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[Opinião] Um ano após a nova lei de agrotóxicos: o que aconteceu?

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Na última semana de janeiro, foram publicadas matérias informando que o Brasil bateu um recorde na liberação de agrotóxicos e biodefensivos pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) em 2024, destacando que tal aumento coincide com o início da vigência da nova lei de agrotóxicos, sancionada pelo governo Lula no final de 2023. Um ano após a entrada em vigor da Lei nº 14.785/23, que trata da pesquisa, produção, comercialização e uso de agrotóxicos no Brasil, os órgãos competentes avançaram pouco na regulamentação da nova legislação.

A taxa de crescimento anual do número de registros no MAPA entre 2016 e 2024 é de 11,5%, conforme ilustra o gráfico a seguir (Figura 1). O recorde de registros no ano passado não tem relação direta com a publicação da nova lei, mas sim com a tendência de crescimento dos pleitos, além de melhorias nos procedimentos administrativos para análise de produtos equivalentes, conforme veremos a seguir.

De acordo com a FAO, entre 1990 e 2022, o uso de pesticidas por área de cultivo aumentou 94% no mundo. A tendência de crescimento do número de registros no Brasil se justifica pela grande atratividade do mercado para a indústria de proteção de cultivos. O Brasil é o 4º maior país em volume de produção agrícola, sendo líder ou vice-líder na exportação das principais commodities agrícolas do mundo (soja, milho, algodão, carne bovina e de frango, suco de laranja, café, açúcar e etanol). As exportações do agronegócio alcançaram US$ 164,4 bilhões, representando 49% do total exportado pelo país.

Até 2050, quando as projeções da ONU indicam que a população mundial deverá atingir cerca de 9,8 bilhões de habitantes, o Brasil deverá se consolidar como um dos principais fornecedores globais de alimentos, fibras e energia limpa, devido à sua capacidade de expansão da produção agrícola e ao aumento da produtividade.

Nesse cenário promissor para os insumos agrícolas, o número de pleitos de registro de agrotóxicos no Brasil aumentou e, por consequência, o número de registros concedidos também está crescendo.

A redução do número de registros em 2023 em relação a 2022 pode estar associada à mudança de governo e seus impactos no MAPA, assim como o aumento do número de registros concedidos em 2024 pode ser atribuído à melhoria dos processos internos nos órgãos competentes, especialmente na análise de produtos equivalentes a outros já existentes no mercado.

A nova lei de agrotóxicos manteve a definição e os requisitos para os produtos equivalentes que já existiam nas normativas anteriores, reforçando que a avaliação da equivalência deve levar em consideração:

  • Mesmo ingrediente ativo, na mesma concentração e com impurezas dentro dos padrões estabelecidos;
  • Mesma formulação e coadjuvantes compatíveis com o produto técnico de referência;
  • Perfil toxicológico e ambiental equivalente, conforme avaliação da Anvisa e do Ibama;
  • Critérios de eficácia agronômica compatíveis com os já aprovados para o produto de referência.

O registro de agrotóxicos por equivalência não sofreu alterações em relação à lei anterior. Essa modalidade de registro é essencial para a comercialização de produtos genéricos, pois estimula a concorrência e reduz os custos para os produtores agrícolas.

Em 2024, excluindo-se os registros de produtos técnicos (matéria-prima destinada exclusivamente à indústria), que totalizaram 199, foram concedidos 464 registros, conforme podemos verificar no gráfico a seguir (Figura 2):

  • 346 registros de defensivos agrícolas químicos formulados equivalentes a outros já existentes no mercado;
  • Apenas 12 registros de defensivos químicos com novas moléculas (contendo apenas três ingredientes ativos novos);
  • 106 registros de biodefensivos.

A quantidade de registros de produtos formulados com novas moléculas caiu pela metade em relação a 2023 e representa apenas um terço do número de novos produtos formulados registrados em 2022.

 

Expectativas com a regulamentação da nova lei de agrotóxicos

Uma das grandes expectativas do setor de proteção de cultivos em relação à regulamentação da nova lei de agrotóxicos é a maior celeridade nas análises dos pleitos de registro de novas moléculas, bem como a redução das filas de processos, de forma geral. Nesse sentido, a nova lei estabelece prazos para a aprovação dos pedidos de registro, buscando maior previsibilidade, segurança jurídica e alinhamento com os prazos previstos no Decreto nº 10.833/2021:

  • 24 meses: produto novo formulado ou técnico;
  • 60 dias: produto formulado equivalente;
  • 30 dias: Registro Especial Temporário (RET);
  • 12 meses: demais produtos.

