A cada safra, os canaviais paulistas têm convivido com um inimigo de difícil percepção a olho nu, mas de grande impacto no bolso. A Síndrome da Murcha mostra sua face de forma mais intensa a partir de agosto, quando a combinação de déficit hídrico, florescimento e estresse fisiológico (fatores abióticos mais intensos) o que cria um ambiente propício para o complexo de patógenos prosperar. (na verdade ele já está instalado nas GRANDES LAVOURAS.)
Os levantamentos recentes, consolidados até agosto de 2025, comprovam a tendência: a murcha cresce no final da safra, reduzindo toneladas, ATR e qualidade industrial. Veja na figura abaixo, a evolução histórica do ataque da SÍNDROME DA MURCHA, ocorrida no centro do estado de São Paulo nos últimos anos.
O divisor de águas depois de agosto
Os dados históricos mostram que, em média, a incidência no período crítico varia entre 12% e 13%. Isso se traduz em uma perda média de 9 a 10 toneladas de cana por hectare.
Em 2024, por exemplo, a região central de São Paulo apresentou 11% de incidência em agosto, equivalente a 8,25 t/ha de perda, e 11,6% em novembro, o que significou 8,7 t/ha a menos por hectare. Em dezembro, a situação foi ainda mais grave, com 13,4% de incidência e perdas de 10 t/ha, derrubando o TCH de um potencial de 75 t/ha para apenas 65 t/ha em áreas afetadas.
Veja os dados da evolução da doença em 2025, comparada com 2024, no interior de São Paulo em um grande produtor de cana de açúcar.
O que isso representa em reais/R$:
O custo de produção de uma tonelada de cana, segundo o PECEGE em 2025, é de R$ 159. (Fonte: PECEGE) Aplicando o fator de 0,75 t/ha de perdas de produção para cada ponto percentual de murcha, temos o seguinte impacto:
- Novembro, média histórica (12,8%): 9,65 t/ha perdidas, equivalendo a um prejuízo de R$ 1.533 por hectare;
- Novembro, 2024 (11,6%): 8,7 t/ha perdidas, equivalendo a R$ 1.383 por hectare;
- Dezembro, 2024 (13,4%): 10 t/ha perdidas, equivalendo a R$ 1.598 por hectare.
Em uma frente de produção envolvendo cultivo de 10.000 hectares, isso significa prejuízos na ordem de R$ 13,8 milhões a R$ 15,9 milhões em apenas uma safra. Isso afeta a rentabilidade do negócio, reduz margens e põe em risco a sustentabilidade da grande lavoura canavieira.
Imaginem extrapolar esse dados para 50% da lavoura canavieira, que está na casa dos 9 milhões de hectares cultivados. Isso daria um montante de 6,7 BILHÕES DE REAIS de prejuízos.
Esses números mostram como a murcha é um problema econômico e não apenas fitopatológico.
A dupla face da murcha: reflexos agroindustriais
A doença rouba toneladas de colmos e qualidade de matéria-prima ao mesmo tempo. O ATR cai, o amido e as infecções no processo industrial aumentam e a indústria paga o preço em forma de menor rendimento, maiores custos de processamento e fermentações instáveis.
A cada caminhão que chega com colmos infectados, a planilha de custos da usina fica mais pesada.
Como virar esse jogo? Monitorar. Intensificar amostragens a partir de agosto, usar drones e mapas de colheita para enxergar o problema cedo; Planejar a colheita. Colher primeiro áreas críticas, higienizar colhedoras e transbordos, reduzir ferimentos em solos secos; Reposicionar variedades. Evitar que as mais sensíveis fiquem em ambientes restritivos, garantir mudas sadias e viveiros rastreados; Fortalecer a planta. Reforçar potássio, cálcio e silício, corrigir compactação profunda e ampliar reserva hídrica no perfil; Atacar em rede. Controlar pragas que abrem portas para o complexo da murcha, ajustar maturadores e inibidores de florescimento para reduzir ponteiros ricos em amido.
De número em número, a decisão necessária para enfrentamento da doença.
A mensagem é clara: cada 1% de murcha é igual a 0,75 t/ha perdida.
Quando traduzimos percentuais em toneladas e toneladas em reais, a doença ganha contorno econômico e se torna argumento de decisão para diretores, gerentes e produtores. Não é apenas ciência, é fluxo de caixa.
Convite à virada.
O I Simpósio Nacional da Síndrome da Murcha, que acontece no dia 30 de setembro no Centro de Cana do IAC, em Ribeirão Preto, será o espaço para trocar experiências, validar cálculos regionais e propor medidas conjuntas. A história mostra que a doença cresce depois de agosto. A decisão que tomarmos agora vai definir se o final da safra será de perdas inevitáveis ou de controle estratégico.
*José Cristóvão Momesso é especialista em Estratégia em Cana e Soluções para o Agronegócio da CANAEX (Instituto Nacional de Excelência Canavieira) (https://www.canaex.com.br)