Edição 185
Cresce a procura por fábricas de açúcar
O déficit da commodity no mercado mundial tem aquecido os investimentos na produção brasileira. Hoje uma fábrica pode levar até 15 meses para ficar pronta, já o retorno financeiro pode vir em apenas um ano
Natália Cherubin
O déficit de açúcar do mercado mundial que no início era apenas uma expectativa distante, hoje é uma realidade. Países como a Índia, por exemplo, que até 2025 deverá superar a China e se tornar o país com maior população do mundo, não têm, atualmente, condições de fabricar a demanda de açúcar necessária para abastecer a sua população. O mercado acredita que haverá falta deste produto para o consumo global, no mínimo, até a safra 2017/18. O último relatório da OIA (Organização Internacional do Açúcar) estimou que nesta safra 2016/17, o déficit global possa chegar a 7,05 milhões de t.
De olho nas potencialidades deste mercado, as usinas e destilarias brasileiras começaram a correr atrás de investimentos que vão desde o aumento da capacidade de produção da indústria até, em alguns casos, na construção de novas fábricas. Quem tem liderado esses movimentos são as destilarias, que foram as menos afetadas pela crise enfrentada pelo setor nos últimos anos. Elas veem o atual momento como uma oportunidade para alavancar os negócios. Na avaliação da consultoria FGAgro, já há decisões de investimento no setor que podem levar a um aumento do potencial de produção de açúcar em 500 mil t. A participação em massa das destilarias neste primeiro ciclo de investimentos após a crise é explicada, em parte, porque elas não dependiam do açúcar quando seus preços estavam deprimidos. Além disso, grande parte delas não têm muitas dívidas em dólar e por isso não sofreram com a alta recente.
Algumas usinas também têm iniciado negociações com outras empresas do setor para tentar financiar as suas expansões, como é o caso da Tietê Agroindustrial que deverá construir uma fábrica de açúcar em sua usina de Ubarana, SP, voltada apenas à produção de etanol. Dario Gaeta, diretor presidente da Tietê, afirmou em entrevista que a companhia deverá receber um aporte de R$ 40 a R$ 50 milhões para começar a produzir açúcar já na próxima temporada. O investimento ainda está sendo negociado com duas companhias brasileiras que comercializam o produto. “É um orçamento base. Já tivemos aprovação do conselho de administração e estamos atrás do financiamento”, afirmou Gaeta ao Valor Econômico. A companhia pretende fechar um acordo no qual o parceiro tenha em contrapartida um compromisso da Tietê de entrega do açúcar a ser produzido na fábrica.
Com um processamento de 1,3 milhão de t de cana, a unidade de Ubarana deverá elevar essa capacidade inicialmente para 1,6 milhão de t, permitindo maior flexibilidade sobre a destinação da matéria-prima para a produção do biocombustível ou de açúcar. Contando com a unidade da Tietê no município de Paraíso, SP, que produz etanol e açúcar, a companhia tem uma capacidade de processar 3,7 milhões de t de cana por safra. Com a limitação atual em Ubarana, porém, a Tietê destina atualmente 75% a 80% de seu caldo de cana para a produção do biocombustível, com pouca margem para alteração neste mix. “Com a fábrica de açúcar, vamos ter um mix mais próximo de 50% para cada”, afirmou Gaeta.
A mesma estratégia de parceria foi a solução encontrada pela destilaria Alcoeste, do Grupo Arakaki, que está concluindo uma negociação com uma grande trading internacional, que deverá financiar um aporte de R$ 20 milhões para a construção de uma fábrica de açúcar com capacidade para produzir entre 80 e 100 mil t a cada safra. Pelos termos sob os quais o acordo está sendo costurado, a trading pagará um preço mínimo para garantir a margem da companhia. A expectativa é que o investimento seja pago em uma safra.
Um projeto já em andamento ocorre na destilaria Bioenergética Aroeira, localizada no município de Tupaciguara, MG. A unidade recebeu um aporte de R$ 50 milhões, dos quais 30% saíram do caixa da empresa, enquanto os outros 70% foram financiados pelo BNDES (Banco de Nacional do Desenvolvimento).
