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Cientistas brasileiros transformam CO2 em combustível para navios, carros e caminhões

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Projetos em desenvolvimento buscam estabelecer a produção industrial de metanol, gasolina e diesel renováveis

O dióxido de carbono (CO2) é o principal gás gerador do efeito estufa (GEE), fenômeno associado ao aquecimento global e às mudanças climáticas. Nos últimos anos, pesquisadores mostraram que o CO2 pode ser capturado de processos industriais ou diretamente da atmosfera e usado como insumo de combustíveis renováveis.

No mundo, soluções tecnológicas capazes de realizar esse processo já fazem a transição dos laboratórios de pesquisa para a produção em escala industrial. No Brasil, dois projetos têm o potencial de colocar o país entre os detentores de tecnologias capazes de usar o gás carbônico como insumo para o abastecimento de diferentes tipos de veículos.

Uma das iniciativas foi concebida no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) no âmbito do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), uma parceria entre a Fapesp e a empresa energética anglo-holandesa Shell. Seu objetivo é produzir uma versão sustentável do metanol (CH3OH), conhecida como e-metanol, utilizando energia renovável no processo e CO2 capturado de usinas de etanol. A meta é empregar o combustível na propulsão de navios, uma aposta do setor marítimo para a transição energética.

O outro projeto, da empresa energética sino-espanhola Repsol Sinopec Brasil, é realizado em parceria com a Hytron, startup brasileira incorporada em 2020 ao grupo alemão Neuman & Esser, com o Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai-CETIQT) e a USP. A tecnologia em desenvolvimento tem apoio laboratorial do RCGI e visa à produção de gasolina e diesel sustentáveis para veículos automotores, aéreos e marítimos, reutilizando CO2.

“Queremos apresentar uma alternativa tecnológica nacional aos investidores interessados em produzir e-metanol no Brasil”, diz o engenheiro químico Pedro Vidinha, do IQ-USP e cofundador da Carbonic, startup criada em 2022 para viabilizar comercialmente o projeto.

O processo desenvolvido pela equipe da USP foi concebido para capturar CO2 proveniente da fermentação da cana-de-açúcar em usinas de etanol, mas também pode ter como insumo outras fontes de gás carbônico. Segundo Vidinha, as usinas sucroalcooleiras reúnem em um mesmo local três recursos que, juntos, as tornam competitivas para a produção de e-metanol.

Um deles é a elevada disponibilidade de CO2 com alto grau de pureza, acima de 90%, gerado no processo fermentativo da cana. De acordo com o pesquisador, o Brasil produz por volta de 37 bilhões de litros de etanol por ano e o processo produtivo emite 28 milhões de toneladas de CO2.

“Essa quantidade de gás é suficiente para servir de insumo para mais de um terço da produção atual de metanol no mundo, de cerca de 98 milhões de toneladas anuais”, compara Vidinha. O peso é a unidade de medida comercial do metanol.

A queima do bagaço de cana, prática comum na maioria das usinas, fornece os outros dois recursos. O primeiro é a energia elétrica que resulta da incineração da biomassa. Como os insumos do e-metanol são o CO2 e o hidrogênio (H2), os pesquisadores cogitam usar a eletricidade gerada para instalar uma unidade de produção de H2. A planta, abastecida com energia gerada por fonte renovável, fará a produção do H2 via eletrólise da água, um processo que consiste na quebra desta molécula (H2O) para se obter o hidrogênio.

O outro recurso que resulta da queima do bagaço é o vapor, que poderá ser usado como gás de processo e para aquecer o reator químico onde as moléculas de H2 e CO2 serão misturadas para a produção do e-metanol. Nesse processo, o reator deverá trabalhar em temperaturas entre 200°C e 250°C.

Planta-piloto

A captura de CO2 na fermentação de cana tem uma rota tecnológica consolidada e já bastante empregada pela indústria do etanol, que revende o gás retido para fabricantes de alimentos e bebidas. A tecnologia de produção de hidrogênio sustentável também está disponível.

O método comercial prevalente para a produção de metanol convencional usa como insumo o gás de síntese e não costuma empregar fontes sustentáveis de energia. O gás de síntese é obtido a partir da gaseificação por meio da combustão de materiais de origem fóssil, como carvão mineral ou gás natural, misturados com hidrogênio e monóxido de carbono.

