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Opinião

[Opinião] Tributação do agronegócio e os impactos da reforma tributária no setor

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Segundo especialistas, é importante que o produtor de cana-de-açúcar esteja atento às novidades legislativas que podem impactar o setor, principalmente neste momento de transição para o novo sistema tributário

*Lucas Motta, Marcílio Vieira e Nicoli Kochla

O agronegócio é um importante sustentáculo da economia brasileira, destacando-se por sua pujança. Mas, a despeito de seu desenvolvimento e importância, está à mercê da complexidade tributária que assola esse e outros segmentos de nossa economia. Para o produtor rural, entender essa complexidade é fundamental a fim de garantir a conformidade fiscal e reduzir os custos de produção.

O fato é que, além dos impostos tradicionais, o setor agrícola enfrenta desafios adicionais, como a tributação sobre propriedade rural, comercialização de produtos agropecuários e exportação. Essa complexidade exige que os empresários do agronegócio estejam bem informados e preparados para lidar com as questões fiscais.

Outro ponto de atenção do empresário é o fato de que, muitas vezes, o agronegócio é beneficiado por uma tributação mais amena, ora para fomentar o desenvolvimento do setor, ora para beneficiar a cadeia produtiva, de maneira que determinados produtos fiquem mais acessíveis para o consumidor final.

Especificidades tributárias do agronegócio O agronegócio apresenta aspectos tributários bastante específicos, de modo que os empresários do setor devem atentar principalmente nas oportunidades que surgem e, muitas vezes, possibilitam uma tributação mais amena para suas empresas. Podemos citar como exemplo os créditos de ICMS. Muitos produtores têm direito a créditos de ICMS, mas não os utilizam por desconhecimento. É essencial revisar as operações e identificar esses possíveis créditos. Além disso, vários estados oferecem incentivos fiscais para o agronegócio.

Vale a pena verificar se a atividade de sua empresa se qualifica para algum deles. Podemos citar como exemplo os benefícios fiscais oferecidos à cadeia produtiva da soja. Um estudo elaborado em parceria pela ACT Promoção da Saúde, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) e Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) concluiu que, apenas no ano passado, essa cadeia recebeu R$ 56,8 bilhões em incentivos fiscais e desonerações tributárias.

O levantamento apontou que a cadeia produtiva da soja tem 100% de isenção das alíquotas de PIS/Pasep, COFINS e IPI. Isso inclui a aquisição de insumos, como sementes, defensivos e adubos, o processamento do grão em óleo, farelo e biodiesel e as operações de venda nos mercados interno e externo. Como se vê, há especificidades tributárias no agronegócio que, quando bem aproveitadas, podem resultar em economia de recursos e vantagem competitiva no mercado. Assim, para o empresário desse setor, aperfeiçoar a tributação é um passo fundamental para a sustentabilidade de seu negócio.

Incentivos Fiscais Regionais

O agronegócio pode se beneficiar de incentivos fiscais regionais, como os oferecidos pela Sudene e Sudam, que permitem reduções no IRPJ para empresas situadas em determinadas áreas. Especificamente no estado do Mato Grosso, observam-se incentivos vinculados à regulamentação do ICMS, exemplificados pelo Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial do Estado do Mato Grosso (Prodeic). Este programa prevê benefícios como crédito outorgado, diferimento e redução da base de cálculo do ICMS. Tais benefícios são concedidos com base nos investimentos realizados e nos acordos firmados entre as partes envolvidas.

Além disso, o Programa de Desenvolvimento Rural do Estado do Mato Grosso (Proder) oferece ao produtor rural opções de incentivo para diversas produções agropecuárias. Inclui-se aqui o crédito outorgado em operações de vendas interestaduais, abrangendo setores como gado de corte e a produção de feijão, milho, ervilha, dentre outros. O estado do Mato Grosso conta com um setor especializado para o tratamento desses incentivos. Ao receber projetos que detalham os valores de investimento, é possível iniciar uma negociação pautada pela Lei de Responsabilidade Fiscal, assegurando assim a adequação dos incentivos às normativas fiscais vigentes.

