Com o avanço da safra 2025/26 e o recuo nos preços internacionais do açúcar, usinas brasileiras já começam a reavaliar o mix de produção. A recuperação do etanol nas últimas semanas e os compromissos de exportação assumidos anteriormente estão entre os fatores que pesam na tomada de decisão.
Segundo Bruno Zanetti, consultor de risco da StoneX, apesar da melhora na paridade do etanol, o mix ainda permanece mais açucareiro. “Sazonalmente, as últimas semanas da safra naturalmente pendem para um mix mais alcooleiro. Até o momento, contudo, apesar da relação de preços mais favorável ao etanol, estamos ainda com um mix bastante açucareiro. Até o final de agosto, o mix estava em 52,8%, quase 4% acima do ano passado. A razão é que a relação imediata de preços não se traduz diretamente numa mudança de mix, por conta dos compromissos comerciais e posições hedgeadas.”
Pedro Mizutani, diretor da Czarnikow, também observa um cenário semelhante, mas reforça que a virada no mercado já ocorreu: “De acordo com o último relatório divulgado pela UNICA referente à segunda quinzena de agosto, o mix ainda estava bem alto, por volta de 54,2%. Porém, desde essa quinzena até hoje, o mercado caiu cerca de 120 pontos, ou seja, 1,2 c/lb. Neste nível de preço, já faz sentido para quase todas as usinas produzirem etanol.”
O movimento de mudança parcial no mix já é observado em grupos como a Japungu, que decidiu destinar 15% da cana ao etanol. Para Zanetti, esse tipo de decisão estratégica pode ser seguido por outras usinas: “São decisões estratégicas que, grupo a grupo, irão caminhar mais ou menos nesta direção. Além da relação direta dos preços, questões como distância para o porto, compromissos comerciais já estabelecidos também são determinantes.”
Mizutani vai na mesma linha: “Tudo depende do preço. Nos preços atuais de açúcar, etanol e dólar, devemos ver uma tendência para maior produção de etanol, diminuindo o açúcar disponível para o mercado.”
Cristian Juliani Quiles, da FG/A, reforça que os preços do açúcar em Nova York, convertidos para reais, recuaram quase 30% desde o início do ano, ao passo que o etanol teve uma recuperação significativa desde julho. “Isso motivou parte das usinas – inclusive clientes da FG/A – a direcionar parcela da moagem para o biocombustível. Essa decisão, no entanto, vem sendo reavaliada constantemente, à medida que a paridade entre os produtos se altera com a volatilidade dos preços.”
Apesar disso, Quiles pondera: “Uma parcela significativa da cana ainda deverá ser destinada ao açúcar, principalmente por compromissos já contratados. Além disso, entendemos que uma eventual migração mais ampla para o etanol tenderia a pressionar seus preços, o que reequilibraria a atratividade do mix açucareiro.”
A estratégia das usinas para a próxima safra também será moldada por fatores externos. O especialista da StoneX, lembra que o cenário de superávit mundial já era previsto desde o início do ano. “Pelo menos desde o começo do ano, quando esse cenário de superávit e produção brasileira da ordem de 40 milhões de toneladas ficou mais evidente, nossa expectativa era de preços mais pressionados. Aqueles que avançaram bem nas proteções em 26/27 estão em posição confortável.”
Mizutani reforça: “O preço do açúcar hoje já está refletindo uma produção entre 39 e 40 milhões de toneladas para o Centro-Sul na safra 25/26 e uma quantidade maior de cana para a safra 26/27. A safra indiana passa por uma recuperação de mais de 4 milhões de toneladas de açúcar com as boas monções e renovação de área. A safra tailandesa conta com 1 milhão de toneladas a mais de açúcar.”
Para Quiles, mesmo com a produção global elevada, a definição do mix para a próxima safra dependerá do comportamento do etanol. “Temos observado um aumento expressivo da produção de etanol de milho nos últimos anos, tendência que deve continuar na safra 2026/27. Isso traz uma perspectiva de menor paridade para o próximo ciclo produtivo, já que a produção de etanol de milho cresce de forma mais acelerada do que a demanda.”