Na sequência, o gás passa por uma reação catalítica, ou seja, uma reação acelerada por um catalisador – substância que promove a reação entre reagentes químicos sem ser consumida no processo. O padrão da indústria de metanol é o catalisador metálico obtido de cobre, zinco e alumínio, conhecido como CZA.

No projeto do IQ-USP, o gás de síntese de origem fóssil é substituído por CO2. O processo emprega uma reação de hidrogenação, na qual o hidrogênio converte diretamente o CO2 em metanol por meio de uma reação catalítica.

O principal desafio tecnológico da equipe paulista foi criar um catalisador eficiente para fazer essa conversão. A solução veio com o trabalho de doutorado da química Maitê Lippel Gothe, sob orientação de Vidinha, que resultou no desenvolvimento de um catalisador com base em dois componentes, os óxidos de titânio e de rênio. O novo catalisador teve sua patente depositada no Brasil e foi foco de um artigo publicado no Journal of CO2 Utilization, em 2020.

Em testes laboratoriais com o reator a 200°C, relata Vidinha, o novo catalisador é capaz de converter cerca de 18% de CO2 em produtos como metanol, metano e monóxido de carbono, apresentando uma seletividade de 98% para o metanol – ou seja, o metano corresponde a 98% do produto final.

No entanto, os testes em bancada utilizam o catalisador em pó, inadequado para a produção em escala industrial, pois o pó entope o reator. No momento, o catalisador está sendo estruturado para ser usado em forma de pellet, pequenos aglomerados cilíndricos de poucos milímetros de diâmetro.

Uma planta-piloto de produção de metanol deverá ser construída, até o início de 2026, na Cidade Universitária da USP, na capital paulista. A unidade experimental testará o catalisador no formato de pellet, caso seu desenvolvimento seja bem-sucedido. A meta é gerar até 3 litros de metanol por dia. “O passo seguinte será construir uma planta de demonstração industrial em uma usina de etanol. Já há interessados”, afirma Vidinha.

Os pesquisadores estimam que uma unidade em escala industrial seria capaz de produzir pelo menos 100 mil toneladas por ano de metanol. Estudos de viabilidade técnica e econômica estão sendo realizados. Para que o metanol seja sustentável, ou seja, possa ser classificado como e-metanol, é preciso que a energia usada no processo de produção venha de fontes renováveis, como eólica, solar ou biomassa.

Vários grupos de pesquisa no mundo se dedicam à fabricação de catalisadores adequados para a hidrogenação catalítica do CO2 para a produção de combustíveis sustentáveis, como o e-metanol. Esse é um dos principais desafios do processo.

A engenheira química Liane Marcia Rossi, do IQ-USP, diretora do RCGI, participante do projeto e cofundadora da Carbonic, integrou um grupo internacional, que reuniu ainda pesquisadores da University College London, na Inglaterra, e das universidades de Lorraine, na França, Leiden, na Holanda, e Bolonha, na Itália, na elaboração de um artigo que apresentou um panorama global dos estudos nessa área.

O trabalho, que também discutiu os desafios a serem superados, foi publicado na revista Science em fevereiro deste ano. Os cientistas sustentam que a “hidrogenação com CO2 oferece uma solução de combustível limpo [e-combustíveis] para setores de difícil eletrificação, como a aviação e o transporte marítimo”.

Gasolina e diesel renováveis

A Repsol Sinopec Brasil denomina de CO2CHEM seu projeto de produção de gasolina e diesel renováveis a partir de CO2 e hidrogênio. O investimento é de R$ 20 milhões.

Uma unidade-piloto entrou em operação em março na sede da Hytron, em Campinas (SP), e está em etapa de operação assistida. A previsão é de uma produção de até 20 litros de combustível renovável por dia, consumindo até 1 tonelada de CO2. Segundo a engenheira civil Cassiane Nunes, gerente de portfólio de pesquisa da Repsol Sinopec, o CO2CHEM utiliza gás carbônico e água como matérias-primas para a produção de combustíveis renováveis.

