Defesa da sucroalcooleira argumentou ao TRF3 que a ANP não tem, por lei, poder para criar regras que restrinjam a atividade da empresa, como exigir a regularização fiscal para que a autorização seja concedida ou mantida
A Usina Carolo conquistou na justiça o direito de retomar suas operações após ter sua licença revogada pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis). Inicialmente autorizada a operar sem a apresentação das certidões negativas de débito fiscal devido à recuperação judicial que enfrentou, a empresa teve sua autorização cancelada quando a RJ foi encerrada em 2023. A decisão foi proferida por juiz da 6ª Vara Federal de Ribeirão Preto.
Mesmo após pedido de urgência no tribunal contestando a decisão da 6ª Vara Federal de Ribeirão Preto, a usina teve a liminar negada e continuou sem autorização para operar. Após o indeferimento de tutela de urgência em primeira instância, a defesa da Usina Carolo obteve sucesso no Tribunal Regional Federal a 3ª Região (TRF3), que reformou a decisão e suspendeu liminarmente a revogação da licença, permitindo que a usina volte a funcionar.
A defesa realizada pelo escritório Martinez & Associados recorreu ao TRF3 para reformar a decisão do juiz com o argumento de que a decisão parte da ideia de que a ANP tem poder para criar regras que restrinjam a atividade da empresa, como exigir a regularização fiscal para que a autorização seja concedida ou mantida. Mas a ANP só pode fazer regulamentações, e isso não pode ir contra a Constituição e as leis do Brasil.
William Martinez, advogado especialista em agronegócio, fusões e aquisições, recuperação judicial e falência, e sócio do escritório Martinez & Associados, explica que a ANP tem competência regulatória para normatizar e fiscalizar as atividades do setor de biocombustíveis, incluindo a autorização para operação de usinas. No entanto, no caso da Usina Carolo, a agência revogou sua licença com base na não comprovação de regularidade fiscal e no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal (CADIN).
A autorização para operação de uma unidade produtora de etanol e biocombustíveis está regulamentada pela Resolução ANP nº 734/2018. Entre os requisitos gerais, incluem-se capacidade técnica e operacional da usina; cumprimento de normas ambientais e de segurança; e regularidade cadastral e documental.
Antes da revogação da Lei nº 9.478/1997, a regularidade fiscal era um requisito legal, mas com a Lei nº 14.292/2022, essa exigência foi eliminada do ordenamento jurídico. Portanto, segundo Nathan Minali Matheus, advogado da área de Agronegócio do Escritório Martinez & Associados, não cabe à ANP condicionar a concessão ou manutenção da autorização à regularidade fiscal.
“A ANP não tem competência para impor exigências que contrariem a legislação vigente. A revogação do inciso II, §2º, do art. 68-A da Lei nº 9.478/1997 pela Lei nº 14.292/2022 retirou a base legal para a exigência de regularidade fiscal como condição para concessão e manutenção de autorizações. Assim, a ANP extrapolou seu poder ao manter essa exigência por meio de normas infralegais”, adiciona Minali Matheus.
Além disso, a súmula 70 do Supremo Tribunal Federal (STF) veda a imposição de restrições à atividade empresarial como forma de coerção para pagamento de tributos, o que reforça a ilegalidade da exigência feita pela ANP.
“A revogação da autorização de funcionamento prejudicaria gravemente a Usina Carolo, pois inviabilizaria sua operação e fluxo financeiro. A empresa, que já havia quitado a maior parte de suas dívidas tributárias e concluído sua recuperação judicial, enfrentaria dificuldades adicionais para cumprir obrigações fiscais e financeiras caso fosse impedida de operar. A decisão judicial reconheceu esse impacto e concedeu tutela recursal para suspender a revogação da autorização até o julgamento final do mandado de segurança”, destaca Felipe Lopes Maddarena, advogado especializado em agronegócio, fusões e aquisições, mercados financeiros e de capitais, também associado do escritório Martinez & Associados.
Ainda segundo os advogados, a decisão indica que a Usina Carolo regularizou sua situação fiscal, pois foi apresentada a Certidão Negativa de Débitos (CND) municipal (emitida em 28/01/2025); o Protocolo de parcelamento de débitos estaduais deferido; e o Relatório de compensação de débitos federais via DCTFWeb.
“A usina conseguiu regularizar sua situação, e a exigência de comprovação fiscal, mesmo que ainda existisse, não seria um obstáculo para sua operação. O problema central foi a postura da ANP em manter a exigência sem base legal”, afirmaram os advogados.
Usina devem ficar atentas
Martinez revela que no início da segunda década dos anos 2000, com as inclusões promovidas pela Lei nº 12.490, de 2011, existia um pleito parecido da ANP para condicionar o funcionamento dos players deste mercado (usinas) à comprovação da regularização tributária, mas os Tribunais Superiores se debruçaram sobre a matéria e, mesmo havendo base legal, entenderam que era incompatível com o princípio da razoabilidade e proporcionalidade.
“O nosso trabalho envolveu a produção e a interposição de um Agravo de Instrumento contra a decisão da 6ª Vara Federal de Ribeirão Preto, que havia negado a liminar pleiteada em mandado de segurança impetrado pela Usina Carolo, salientando a ausência de base normativa e a ilegalidade do ato, com a revogação expressa de tais exigências por advento da Lei nº 14.292, de 2022”, explica.
Como objetivo do agravo era garantir a continuidade das atividades da usina, o escritório despachou com a Desembargadora responsável, pedindo o imediato afastamento da exigência de regularidade fiscal como condição para manutenção da autorização de funcionamento concedida pela ANP, destacando a mudança legislativa. “Este foi principal o argumento que ensejou o deferimento da tutela em favor da usina. Inclusive nos parece que este é o primeiro precedente sobre o tema após a alteração legislativa de 2022”, salienta Martinez.
A situação enfrentada pela Usina Carolo pode ocorrer com outras usinas, especialmente se a ANP continuar aplicando exigências sem respaldo legal. Para se proteger, as empresas devem, segundo Maddarena, monitorar alterações normativas da ANP e contestar exigências ilegais, buscar decisões judiciais que assegurem o direito de operação sem exigências fiscais indevidas e estabelecer um plano jurídico preventivo para responder rapidamente a atos administrativos contrários à lei.
“A decisão judicial a favor da Usina Carolo, sem dúvidas, cria um precedente relevante para outras empresas do setor que enfrentem a mesma situação”, salienta o especialista do Martinez & Associados.
Redação da RPAnews