Quatro anos após abrir o capital com a maior venda de ações da América Latina, a Raízen, joint venture entre a Cosan e a Shell, negocia uma injeção de capital depois que sua dívida aumentou 56% no ano passado e a ação teve queda perto de 70%
Era apenas mais uma manhã de terça-feira no coração da região canavieira do Brasil quando trabalhadores de Sertãozinho, uma pequena cidade a quatro horas de São Paulo, ouviram a notícia.
Quase todos que trabalhavam na usina Santa Elisa, da Raízen, iriam perder o emprego. A unidade, que impulsionou a economia da cidade por quase 90 anos, estava paralisada por tempo indeterminado.
“Eu me senti anestesiado, olhei nos olhos das pessoas e vi tristeza neles”, disse o instrumentista Natã Nóbrega, que trabalhou na usina por duas décadas, em entrevista à Bloomberg News no mês passado. “Ninguém esperava por isso”.
O fechamento em julho da Santa Elisa, que já foi a maior usina do Brasil, o maior país produtor de açúcar do mundo, foi um sinal de alerta.
A Raízen, uma joint venture entre a Cosan e a Shell, estava em apuros. Foi uma mudança drástica na sorte de uma empresa que abriu o capital há apenas quatro anos, como a maior venda de ações da América Latina em 2021.
Na última quinta-feira, 14, o diretor financeiro Rafael Bergman soltou uma “bomba”: a Raízen está “conversando ativamente” sobre uma injeção de capital depois que sua dívida aumentou 56% no ano passado e a empresa queimou uma “pilha de dinheiro” de R$ 7 bilhões nos três meses encerrados em 30 de junho.
As ações da empresa despencaram até 15% em São Paulo após a notícia, para atingir a mínima histórica de apenas R$ 1,02. Essa foi a maior queda desde que a empresa abriu o capital. A ação agora está a uma fração do recorde de R$ 7,60 atingido em seu primeiro dia de negociação. Em 12 meses, a desvalorização da ação RAIZ4 se aproxima de 70%.
Possibilidade remota
A capitalização da Raízen era vista até então pela maioria dos analistas como uma possibilidade remota. Afinal, a Cosan é controlada pelo bilionário brasileiro Rubens Ometto, que historicamente gosta de manter um controle firme sobre seus negócios: atrair novo capital diluiria seu poder e influência.
Executivos da Cosan nesta sexta-feira, 15, disseram que a companhia está aberta a investimento de fora. “Trazer um sócio estratégico é uma opção de que gostamos,” disse o CEO da Cosan, Marcelo Martins. Um novo investidor, disse ele, precisa ser “alguém que tem alinhamento com a nossa estratégia e a da Shell”.
Embora a redução da dívida possa “abrir caminho para que os investidores recuperem o interesse nas ações”, por enquanto a medida significa que os atuais acionistas verão sua fatia diluída, disseram analistas do UBS BB liderados por Matheus Enfeldt em um relatório na quinta-feira.
Quando a Raízen foi formada, em 2011, a Shell e a Cosan traçaram um panorama otimista, estimando que a nova companhia poderia atingir US$ 12 bilhões em valor. De fato, o IPO a avaliou em US$ 14,3 bilhões.
Para cumprir seus ambiciosos planos de crescimento, os investimentos e os gastos da Raízen quase dobraram nos últimos quatro anos, em sua maioria contratados no momento de juros em patamares historicamente baixos.
Mas o aumento acentuado das taxas de juros – para o maior patamar em quase duas décadas – elevou sua dívida. No final de junho, a dívida líquida era de R$ 49 bilhões, ante R$ 31,6 bilhões no ano anterior.
Em fevereiro de 2021, a Raízen adquiriu a Biosev, uma empresa brasileira de açúcar controlada até então pela Louis Dreyfus Holding. A empresa estava perdendo dinheiro e suas usinas nem sempre eram as mais eficientes.
As apostas da Raízen em biocombustíveis de segunda geração, açúcar rastreável e combustível de aviação sustentável (SAF, na sigla em inglês) tinham foco no longo prazo e não deram resultado a tempo.
A empresa, que agora vale “apenas” cerca de US$ 2 bilhões, está “puxando os freios” nos planos de produzir etanol a partir de resíduos de cana e suas esperanças de exportar etanol para os Estados Unidos para produzir combustível de aviação sustentável foram atingidas pelas tarifas de 50% de Donald Trump.
Embora anos de preços baixos do açúcar e do etanol também tenham prejudicado a indústria em geral, a endividada Raízen teve desempenho inferior ao de seus pares, incluindo São Martinho e Jalles Machado.
Na tentativa de se manter saudável, a Raízen passou por uma reformulação de gestão no ano passado, nomeando Nelson Roseira Gomes Neto, ex-executivo da Cosan, como CEO. Também começou a vender ativos, tendo já se desfeito de sua usina de açúcar Leme, em Piracicaba, a duas horas de São Paulo, e de 55 unidades que geravam energia elétrica a partir de fontes renováveis.
Há mais por vir. Os desinvestimentos de ativos até agora representaram o equivalente a apenas 7% da dívida líquida, disse o CEO Gomes Neto. A empresa também está em negociações para vender usinas em Mato Grosso do Sul e a refinaria de petróleo e postos de gasolina na Argentina, segundo informou a Bloomberg. “A jornada de venda continuará”, disse Bergman na quinta-feira. “Reconhecemos que esta não é uma jornada de curto prazo”, completou.
Na busca de um novo investidor, a Lazard assessora a Shell, e o Itaú, a Cosan, segundo o jornal Valor Econômico relatou na quinta-feira.
Espera-se que o novo sócio traga liquidez à empresa enquanto os planos de venda de ativos ainda não estão totalmente concluídos. Em Sertãozinho, cerca de 1,2 mil pessoas acabariam perdendo o emprego na usina Santa Elisa, adquirida pela Raízen no acordo com a Biosev. Não era isso que as pessoas da cidade esperavam que acontecesse.
“Pensei que um dia ela poderia voltar a ser o que era”, disse Maurílio Biagi Filho, um ex-executivo que administrou a Santa Elisa – uma usina adquirida por seu avô em 1936 – por anos antes da venda para a Dreyfus. “Mas os fatores econômicos se sobrepõem a qualquer outro cenário”, lamenta.
Bloomberg| Dayanne Sousa