Texto segue para sanção presidencial e enfrenta críticas por fragilizar proteção ambiental e abrir espaço para autodeclarações de empreendedores
A Câmara dos Deputados aprovou, na madrugada desta quinta-feira (16), por 267 votos a favor e 116 contrários, o projeto de lei que flexibiliza as regras do licenciamento ambiental no país. A proposta, que segue agora para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cria sete tipos diferentes de licenciamento, incluindo modalidades que permitem a autodeclaração do empreendedor por meio de termo de compromisso.
A votação ocorreu em sessão remota e estendida pela madrugada, o que gerou críticas de parlamentares contrários ao texto. A aprovação representa uma derrota política para a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e para a ala ambientalista do governo, que considera a proposta um retrocesso na legislação ambiental brasileira.
Já os ministérios da Casa Civil, Agricultura, Transportes e Minas e Energia sinalizaram apoio ao projeto, sob o argumento de que as mudanças podem destravar obras de infraestrutura e melhorar a capacidade de execução de projetos estratégicos pelo governo.
Apesar da divisão interna no Executivo, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), orientou a base aliada a votar contra o projeto.
O que muda com o novo projeto
Entre os principais pontos da proposta está a criação de licenças ambientais simplificadas, que reduzem etapas de análise técnica por parte dos órgãos reguladores. Quatro tipos de licenças poderão ser concedidas mediante declaração do próprio empreendedor, sem exigência de avaliação detalhada prévia:
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Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC): concedida com base em declaração de compromisso do empreendedor com exigências estabelecidas pela autoridade licenciadora;
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Licença Ambiental Única (LAU): engloba viabilidade, instalação e operação de um empreendimento em uma única etapa;
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Licença de Operação Corretiva (LOC): regulariza empreendimentos que estejam operando sem licença ambiental;
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Licença Ambiental Especial (LAE): modalidade proposta pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), para permitir a instalação de projetos estratégicos, mesmo que causem significativa degradação ambiental.
As licenças autodeclaradas serão permitidas apenas para atividades de médio e baixo risco, e os órgãos ambientais locais (estaduais e municipais) definirão quais empreendimentos se enquadram nessas categorias. Mineradoras de alto risco, no entanto, também poderão se beneficiar da nova legislação, segundo emenda aprovada pelo Senado.
Outro ponto polêmico é a possibilidade de renovação automática de licenças, sem reanálise técnica, desde que o empreendedor declare que não houve mudança nas características do empreendimento e que as condicionantes ambientais estão sendo cumpridas.
Críticas e protestos em plenário
A aprovação da proposta foi marcada por tensão e confusão no plenário virtual. A deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG) foi alvo de comentários ofensivos de parlamentares da oposição. O deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS) ironizou o uso de cocar pela parlamentar, dizendo que ela precisaria de uma licença ambiental para usá-lo. Já Kim Kataguiri (União-SP) disse que a deputada estava “fantasiada de cosplay”.
Emocionada, Célia pediu a palavra e criticou os ataques. A sessão foi interrompida e a Polícia Legislativa precisou ser acionada. Deputados da base aliada, como Glauber Braga (PSOL-RJ) e Jandira Feghali (PCdoB-RJ), prestaram apoio à parlamentar indígena.
Interesses em jogo: do agronegócio à exploração da Margem Equatorial
O projeto tramitava há quase 20 anos, desde sua apresentação em 2004, mas ganhou força recentemente com o apoio da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e de líderes do Congresso, como Davi Alcolumbre. O senador defende a exploração de petróleo na Margem Equatorial, região que inclui a Foz do Amazonas, e poderá se beneficiar com a Licença Ambiental Especial (LAE) para acelerar empreendimentos na área.
A proposta também retira o poder de veto da Funai e de comunidades indígenas e quilombolas em casos de obras que não afetem diretamente terras demarcadas. Para críticos, essa mudança enfraquece o papel de populações tradicionais na defesa de seus territórios e compromete a proteção de biomas como a Mata Atlântica, já que o texto também retira a necessidade de anuência do Ibama em casos de desmatamento nesse bioma.
Com a aprovação na Câmara, o projeto segue agora para sanção do presidente Lula. O governo ainda pode vetar trechos do texto ou sua totalidade, mas esses vetos podem ser derrubados pelo Congresso Nacional. Integrantes da ala ambientalista do governo já indicam que há base jurídica para questionar a proposta no Supremo Tribunal Federal (STF).
Enquanto isso, a sociedade civil, ambientalistas e parte da comunidade científica alertam para os riscos de fragilização da legislação ambiental e aumento da judicialização em decorrência de licenças concedidas sem a devida análise técnica.
Com informações de O Globo