“Era tudo o que a gente não precisava”, lamentou um importante empresário do ecossistema cripto brasileiro ao ser questionado sobre a recém-anunciada estreia de Eike Batista nessa seara.
Para um setor que tenta se afastar da miríade de golpistas que usam suas ferramentas para promover chicanas financeiras – de “Faraós do Bitcoin” ao escândalo que corrói a presidência de Javier Milei –, a reputação daquele que já foi o homem mais rico do Brasil não ajuda em nada, de fato.
Afinal, Eike Batista foi responsável por um dos maiores traumas do capitalismo brasileiro nas últimas décadas – só com a OGX e suas projeções falaciosas, investidores perderam dezenas de bilhões de reais. O empresário foi diversas vezes condenado por crimes contra o mercado de capitais na Justiça e, no âmbito administrativo, pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Chegou a ser preso e fez um acordo de delação premiada.
“Não me aprofundei no projeto, mas o Eike tem uma imagem ruim por tudo o que fez no mercado de capitais. Associar esse nome ao setor cripto não é o melhor dos mundos”, avaliou outro executivo desse ecossistema.
Na terça-feira, 25, ao apresentar seu “token”, o executivo tentou projetar credibilidade a todo custo, segundo relatos de quem estava no Mr. Lam – o restaurante asiático da Lagoa, na Zona Sul do Rio, foi o que sobrou do outrora multibilionário império X.
Munido de uma apresentação em inglês abarrotada de hipérboles e tabelas, o empresário emulou a pompa das apresentações que fazia a analistas de Wall Street no ápice de sua fortuna. Tudo para apresentar ao mundo o $EIKE.
Trata-se de um criptoativo lastreado na produção do que Eike Batista chama de “supercana”, uma cana-de-açúcar aprimorada para produzir maiores volumes de etanol e combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês). Bem a seu estilo, ele classificou o projeto de “revolucionário”, embora especialistas em energia sejam céticos quanto à sua viabilidade.
Mas, bradando que “o futuro das criptomoedas começa hoje”, Eike Batista quer levantar US$ 100 milhões com o $EIKE para financiar o projeto, que será inicialmente avaliado em US$ 1 bilhão. Quem entrar no ativo ficará com 10% dos lucros do negócio.
Com ativos bloqueados pela Justiça, o próprio Eike Batista não é acionista do projeto, servindo mais como “embaixador” (o antigo garoto-propaganda) para fomentar interesse. E parece estar funcionando. Pesquisas no Google por $EIKE já oferecem como preenchimento automático complementos como “valor”, “cotação” e “coinmarketcap” – uma plataforma de dados sobre ativos cripto –, sugerindo que o “token” aguçou a curiosidade de potenciais investidores.
“Tudo dependerá do chapéu com o qual ele vai entrar no mercado”, ponderou uma advogada especializada no filão, referindo-se à adesão ou não às normas regulatórias.
Um dos executivos ouvidos completou: “Ele teria que provar o real valor do ‘token’ e do seu projeto primeiro”.
O Globo/Rennan Setti