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Dívida do setor sucroenergético deve cair em 2021/22

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O setor sucroenergético brasileiro, depois de longos anos sem boas perspectivas começa, a partir da safra 2019/20, a retomar os ânimos e até mesmo investimentos para aumento de qualidade e produtividade, muito impulsionado pela melhora dos preços de seus produtos, como açúcar e etanol.  De acordo o superintendente de agronegócio do Banco Alfa, Manoel Pereira Queiroz, após um crescimento real da ordem de 14% na safra 2018/19, a dívida total do setor se manteve estável em 2019/20 e caiu cerca de 22% na temporada 2020/21.

Os balanços da safra 2021/22 que serão apresentados em breve deverão apresentar resultados bastante heterogêneos entre as empresas, em função da quebra de safra e da política de hedge adotada por cada grupo sucroenergético. Entrevistamos Manoel Pereira Queiroz, que fala um pouco de passado, o presente e o futuro do setor sucroenergético. CONFIRA:

RPAnews – Ao longo dos últimos 10 anos, quais foram os principais fatores econômicos que impactaram negativamente as usinas sucroenergéticas?

Manoel Pereira Queiroz – Não tenho dúvidas que o maior impacto negativo ao setor nos últimos 10 anos foi o congelamento de preços da gasolina por parte da Petrobras entre 2011 e 2014. Mas é importante olhar em perspectiva. Tivemos um boom de expansão na década de 2000, quando alguns grupos se endividaram além do que seria prudente e em seguida tivemos a crise de 2008 que enxugou a oferta de crédito e aumentou consideravelmente o custo de captação. Quando veio o congelamento da gasolina, algumas usinas já estavam debilitadas, foi, portanto, um golpe de misericórdia.

Depois de muitos anos de preços ruins, as usinas sucroenergéticas começam, a partir de 2019/20, a ter uma recuperação nos preços dos produtos (açúcar, etanol). Como a melhora dos preços vem impactando as usinas no sentido de investimentos tanto no campo como nos parques industriais?

Os preços deram um novo ânimo e o setor voltou a investir, mas é importante notar que os investimentos foram muito mais em qualidade e produtividade do que em expansão. Investimentos como cogeração, biogás, monitoramento de frota, manejo agrícola e outros, visam gerar mais fluxo de caixa livre por tonelada de cana, o que é muito saudável. Vale notar que, por outro lado, a área ocupada com cana-de-açúcar no centro-sul, tem diminuído nos últimos anos. 

Manoel Pereira Queiroz é superintendente de agronegócio do Banco Alfa

 

Para a safra 2022/23, com perspectiva de uma safra não muito maior do que a anterior (2021/22), preços do açúcar, etanol e petróleo mais altos, o setor poderá esperar um ano ainda mais positivo ou ainda parecido com o anterior? Como a alta nos custos de produção freiam os ganhos das usinas e como isso impacta no caixa?

Os preços elevados de açúcar, petróleo e câmbio sem dúvida nenhuma ajudam muito. Por outro lado, os custos de produção aumentaram de forma considerável. Além disso, alguns grupos fixaram preços de açúcar antecipadamente durante o ano passado, preços esses que pareciam à época altamente remuneradores, mas cuja realização em alguns casos se dará a um valor abaixo do spot e com custos incorridos maiores que os previstos, comprometendo dessa forma as margens. Minha estimativa é que, na média, o saldo ainda será positivo, mas nesse ponto, vale reforçar que cada empresa é única, com custos de produção e situação financeira diferentes das demais. Enfim, algumas empresas serão mais afetadas com a elevação de custos que outras.

Qual é o atual nível de endividamento das usinas sucroenergéticas? Como se deu essa evolução ao longo dos últimos 4 anos? E como você avalia isso? Há uma expectativa de queda do nível de endividamento para os próximos anos?

Os últimos três anos em particular foram muito bons em preços, permitindo que a maioria das empresas do setor reduzissem sua alavancagem financeira. O mercado ainda não tem os números totalmente fechados da safra 2021/22, isso ocorre porque embora as usinas fechem o balanço em março, as publicações dos números auditados demoram a sair. Mas, em que pese um aumento de custos ocorrido já no ano passado e a queda da produtividade, nossa estimativa é que o setor teve, na média, redução da dívida líquida. Nunca é demais repetir que média nesse setor não significa muita coisa. Com certeza, quando os números estiverem disponíveis, vamos constatar que enquanto algumas empresas reduziram endividamento, outras ficaram no zero a zero ou apresentaram aumento em sua alavancagem.