IRPJ e CSLL: Exclusão dos benefícios fiscais de ICMS das suas bases de cálculo

Até o mês de dezembro do ano de 2023, para as empresas do agronegócio optantes pelo regime de tributação do Lucro Real, em virtude de que a LC n. 160/2017 alterou a Lei n. 12.973/2014 para reconhecer os benefícios fiscais de ICMS como subvenções para investimento, permitindo sua exclusão da base de cálculo do IRPJ e CSLL, é possível pleitear esse benefício pelos últimos 5 anos.

Neste contexto, o Superior Tribunal de Justiça, em um julgamento de recursos repetitivos (Tema 1.182/STJ), já determinou que “a exclusão de benefícios fiscais atrelados ao ICMS – como reduções na base de cálculo, diminuição de alíquotas, isenções, adiamentos, dentre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, não deve ser condicionada à comprovação de que foram concedidos para incentivar a criação ou ampliação de atividades econômicas”.

Estabelecido o julgado acima, tivemos a edição da Lei nº 14.789 de 29 de dezembro de 2023, colocando, praticamente, um ponto final neste benefício, trazendo mudanças significativas relacionadas às subvenções para investimento. É importante, contudo, que o setor do agronegócio não percam de vista seus direitos relacionados ao período prescricional dos últimos cinco anos, na modalidade antiga e no julgado acima, que pode ser alcançado pelas vias administrativas ou judicial, a depender do caso específico.

Além disso, falando especificamente do benefício do crédito presumido de ICMS, é importante que os contribuintes busquem seu direito de exclusão da base do IRPJ e CSLL pelo fundamento do pacto federativo, com base no julgamento do Recurso Especial nº 1.517.492, quando foi decidido que os valores correspondentes aos créditos presumidos de ICMS correspondem a uma renúncia de receita por parte do Estado, em favor do contribuinte, assim, tributá-los pelo Imposto de Renda constitui exação que o legislador quis justamente afastar e seria uma flagrante ofensa ao princípio do pacto federativo.

SENAR – Não incidência sobre exportação

A contribuição ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) por agroindústrias e produtores rurais, regulada pela Lei nº 10.256/2001, tem levantado debates jurídicos significativos, especialmente sobre sua incidência nas receitas de exportação. A Receita Federal defende que o SENAR, categorizado como contribuição de interesse das categorias profissionais e econômicas, não estaria sujeita à imunidade tributária sobre exportações, conforme previsto no art. 149, § 2º, I da CF.

Contudo, a natureza jurídica do SENAR como contribuição social geral, conforme interpretado pelo STF no Tema 801, sugere a inconstitucionalidade dessa incidência, abrindo caminho para ações judiciais que buscam excluir tal cobrança sobre receitas de exportação e recuperar valores recolhidos indevidamente nos últimos cinco anos.

PIS e COFINS: exclusão de suas próprias bases de cálculo

Há uma discussão jurídica sobre a possibilidade de excluir o PIS e COFINS de suas próprias bases de cálculo. A decisão do STF no RE 574.706/PR, que julgou inconstitucional a incidência dessas contribuições sobre os valores de ICMS, pode ser utilizada como fundamento para essa exclusão.

Portanto, pode-se dizer que os montantes direcionados para o pagamento das contribuições de PIS e COFINS, semelhantes ao ICMS, representam valores temporários no caixa das empresas, com a União sendo o destinatário final desses recursos. Consequentemente, com base na interpretação do STF, esses valores não devem integrar a base de cálculo do PIS e COFINS, visto que não se alinham à definição estabelecida de receita.

Impactos da reforma tributária no setor

No contexto do agronegócio, alguns pontos positivos emergiram da reforma tributária aprovada. Podemos citar como exemplo o fato de que produtos da cesta básica, que ainda serão definidos por lei complementar, terão alíquotas zeradas, beneficiando diretamente os produtores rurais.

Há também a previsão de incentivos fiscais limitados a casos específicos. Por exemplo, a autorização de redução de 60% da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) para alimentos destinados ao consumo humano, produtos e insumos agropecuários, extrativos vegetais entre outros. Além disso, há autorização para que lei complementar preveja casos de redução de 100% do IBS e CBS para determinados produtos, como hortícolas, frutas e ovos.