Esses prazos, no entanto, ainda não estão sendo cumpridos na maioria dos casos, levando algumas empresas a recorrerem à Justiça para exigir que a análise do pleito seja realizada pelos órgãos competentes.

A nova lei de agrotóxicos entrou em vigor na data de sua publicação, em 28/12/2023, e, em seu artigo 44, determinou que os órgãos competentes teriam o prazo de 360 dias para regulamentar os dispositivos previstos no novo texto. Apesar dos esforços, esses órgãos ainda estão em fase de elaboração de normativas e, até o momento, não publicaram praticamente nenhuma regulamentação, nem mesmo abriram novas consultas públicas. Dessa forma, as normas infralegais anteriores que não conflitam com a nova legislação continuam em vigor. Como consequência, as alterações nos procedimentos administrativos para análise de agrotóxicos em 2024 foram mínimas.

Atos de importação de agrotóxicos

Após a publicação da Instrução Normativa MAPA nº 26, de 21/07/2017, a importação de agrotóxicos formulados passou a dispensar a autorização prévia, estando sujeita apenas à análise e conferência documental, além da fiscalização no momento do desembaraço. Desde a implementação dessa normativa, o número de atos de importação de agrotóxicos praticamente triplicou.

Nesse contexto, o crescimento do número de registros por equivalência tem contribuído para um vertiginoso aumento das importações diretas de agrotóxicos formulados por empresas não industriais. De acordo com o Instituto de Inteligência Regulatória, entre 2023 e 2024, o volume de agrotóxicos formulados importados diretamente da China aumentou mais de 59%, ultrapassando 530 mil toneladas.

 Vetos à Lei nº 14.785/2023 e as taxas para custear melhorias

Ao sancionar a nova lei, o Presidente da República vetou 17 dispositivos específicos. Em 09/05/2024, o Congresso Nacional analisou parcialmente o Veto 47/23 e decidiu pela rejeição de oito dispositivos, restituindo-os ao texto original do PL 1459/2022. No entanto, nove dispositivos ainda não foram apreciados pelo Congresso e permanecem pendentes de deliberação.

Esses vetos estão relacionados à criação de taxas para avaliação de registro de produtos e à destinação dos valores arrecadados para ações de fiscalização e fomento de diversas atividades associadas ao desenvolvimento e instrumentalização técnica das áreas de análise e registro de agrotóxicos e produtos de controle ambiental, incluindo a implementação e manutenção do Sistema Unificado de Informação, Petição e Avaliação Eletrônica (SISPA).

Sem uma definição sobre o valor das taxas de registro e a destinação dos recursos arrecadados, o avanço do sistema de regulamentação e fiscalização de agrotóxicos e bioinsumos no Brasil será dificultado. Isso compromete a possibilidade de equiparação aos padrões de serviços prestados por agências regulatórias de referência internacional, como:

  • Estados UnidosEnvironmental Protection Agency (EPA);
  • União EuropeiaEuropean Food Safety Authority (EFSA);
  • CanadáPest Management Regulatory Agency (PMRA);
  • AustráliaAustralian Pesticides and Veterinary Medicines Authority (APVMA).

A melhoria dos serviços prestados pelos órgãos competentes no Brasil é fundamental, considerando a relevância da agricultura para o país e as crescentes preocupações da sociedade em relação ao uso de agrotóxicos.

A tabela a seguir (Figura 3) apresenta uma comparação entre o Brasil e as agências internacionais mencionadas, destacando alguns critérios e o tempo médio entre a submissão e a conclusão da análise para o registro de uma nova molécula.

Outro avanço que deveria ser contemplado nas taxas de registro destinadas ao custeio das melhorias nos órgãos reguladores é a nova Lei dos Bioinsumos (Lei nº 15.070, de 24/12/2024), aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pela Presidência da República. Essa legislação reforça o compromisso dos reguladores em estimular o uso de bioinsumos, promovendo a sustentabilidade da agricultura brasileira.