Com NY11 abaixo de ¢16/lb, etanol volta ao radar
Com a NY11 abaixo de ¢16/lb, a pressão nos preços é um fator de atenção. Zanetti explica que o mercado de açúcar mais baixo pode abrir janela a algumas estratégias de arbitragem, como a recompra de hedge de açúcar para migração para a produção de etanol, entre outras.
“Aqueles que não estão comprometidos comercialmente, também, vão ajustar seu planejamento diante da realidade dos preços, o que hoje pende mais para o etanol. No horizonte 26/27, como tanto açúcar como etanol têm fundamentos de aumento de oferta, a variável mix pode ficar em aberto no planejamento das usinas, sobretudo as que estejam, por bem ou por mal, comprometidas com açúcar no ano que vem”, disse.
Mizutani alerta que o câmbio será um fator determinante. Cada produtor tem o seu custo e a sua estratégia. “Neste nível de preço é difícil falar para o produtor precificar, porém cada caso é um caso. Diferente do etanol que há poucos mecanismos de hedge, o açúcar já oferece muitos mecanismos de hedge e o que pode influenciar muito para o produtor é o nível do cambio que esta muito volátil e ano que vem teremos eleição o que pode tornar o mercado ainda mais volátil”, alerta.
Caso as projeções de produção para Índia e Tailândia se confirmem, e o Brasil mantenha a estratégia de maximização de açúcar, os modelos da FG/A indicam preços médios ao redor de ¢16/lb para o ciclo global 2025/26 (out-set). O Centro-Sul brasileiro investiu em renovação de canaviais em 2025, o que, aliado a condições climáticas favoráveis, pode resultar em maior produtividade na safra 2026/27. “Dado que os preços atuais se encontram nas mínimas dos últimos cinco anos e muito próximos da paridade com o etanol, entendemos que o momento exige maior cautela nas fixações. Nesse cenário, temos atuado junto a alguns clientes com estruturas alternativas, que vão além da simples venda de futuros, buscando preservar flexibilidade e capturar valor em eventuais movimentos favoráveis do mercado”, disse Quiles.
Para o setor de etanol, Zanetti afirma que a flexibilidade brasileira é um diferencial: “O setor sucroenergético brasileiro tem na flexibilidade do mix de produção um importante diferencial contra outros produtores, como Índia e Tailândia.” Já Mizutani observa que o avanço do milho pode mudar o jogo: “Teremos mais etanol de cana no ano que vem e muito mais etanol de milho, com inúmeras fábricas novas sendo implementadas.” Quiles complementa: “Não vemos margem para um grande upside de preços no etanol de cana no próximo ciclo. Já para o etanol de milho, o cenário segue atrativo, com margens próximas a R$ 1,00/litro.”
Sobre os sinais que devem ser observados para antecipar mudanças no mix, Zanetti diz que “a relação de preços é um bom balizador, mas não deve ser analisada isoladamente”. Mizutani aponta para o comportamento dos fundos: “Os especuladores hoje estão por volta de 150 mil lotes vendidos. Assim que começarem a recomprar, o mercado pode dar uma aquecida.” Quiles cita fatores como o clima na Índia, a política de exportação do país, a reforma tributária no Brasil e o risco de reajuste na gasolina A. “Entendemos que há um alto risco de reajuste e um maior risco em se concentrar a produção no etanol.”
Em um cenário de margens apertadas, Quiles destaca a importância da gestão de risco. “O agronegócio é, por natureza, um setor cíclico, sujeito a safras boas e ruins tanto em volume quanto em preços. Por isso, torna-se essencial a manutenção de níveis adequados de liquidez e alavancagem, com gestão rigorosa de caixa e, do ponto de vista comercial, a adoção de uma política de hedge sólida e disciplinada”, disse.
Entre os clientes da FG/A, segundo ele, muitos já fixaram volumes relevantes da produção para a safra 2026/27, a valores superiores a R$ 2.500 por tonelada. “Revisamos as estratégias comerciais e de mitigação de risco mensalmente através de comitês executivos, e as estruturas financeiras e captações são organizadas de forma a garantir liquidez acima da média do mercado, um fator crítico em um ambiente marcado por juros elevados e preços pressionados”, concluiu.
Natália Cherubin para RPAnews