Em relação a esta safra e aos próximos anos é muito difícil prever o comportamento da dívida. Além de dependerem de condições climáticas e comportamento dos preços, vale lembrar que a geração de caixa de uma empresa pode ser usada para investir, pagar dividendos e/ou reduzir endividamento. Ou seja, uma determinada empresa pode resolver, por exemplo, usar sua geração de caixa, ou até mesmo tomar novas dívidas, para fazer frente a investimentos. Aumento da dívida para investimentos que irão gerar maior fluxo de caixa futuro é muito saudável.

Na sua visão, como as usinas sucroenergéticas vem evoluindo suas gestões financeiras? O que ainda falta a ser feito, na sua visão?

De forma geral, a gestão financeira nas empresas sucroenergéticas evoluiu bastante. É raro uma usina de médio ou grande porte hoje, que não tenha um bom gestor financeiro, com formação robusta em finanças e boa interlocução com bancos e o mercado em geral.  Há dez ou quinze anos atrás a interlocução era com o usineiro ou seu contador, que por melhor que fosse em contabilidade, geralmente entendia muito pouco de gestão de passivo. Hoje vários grupos acessam o mercado de capitais e muitos deles possuem ratings públicos emitidos pelas agências mais respeitadas do mundo. Várias usinas, incluindo as de capital fechado, adquiriram o costume de fazer “roadshows” trimestrais com os seus principais bancos, ocasião em que apresentam seus números com total transparência, abordando de forma direta os pontos que os financiadores entendem ser relevantes para a aprovação de crédito.

Quais são os pontos que deverão ser observados de perto pelo setor ao longo dessa safra (2022/23)?

Clima, produtividade, custo de produção; mercados de câmbio, petróleo e açúcar. É preciso também ficar atento à política do governo e da Petrobrás em relação ao preço dos combustíveis, no entanto, eventos recentes têm mostrado que a governança da empresa ganhou robustez, o que inibe tentativas de intervenção. Particularmente acho muito mais difícil uma manipulação nos preços dos combustíveis hoje em dia. Estou otimista quanto a esse ponto, seja lá qual for o governo de plantão.

Tivemos uma grande companhia  – Raízen – finalizando a compra da Biosev em 2021 e se tornando a maior grupo sucroenergético do Brasil, com 26 unidades. Mais recentemente tivemos também a compra da Usina Santa Vitória pela Jalles Machado. Como você enxerga o movimento de consolidação de usinas? Há como prever mais fusões ou aquisições?

Acho muito saudável que as fusões e aquisições tenham voltado ao jogo, é sem dúvida uma ótima forma de entrar dinheiro no sistema, pois permite não só resolver problemas acumulados por alguns grupos ao longo dos anos, mas também novos investimentos em expansão e produtividade. No entanto, no que diz respeito a grupos endividados, não é tão fácil quanto parece. Uma usina em dificuldade financeira deixa de investir no canavial e na indústria. O comprador vai descontar do preço todo o investimento que terá que ser feito para recuperar a usina, além de todos os passivos fiscais e trabalhistas. Com tudo isso, muitas vezes a conta não fecha. Particularmente acredito que ainda continuaremos vendo no futuro próximo, mais consolidação de canaviais do que consolidação de empresas. 

Considerando as questões macroeconômicas, políticas públicas, mais o cenário de preços, qual é o horizonte que pode ser vislumbrado para as usinas sucroenergéticas para esse e próximos anos, na sua visão?

Sou muito otimista em relação ao médio e longo prazo. Temos um setor muito sustentável do ponto de vista ambiental, um verdadeiro exemplo de economia circular. Pela primeira vez em muitos anos, ao menos três importantes montadoras reconheceram que a solução elétrica 100% “plug-in” não serve para todos os países e recolocaram os biocombustíveis em seus radares. O biogás tem um enorme potencial para o setor, tanto para reduzir ainda mais a pegada ambiental como para gerar mais receita por tonelada de cana moída. Novas tecnologias disruptivas, como por exemplo a “semente de cana”, prometem em poucos anos reduzir consideravelmente os custos de produção. Tudo isso, somado ao trabalho de melhoria contínua da gestão e da governança das empresas sucroenergéticas, indica um futuro promissor.

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