 Quantidade insuficiente de servidores no MAPA, ANVISA e IBAMA

A estrutura dos setores responsáveis pela regulamentação de agrotóxicos no MAPA, ANVISA e IBAMA opera com recursos abaixo do necessário para atender à crescente demanda da agricultura brasileira.

O MAPA, especialmente a Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA), a Divisão de Sanidade Vegetal (DSV) e a Coordenação-Geral de Agrotóxicos e Afins (CGAA), enfrenta desafios relacionados ao número insuficiente de servidores há anos. Embora o MAPA tenha participado do Concurso Público Nacional Unificado (CPNU), lançado em 2024 pelo Governo Federal, com 520 vagas para o ministério – incluindo posições como Auditor Fiscal Federal Agropecuário, Agente de Atividades Agropecuárias, Agente de Inspeção Sanitária e Industrial de Produtos de Origem Animal, Técnico de Laboratório, Analista em Ciência e Tecnologia e Tecnologista –, a expectativa é que a nomeação dos aprovados ocorra ao longo de 2025. Mesmo com essas contratações, é provável que o déficit de servidores persista, exigindo novas iniciativas para garantir a plena capacidade operacional do MAPA e de suas divisões.

Em 2024, a ANVISA enfrentou greves, paralisações e denúncias relacionadas à falta de recursos e reposição de profissionais, cujo número reduziu em cerca de 47% entre 2007 e 2024. Esse cenário compromete a capacidade da agência de atender às demandas crescentes, resultando em sobrecarga de trabalho e atrasos na análise de registros de medicamentos, produtos químicos e agrotóxicos, entre outros. Desde 2022, a liderança da ANVISA tem alertado repetidamente o governo federal sobre a falta de servidores, que impacta diretamente a agilidade dos processos e outras atividades essenciais. Embora a agência tenha realizado um concurso para 50 especialistas em regulação e vigilância sanitária no início de 2024 e solicitado um novo concurso com 91 vagas para 2025, o déficit de servidores persiste, agravado pelo fato de que mais da metade dos funcionários atuais estão aptos a se aposentar.

O IBAMA também enfrentou greves e paralisações dos servidores em 2024, impactando diversas áreas da instituição. Para recompor seu quadro de pessoal, o IBAMA tomou medidas para contratar novos profissionais. Em abril de 2024, havia mais de 2.200 cargos vagos, sendo aproximadamente 1.500 para Analista Ambiental e 700 para Analista Administrativo. Em julho de 2024, foi realizado um concurso público para 260 cargos (130 vagas para Analista Administrativo e 130 para Analista Ambiental). Outro concurso público foi anunciado em janeiro de 2025, oferecendo 460 vagas (130 para Analista Administrativo e 330 para Analista Ambiental). Embora essa iniciativa contribua para a recomposição do quadro, ela cobre apenas parte das vagas em aberto, indicando que o déficit de pessoal persistirá.

 Sistemas Informatizados

A submissão eletrônica de registros de agrotóxicos no Brasil foi implementada de forma gradual há mais de dez anos e, durante a pandemia de Covid-19, a análise eletrônica de registros se consolidou no MAPA, ANVISA e IBAMA.

Um exemplo dos avanços na digitalização é a Ferramenta de Leitura Otimizada no Registro de Agrotóxicos (FLORA), desenvolvida pela ANVISA para modernizar e agilizar o processo de avaliação toxicológica de produtos formulados e produtos equivalentes. O desenvolvimento da FLORA começou em 2019 e suas soluções foram incorporadas gradualmente, utilizando algoritmos para análise sistematizada de dados toxicológicos, permitindo uma avaliação mais rápida e padronizada. Em dezembro de 2024, a ANVISA publicou a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 950/2024, institucionalizando o uso da FLORA e estabelecendo requisitos complementares para otimizar a análise de petições para avaliação e classificação toxicológica de agrotóxicos formulados obtidos a partir de produtos técnicos equivalentes.

Apesar dos avanços no MAPA, ANVISA e no IBAMA, os sistemas informatizados não estão conectados entre si, o que dificulta a coordenação e o fluxo de informações durante a análise dos produtos submetidos simultaneamente aos três órgãos. Isso gera filas e atrasos, impactando a conclusão das análises.

