Home Últimas Notícias [Opinião] Açúcar: o cachorro de Pavlov
Últimas Notícias

[Opinião] Açúcar: o cachorro de Pavlov

Compartilhar

Todo mundo conhece a experiência clássica de Ivan Pavlov (1849-1936). O cientista russo tocava um sino antes de oferecer comida a um cachorro. Depois de algumas repetições, bastava o som do sino para o cão começar a salivar. Um reflexo condicionado. Estímulo, resposta. Simples, eficaz, previsível.

Agora, transfira esse experimento para o mercado do açúcar. Substitua o cachorro por gestores de risco. O sino? São os preços de mercado. E a comida? Oportunidades de fixação em patamares altamente rentáveis, como aqueles que vimos num passado recente combinando preços robustos em NY e real desvalorizado contra a moeda americana.

Pois bem: o sino tocou. Tocou alto e claro quando o açúcar estava a 22.50 centavos de dólar por libra-peso. Tocou de novo na época dos incêndios e seca. E mais uma vez em 22 centavos de dólar por libra-peso. Em valores nominais (sem corrigir pelo IPCA) vimos o mercado bater 2,900 reais por tonelada, depois 2,800 e depois ainda 2,500 preços bem remuneradores. Mas, ao contrário do cão de Pavlov, os responsáveis pela gestão de risco das usinas não salivaram. Não travaram. Não reagiram. O reflexo condicionado foi substituído por um comportamento mais… filosófico: “vamos esperar mais um pouco” — frase que já deveria vir com contraindicação no rótulo.

Agora, com o mercado rondando os 16 centavos — e o outubro/25 fechando a semana em 16.37 centavos de dólar por libra-peso (queda de 32 pontos ou US$ 7.00 por tonelada), o arrependimento é coletivo. O março/26 encerrou a 17.06 centavos, queda semanal de 30 pontos (ou US$ 6.60 por tonelada). O sino continua tocando — agora como alarme de incêndio.

É difícil acreditar que ainda existam gestores convictos de que repetir o mesmo comportamento resultará em algo diferente. Já passou da hora de retirar a subjetividade das decisões de fixação. Nenhum executivo tem bola de cristal — se tivesse, bastaria comprar na baixa e vender na alta duas vezes por semana. O que falta, de fato, é política de risco. É processo. É disciplina. Um sistema com gatilhos claros, baseado em métricas objetivas — seja o EBIT, seja qualquer outro indicador econômico que reflita a realidade da empresa.

A sensação de desgaste quando o mercado age de forma errática é visível. Os fundos estão regendo a orquestra desafinada com os fundamentos. Mas, quem se importa? A cacofonia machuca os ouvidos mais sensíveis. Os fundos provavelmente carregam uma posição líquida vendida próxima dos 120 mil contratos. É o que tudo indica, embora o feriado de 4 de julho tenha adiado a divulgação oficial dos dados pelo CFTC (Commodity Futures Trading Commission), agência independente do governo dos Estados Unidos, que regula os mercados de futuros e opções das commodities.

O que chama a atenção é que os fundos parecem confortáveis aumentando suas apostas na queda, mesmo com margens já bastante comprimidas. Ou seja, botar o mercado para cima é ilimitado, mas para baixo esbarra no custo de produção dos países e tem o momento desestimula cuidados culturais e acaba sinalizando que o mercado encontrou um chão.

Não há dúvida de que, neste momento, os fundos estão confortáveis e lucrando com suas posições vendidas. Mas há um ponto que merece atenção. Nas últimas quatro semanas, os fundos aumentaram suas posições vendidas em mais de 50 mil lotes — saíram de um short de 61.500 contratos para 113.000. Durante esse período, o mercado caiu 145 pontos. Ou seja, para derrubar o mercado 100 pontos, eles precisaram vender cerca de 35.500 lotes. Isso mostra que é necessário um volume expressivo de vendas para provocar uma queda de 100 pontos nos preços.

Agora, vejamos o cenário inverso. Em 13 de maio, os fundos recompraram 9.845 lotes e, com isso, o mercado subiu 78 pontos. Em outras palavras, para uma alta de 100 pontos, são necessários apenas 12.600 lotes comprados.

Isso nos leva a uma conclusão importante: derrubar o mercado exige uma quantidade maior de lotes talvez porque o nível de preços próximo ao custo de produção do mais competitivo dos produtores (Brasil) acende um alerta para a disponibilidade do produto para as safras futuras. Precisa ter coragem ficar vendido açúcar abaixo do custo de produção do Centro-Sul. Já a recompra de posições (short covering) tem um impacto mais direto e potente sobre os preços do que a venda.

Portanto, se os fundos decidirem zerar os 113.000 contratos que estão vendidos, é razoável estimar que o mercado possa subir pelo menos 400 pontos — considerando a média de impacto observada. Isso revela a vulnerabilidade da posição vendida atual e o potencial de movimento caso haja uma confirmação dos fundamentos, ou seja, menor moagem e menor disponibilidade de açúcar do centro sul. Fizemos a mesma analogia no final de 2023 e todos lembram o que aconteceu com o mercado.

Enquanto isso, os custos de produção sobem. Estimamos que o açúcar FOB Santos gira hoje em torno de 15.25 centavos por libra-peso, podendo chegar a 16 centavos para algumas usinas. Nenhum país concorrente chega perto desse nível de custo, o que reforça o Brasil como produtor mais competitivo. Mas custo baixo não garante suporte eterno. Se o preço de tela não remunera, o corte de cuidados no campo vem — e a conta chega na safra seguinte.

E aqui voltamos à analogia do Pavlov. Os preços estavam gritando. Os fundamentos apontavam para proteção. O mercado ofereceu, diversas vezes, oportunidades claras de fixação. Mas a resposta dos gestores de risco foi a de sempre: hesitação, expectativa, procrastinação.

Talvez o problema não seja o sino, nem o mercado. Talvez falte condicionamento. Ou memória. Ou uma coleira que dê choque toda vez que alguém disser “vamos esperar só mais um pouco”. O cachorro de Pavlov aprendeu em três tentativas, quantas serão necessárias para os gestores do açúcar?

 

 

*Arnaldo Luiz Corrêa é analista de Mercado e Diretor da Archer Consulting

 

Compartilhar
Artigo Relacionado
Últimas NotíciasDestaque

Saldo global de açúcar para 2025/26 deve ter superávit de 3,04 milhões de t, mais modesto que o esperado

Relatório da StoneX projeta aumento de 5% na produção mundial; produção da...

Últimas Notícias

Fenasucro & Agrocana promove debates sobre o futuro da mobilidade sustentável

Tema será discutido em série de painéis dentro do novo espaço FenaBio...

Últimas Notícias

São Paulo lança consulta pública para criar certificado de garantia de origem do biometano paulista

Objetivo é estabelecer mecanismo estadual para incentivar produção e consumo do combustível...

Últimas NotíciasAgrícolaDestaque

ATR deve cair para R$ 1,15/kg na safra 2025/26, prevê Pecege

A safra 2025/26 deve registrar nova queda no preço do ATR (Açúcar...