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[Opinião] Cogeração de energia: uma potência adormecida no planejamento energético nacional

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Cogeração ou CHP (Combined Heat and Power): processo de geração e uso de duas formas de energia distintas a partir de uma única fonte primária que, entre várias vantagens, tem como principal a eficiência energética, pois parte de níveis na faixa de 65% chegando a 92% de eficiência no uso da fonte primária energética como energia útil.

Na virada deste século, um dos fatores que me influenciaram decisivamente a trilhar o caminho profissional na área de energia foi a cogeração de energia. Naquele momento, eu participava profissionalmente de um projeto bem-sucedido de cogeração a gás natural na indústria e fui ampliar meus conhecimentos e competências na área de energia ao fazer um MBA em Energia.

Em nossa monografia deste MBA, eu e o saudoso Jayme Pena Schutz abordamos o mercado de cogeração no Estado de São Paulo como modelo de geração distribuída, com o foco nas indústrias da cana-de-açúcar e do gás natural. Ambas as indústrias em forte expansão naquele momento. Pouco depois deste MBA fui trabalhar em projetos de geração de energia na área sucroenergética, inseridos na cogeração de energia. Assim, mergulhei na cogeração, nos ciclos termodinâmicos e, de lá para cá, centenas de projetos, balanços de massa e energia e análises de consumos térmicos e de potência no setor industrial, inclusive, com a oportunidade de ministrar treinamentos sobre este tema.

Após 20 anos neste caminho, minha pergunta neste momento é: como a cogeração caminhou neste primeiro quarto de século no Brasil?

Para responder essa pergunta, o primeiro desafio é encontrar os dados específicos sobre cogeração. Não há dados específicos de cogeração no Balanço Energético Nacional (BEN).  A única citação à cogeração no BEN diz respeito a uma nota técnica de 1993 que recomenda o seguinte: “Na falta de dados dos Autoprodutores, pelos exemplos apresentados, recomenda-se adotar 50% como rendimento médio na Cogeração (rendimento que incorpora proporcionalmente as perdas na caldeira)”. Os exemplos apresentados se referiam à indústria de açúcar e álcool daquela época. E isto já mudou bastante.

Na prática, hoje, não temos dados oficiais de cogeração no Brasil, especialmente de consumo térmico de processo e/ou acionamentos mecânicos diretos à vapor – turbinas a vapor, turbinas a gás ou motores que acionam diretamente equipamentos e com calor residual útil (ou refrigeração).

Assim, uma maneira de avaliar dados de cogeração pode ser feita a partir da autoprodução de energia elétrica a partir da geração térmica. Com dados do Anexo X – Matriz aberta e comercial 1970 a 2024, do BEN 2024, fizemos a extração de alguns dados da evolução da autoprodução de eletricidade no Brasil, apresentados na tabela abaixo.

 

Para avaliar a geração de eletricidade a partir de cogeração, deve se destacar no quadro acima que as fontes de geração térmica com rendimento abaixo de 41% representam majoritariamente a geração pura de eletricidade e, de forma geral, que as demais fontes representam um mix de geração pura com cogeração. Numa conta grosseira, a cogeração no Brasil deve representar atualmente algo em torno de 7% a 9% da geração de eletricidade no Brasil.

No cenário externo, a COGEN World Coalition (CWC) apresenta o cenário da cogeração no mundo. Este cenário também apresenta a geração de potência apenas na forma de eletricidade, mas com contabilização do uso de calor em grande parte dos países. O quadro ilustrativo a seguir apresenta alguns destaques da cogeração no mundo e suas principais fontes, incluindo o Brasil, a partir dos dados do relatório da CWC de 17/Dez/2024:

Confrontando os dados do BEN com os dados da COGEN World Coalition (CWC), identificamos uma inconsistência: A CWC utiliza dados totais de autoprodução através de geração térmica para mostrar que a cogeração no Brasil representou 13,6% da geração de eletricidade no Brasil em 2021. O correto seria identificar este percentual como geração de eletricidade distribuída de fonte térmica.

Voltando ao objetivo de responder à pergunta original, ao analisar o quadro brasileiro, nota-se que o impulso da cogeração no Brasil aconteceu de fato entre 1995 até 2015, e teve como vetores principais as indústrias sucroalcooleira e de celulose e papel, ambas com combustíveis residuais próprios e renováveis. Num patamar um pouco abaixo, mas ainda significativo, a indústria siderúrgica e o segmento consumidor de gás natural.  De 2015 para cá, uma certa estabilidade com viés de queda no percentual de participação total, por conta do grande crescimento dos autoprodutores de energia eólica e solar fotovoltaica, da estabilidade na autoprodução com bagaço de cana e pequena redução no segmento de gás natural.

Para o futuro, algumas reflexões:

  • Há ainda espaço para ampliação da cogeração na indústria sucroalcooleira, com o retrofit de centrais termelétricas a bagaço e o uso do biogás.
  • Podemos ir além, ampliando o leque de cogeração renovável na qual somos pioneiros e majoritários, usando a lenha, o biogás, o carvão vegetal, outras biomassas, os processos de gaseificação, não apenas para geração de eletricidade, mas para geração combinada de potência e calor e/ou frio, ampliando a sustentabilidade dos processos.
  • O gás natural ainda pode ser um vetor importante na transição energética, se usado como combustível de cogeração, com desafios ainda na expansão e capilarização das redes de transmissão e distribuição. Quem sabe o biometano, como “gás natural renovável”, possa dar impulso a processos de cogeração onde os ciclos a gás ou combinado são melhores aplicados, injetando energia renovável nas redes de gás canalizado em complemento/substituição do gás natural.

Porém, precisamos de conhecimento, educação e competência específica para a para a cogeração em cada segmento, especialmente nos mercados industrial e comercial que dependem de fontes energéticas externas para geração de calor e ainda compram eletricidade do mercado. Precisamos usar e incentivar a cogeração como instrumento de eficiência energética, especialmente para estes consumidores.

Apesar da cogeração ser uma ferramenta de eficiência energética, o Atlas da Eficiência Energética Brasil 2024 – Relatório de Indicadores, não cita a cogeração. Oxalá o próximo Atlas da Eficiência Energética conte com a cogeração, e que ela entre de vez no planejamento energético nacional.

Como nota a este artigo, meu agradecimento à Renova Consultoria, que neste último mês ampliou o escopo de nosso trabalho para um cliente do setor sucroalcooleiro, oferecendo também alternativas de cogeração com uso do biogás.

 

*Sergio Ferreira é Consultor técnico em Energia e Cogeração da Renova Consultoria

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