A Lei nº 14.785/23 prevê dois sistemas para solucionar esse problema:

  1. Sistema Unificado de Cadastro e de Utilização de Agrotóxicos e de Produtos de Controle Ambiental Informatizado (Art. 22), que deverá integrar dados dos receituários agronômicos, cadastrar produtores, importadores e exportadores, e conectar-se aos sistemas de fiscalização estaduais e distrital.
  2. Sistema Unificado de Informação, Petição e Avaliação Eletrônica (SISPA) (Art. 58), que permitirá a coordenação e sincronização das análises feitas pelo MAPA, ANVISA e IBAMA, tornando o processo de registro mais eficiente e ágil.

A nova lei não estabeleceu um prazo para a implementação do Sistema de Cadastro Unificado, mas determinou que o SISPA seja concluído até 28/12/2024. No entanto, devido à complexidade do desenvolvimento do sistema, a falta de recursos no orçamento federal de 2024 e a necessidade de envolver diversas partes interessadas, ainda não há previsão para o lançamento da primeira versão do SISPA.

 Judicialização

Após a promulgação da Lei nº 14.785/23, os partidos políticos PSOL e PT, além da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), ingressaram com Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) no Supremo Tribunal Federal (STF), questionando a constitucionalidade de determinados dispositivos da nova lei.

Embora o projeto para modernizar a Lei nº 7.802/89 tenha tramitado por mais de 21 anos no Congresso Nacional e tenha sido aprovado por ampla maioria na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, setores da sociedade contrários ao texto final decidiram contestá-lo na Justiça. O STF ainda não proferiu decisões definitivas sobre essas ADIs, que seguem em fase de análise inicial.

Habilitação de Aplicadores de Agrotóxicos

O Programa de Habilitação de Aplicadores de Agrotóxicos (Aplicador Legal) foi instituído em 2022 por meio do Decreto nº 10.833/2021, que alterou o Decreto nº 4.074/2002. Para regulamentar essa iniciativa, o MAPA publicou a Portaria nº 410/2022, que estabelece o conteúdo programático mínimo dos cursos de capacitação, e a Portaria nº 606/2023, que define as diretrizes para a capacitação destinada à aprovação do registro de aplicadores de agrotóxicos e afins.

No entanto, o MAPA ainda não disponibilizou um sistema informatizado para o registro das entidades ofertantes e dos aplicadores aprovados nos cursos de capacitação. Embora os treinamentos estejam sendo realizados por meio do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) e outras entidades, nenhum aplicador aprovado foi oficialmente registrado na base de dados do Governo Federal.

O Artigo 96-A do decreto determina que, a partir de 31/12/2026, os aplicadores de agrotóxicos somente poderão exercer a atividade mediante registro nos órgãos de agricultura dos Estados e do Distrito Federal.

Para viabilizar a certificação de aplicadores habilitados que atuam no país, será necessário estender esse prazo na regulamentação da nova Lei nº 14.785/23.

Conclusões

O recorde de registros de agrotóxicos em 2024 não está relacionado à nova Lei nº 14.785/23, mas sim à quantidade de pleitos na fila e a algumas melhorias nos procedimentos administrativos, principalmente na análise de produtos equivalentes.

O número de registros de produtos pós-patente aumentou, assim como a importação direta de produtos formulados por entidades não industriais, ampliando a oferta, aumentando o número de players no mercado e reduzindo os custos para agricultores.

Para que MAPA, ANVISA e IBAMA atuem de forma integrada e coordenada, conforme previsto na nova lei, será necessário ampliar o diálogo entre os órgãos. Além disso, o SISPA e o Sistema Unificado de Cadastro precisam receber investimentos para implantação e manutenção, garantindo segurança digital e modernização tecnológica.

A estrutura de servidores e recursos dos órgãos regulatórios precisa ser ampliada para que o Brasil acompanhe o padrão de agências internacionais, como EPA (EUA), EFSA (UE), PMRA (Canadá) e APVMA (Austrália).

Por fim, a regulamentação da nova lei de agrotóxicos está atrasada e enfrenta desafios. O processo lembra o “labirinto de Kafka”, onde os principais interessados estão presos na burocracia, em disputas jurídicas e em dificuldades estruturais que impedem avanços rápidos.*

 

*Roberto Araújo é engenheiro agrônomo, membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS), mestre em Agronegócios e pós-graduado em Engenharia de Irrigação e Proteção de Plantas

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