Outra importante concessão prevista para o setor do agronegócio é a autorização de concessão de crédito presumido do IBS e CBS para adquirentes de bens e serviços, incluindo o produtor rural (pessoa física ou jurídica que obtiver receita anual inferior a R$ 3.600.000,00 atualizados pelo IPCA) ou o produtor integrado que não opte por ser contribuinte do imposto.

O produtor de cana-de-açúcar e a Reforma Tributária

O texto constitucional referente à reforma tributária ainda aguarda regulamentação complementar para sua plena aplicação. De toda forma, inicialmente, destaca-se o artigo 9º da emenda constitucional, que, nos incisos X e XI, prevê que operações envolvendo produtos ou insumos agrícolas possam ser beneficiadas com a redução de 60% das alíquotas dos tributos CBS e IBS, o que representa um potencial alívio tributário para o setor agrícola. Importante salientar, também, que os industriais e compradores de produtos rurais terão a possibilidade de se creditar do valor correspondente às alíquotas reduzidas, em relação ao valor efetivamente recolhido pelo produtor pessoa jurídica.

Vale ressaltar que esses aspectos dizem respeito aos produtos que optarem pelos regimes de tributação do Lucro Presumido, Lucro Real ou pelo Simples Nacional, com recolhimento dos novos tributos por fora da guia unificada, já que o texto aprovado modifica significativamente o tratamento de créditos tributários para empresas optantes pelo Simples Nacional. Tradicionalmente, quando empresas optantes pelo Simples Nacional fornecem mercadorias a empresas de outros regimes, estas, em geral, podem se creditar com base nas alíquotas apresentadas na guia unificada, que são inferiores. A exceção ocorre com o PIS e a COFINS, para os quais a legislação possibilita a apropriação de crédito integral.

Como contrapartida, a nova legislação oferece às empresas do Simples a opção de recolher IBS e CBS fora desse regime, possibilitando a acumulação integral de créditos, equiparando-as às condições de competitividade de empresas sujeitas a outros regimes tributários. Para empresas que não veem vantagem nessa mudança, é permitida a continuidade do recolhimento dos tributos pelo Simples, ainda que sob um regime cumulativo modificado. Nesse contexto, os produtores que são pessoas jurídicas e decidem recolher os novos tributos separadamente do Simples Nacional, apesar de enfrentarem um custo maior, oferecem aos seus compradores a possibilidade de uma maior apropriação de créditos. Essa estratégia pode, eventualmente, traduzir-se em uma vantagem competitiva.

Por fim, o produtor rural pessoa física pode não ser diretamente impactado pelas novas regras de crédito tributário estabelecidas pela reforma. No entanto, indiretamente, podem existir repercussões. Por exemplo, se a reforma resultar em um aumento da carga tributária para as empresas adquirentes das matérias-primas, isso poderá afetar a demanda e, consequentemente, os preços desses insumos. Além disso, a reorganização da estrutura tributária pode levar empresas a reavaliar suas cadeias de suprimentos e optar por fornecedores que ofereçam condições fiscais mais vantajosas, possivelmente favorecendo pessoas jurídicas em detrimento de pessoas físicas. Portanto, é importante que o produtor de cana-de-açúcar esteja atento às novidades legislativas que podem impactar o setor, principalmente neste momento de transição para o novo sistema tributário.

Como conclusão, como se vê, o empresário do agronegócio tem diversos motivos para atentar nos diferentes aspectos tributários que permeiam o setor, tanto para se precaver quanto aos impactos da tributação sobre seu negócio quanto para aproveitar as oportunidades tributárias típicas do agro. Com a reforma tributária, a atenção deve ser redobrada, haja vista que estão previstas diversas alterações que impactam diretamente o agronegócio, de modo que o empresário que estiver atento às mudanças certamente sairá à frente dos demais.

Assim, um apoio profissional é indispensável, até mesmo para que as informações, alterações normativas e oportunidades estejam sempre no radar das empresas, pois o que está em jogo são o sucesso e a perenidade dos negócios, ainda mais em um ambiente tão competitivo como é o setor do agronegócio

 

*Lucas Motta, Marcílio Vieira e Nicoli Kochla são especialistas da Carmago&Vieira Sociedade de Advogados

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