-Sul como fatores capazes de mudar o jogo.
No mercado de etanol, o analista destaca que o biocombustível segue negociando entre 150 e 250 pontos acima de Nova York. “Isso reflete muito mais um açúcar negociando abaixo da paridade do que um etanol excepcionalmente caro”, avalia, sugerindo espaço para alguma recuperação dos preços do açúcar. Ele acrescenta que o setor caminha para a virada da safra com estoques de passagem historicamente baixos, o que pode exigir uma entrada de safra mais alcooleira e reduzir a disponibilidade de açúcar no início do próximo ciclo.
Natália Cherubin para RPAnews