Este movimento foi também bastante percebido durante a Fenasucro&Agrocana 2016, realizada no final de agosto. “Na semana antecedente, durante e na semana posterior à feira, houve um aumento significativo na solicitação de orçamentos para equipamentos voltados para a produção de açúcar. Há vários projetos de novas fábricas de açúcar a partir de destilarias autônomas em andamento, além de substituições de equipamentos mais antigos ou aumento de capacidade”, revela Egon Scheiber, gerente Comercial da Mausa Equipamentos Industriais.
Segundo Ronaldo Justo Santoro, diretor de operações da Sermasa, os efeitos dos problemas climáticos da safra 2015/16, somados à falta de investimento e aumento na demanda de açúcar deverão aumentar o déficit global da commodity na safra 2016/17, crescendo também a procura por equipamentos para fábricas de açúcar. “A Sermasa notou o aumento da procura, especialmente porque recentemente vendemos uma fábrica de açúcar completa, com capacidade de produção de 15 mil a 20 mil sacas por dia para a Bioenergética Aroeira, localizada em Tupaciguara, MG”, conta.
Danilo Manfrin, da Sucrana, revela que há vários clientes elaborando projetos para aumentar a produção de açúcar para a próxima safra. “A maioria são projetos de expansões, mas também existem alguns projetos de novas fábricas de açúcar”. Este aumento no interesse pela produção do adoçante acontece porque além do preço do açúcar estar bom, as condições de financiamentos também estão mais atrativas.
Em determinados lugares, segundo Tercio Dalla Vecchia, diretor da Reunion Engenharia, está tão interessante produzir esta matéria-prima que é vantajoso reduzir ou, em alguns casos, deixar de produzir etanol para se dedicar totalmente ao açúcar. “Qualquer investimento feito se paga em um ano, um ano e meio. É altamente vantajoso. É a oportunidade que o pessoal tem de fazer realmente um investimento com altíssima taxa de retorno. Nós estamos com vários projetos em andamento, que vão desde a ampliação de produção de açúcar, até destilarias autônomas, que estão implantando a fábrica de açúcar do lado. E isso é altamente econômico”, completa.
FÁBRICAS: MODERNAS OU TRADICIONAIS?
Com a expectativa de uma crescente demanda do mercado mundial pela commodity brasileira até 2020, os investimentos para aumentar sua produção deverão ser intensificados nos próximos anos. Mas quais são os equipamentos e modelos de fábricas mais procurados pelas usinas? Teremos fábricas mais modernas ou modelos mais antigos? A diferença entre as novas e as tradicionais fábricas de açúcar, segundo alguns especialistas, aparece na junção entre um layout bem elaborado e equipamentos mais eficientes, que as instalações mais recentes apresentam.
“As fábricas modernas apresentam uma estrutura mais adequada à operação, com equipamentos mais eficientes, balanço térmico com qualidade e alto nível de instrumentação. A automatização dos processos, por exemplo, permite mais eficiência e redução da mão de obra operacional, ocasionando ganhos de produtividade e rendimento industrial. Nestas novas fábricas há também uma variedade maior de produtos como o açúcar VHP, açúcar branco de alta qualidade, cogeração e na região Centro-Oeste, há ainda a produção do etanol de milho”, explica Manoel de Almeida, diretor da Piracicaba Engenharia Sucroalcooleira.
Na visão Carlos Gregório, da BMA, a princípio, as empresas não estão procurando novas tecnologias e sim tecnologias eficientes. “O pessoal está procurando tecnologia. Por quê? Porque justamente o que nos interessa não é ter o melhor equipamento e sim o melhor rendimento. Eventualmente, os preços não são aqueles que nós esperamos para mais ou para menos, mas, o resultado é extremamente positivo. Na carência de energia que nós temos, buscamos equipamentos mais eficientes energeticamente, por exemplo. Cada vez mais eles [clientes] percebem que com eficiência e qualidade certamente terão melhores resultados. ”
Segundo Dalla Vecchia, a fabricação de açúcar segue um processo muito tradicional, onde já se faz açúcar de boa qualidade. Então, o que pode ser feito para melhorar o processo é trabalhar com cozedores contínuos. No entanto, ele explica que essa prática não é nem mais barata, nem mais cara do que o sistema convencional. “Acredito que tudo isso vai depender do custo, porque o produto final é bom em qualquer uma das duas situações. Particularmente, quando a gente vai produzir açúcar branco, prefiro os cozedores tradicionais descontínuos, que proporcionam um controle melhor no crescimento do cristal do que a tecnologia de cozedor contínuo. Agora, se você vai fazer VHP para exportação, o cozedor contínuo vai muito bem”, conclui.