“O CO2 empregado pode ser proveniente de qualquer fonte. Por meio da eletrólise da água, é gerado o H2, que, combinado ao dióxido de carbono, produz combustíveis renováveis, garantindo um ciclo fechado de produção e consumo de CO2”, explica a engenheira. “O sistema pode ser alimentado por fontes de energia renovável, garantindo a sustentabilidade da cadeia”.

A companhia, segundo Nunes, tem a intenção de utilizar na planta-piloto o CO2 capturado através da tecnologia Direct Air Capture (DAC), implementada de maneira pioneira no Brasil por meio de um projeto elaborado com o Instituto do Petróleo e dos Recursos Naturais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (IPR-PUCRS). A tecnologia DAC permite a captura de CO2 direto do ar, removendo carbono da atmosfera.

A Hytron, que surgiu como uma spin-off da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em 2003, é responsável pelo desenvolvimento tecnológico da planta de produção de combustíveis renováveis. “Os próximos passos incluem testes para validar a eficiência do combustível produzido e seu desempenho em diferentes motores, além de estudos sobre o aumento de escala do processo produtivo e sua viabilidade econômica”, declara Nunes.

Pioneirismo dinamarquês

Apesar de a tecnologia para produção do e-metanol, como o que se encontra em desenvolvimento no IQ-USP, ainda demandar aprimoramentos, a fabricação desse combustível já é uma realidade comercial desde maio, quando entrou em operação em Kasso, na Dinamarca, a primeira planta do mundo, com capacidade para produzir 42 milhões de toneladas de e-metanol por ano.

Abastecida por energia renovável, a unidade utiliza CO2 capturado em usinas de biogás. A fábrica pertence à dinamarquesa European Energy e à japonesa Mitsui e recebeu investimentos de € 150 milhões.

O principal cliente do combustível renovável fabricado em Kasso é a companhia de navegação dinamarquesa Maersk, que opera 12 navios porta-contêineres que podem ser movidos a óleo combustível fóssil ou e-metanol. A multinacional do setor marítimo já contratou outras 20 embarcações com motor movido a biocombustível.

Segundo a Maersk, os navios propelidos com e-metanol emitem 65% menos GEE do que os que usam combustíveis fósseis. A companhia comunicou a intenção de utilizar cada vez mais o e-metanol nas embarcações na medida em que esteja disponível em portos ao redor do mundo.

No Brasil, pelo menos três projetos de produção de e-metanol já foram anunciados, além dos citados nesta reportagem. Em 2024, a Petrobras divulgou um acordo de princípios com a European Energy para a implantação de uma unidade fabril de e-metanol em Pernambuco.

Também no ano passado, a petroquímica Braskem firmou uma parceria com a Universidade da Columbia Britânica, no Canadá, para o financiamento de um projeto de desenvolvimento de tecnologia para produzir metanol a partir do CO2. O objetivo da companhia é fabricar e-metanol para ser usado como insumo petroquímico e combustível.

Procuradas pela reportagem, as duas empresas declararam que os projetos estão em fase inicial e que não podem fornecer informações a respeito.

Outra iniciativa anunciada é da HIF Global, empresa do grupo chileno de energia renovável AME, que fez uma reserva de área no Porto do Açu, em São João da Barra (RJ), para construir uma unidade de e-metanol. A companhia não forneceu detalhes do projeto.

O e-metanol ainda não é competitivo. De acordo com Vidinha, enquanto o combustível apresenta um custo na casa de US$ 1.300 por tonelada, valor que deve cair significativamente quando houver produção em maior escala, o bunker – o óleo combustível fóssil de uso em navios – sai por volta de US$ 300/t.

Responsável por 3% das emissões globais de GEE, o setor marítimo tem como meta zerar até 2050 suas emissões líquidas desses poluentes. Um acordo estabelecido em abril deste ano na Organização Marítima Internacional (IMO) regulamenta a descarbonização e estabelece um cronograma de metas de redução das emissões de CO2 que variam conforme o porte do navio e evoluem gradualmente entre 2028 e 2050. O descumprimento das metas resultará em multas que começam em US$ 380/t de combustível fóssil acima do permitido e chegará em 2050 com penalidades que superam US$ 1 mil por tonelada.

Agência Fapesp | Domingos Zaparolli

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