Dalla Vecchia acredita que as tecnologias que se dizem mais modernas não são viáveis economicamente se comparadas com as tradicionais. Segundo ele, o mais importante é ter um projeto bem elaborado, que vise uma redução do consumo de vapor, redução no consumo de água e que tenha o objetivo de produzir um açúcar de melhor qualidade através dos equipamentos. Ele explica que atualmente os processos novos e antigos não são muito diferentes uns dos outros. “O processo em si não muda muito. O que muda é a forma de ver o processo e como interagir com ele. Este é o diferencial”, completa.
Manfrin explica que a escolha por uma fábrica moderna ou uma fábrica convencional depende de caso a caso. A procura sempre será por fábricas mais modernas, porém, as expansões dependem de vários fatores, como o tipo de açúcar, disponibilidade de energia térmica, além da quantidade de equipamentos instalados e disponibilidade para a expansão.
Algumas tecnologias, segundo Manfrin, são primordiais para uma boa produção de açúcar. A utilização de cozimento com boa relação área/volume, o resfriamento de água com utilização de condensadores barométricos que possuem menor consumo de água e torres de resfriamento que contêm menores perdas arraste/evaporação do que spray pond, são fatores que fazem a diferença na fabricação do açúcar. “A separação de méis para aumentar a recuperação, centrífugas com alta tecnologia para diminuir recirculação de mel e a automação máxima possível também são tecnologias que devem receber uma atenção especial”, acrescenta.
Já Arnaud Fraissignes, diretor presidente da Fives Lille, conta que atualmente um dos grandes focos das unidades é em compactar a produção, utilizando cada vez menos mão de obra humana. “Estamos propondo uma fábrica compacta e automatizada, que depende de menos pessoas para operá-la. Um dos equipamentos que propormos é um cozedor contínuo totalmente automatizado. Já temos fábricas com pouquíssimas pessoas por turno funcionando no Brasil e acredito que essa é a tendência e o modelo do futuro para as indústrias sucroenergéticas brasileiras”.
Atualmente, desde o projeto até o início do funcionamento, uma de fábrica de açúcar montada do zero leva de 18 a 24 meses para ficar pronta. Já uma destilaria que deseja anexar uma nova fábrica levaria de 12 a 15 meses. Segundo o diretor de operações da Sermasa, os equipamentos que vem sendo mais cotados são os para tratamento do caldo e os para melhorias e expansões na produção de vapor, mas todos com o propósito de incrementar a produção da commodity.
O diretor da Piracicaba Engenharia explica que “a tendência é que as novas fábricas produzam uma quantidade maior de açúcar que as antigas e ao mesmo tempo instalem a cogeração para venda de energia elétrica. Caldeiras de alta pressão, turbo-gerador de grande capacidade fazem toda a diferença. Pequenas moendas devem ser substituídas por maiores, além de centrífugas de açúcar e outros equipamentos”, opina.
Como as condições financeiras das atuais usinas hoje estão restritas, uma das opções é utilizar equipamentos de usinas desativadas, que estão em boas condições para as ampliações e mesmo em novas fábricas. “São equipamentos que estão sendo modernizados e otimizados. Alguns projetos têm utilizado equipamentos novos, mas a preocupação continua sendo o custo das implantações. Sempre que se procura por fábricas mais modernas, as principais diferenças entre as antigas e as novas é o layout, a melhor distribuição dos equipamentos e a automatização, o que resulta em redução de custo operacional e maior eficiência”, finaliza o diretor da Piracicaba Engenharia Sucroalcooleira.