Tradicionalmente produzido a partir da cana-de-açúcar, o etanol enfrenta limitações em regiões onde o cultivo dessa matéria-prima é prejudicado por questões climáticas. No Sul do Brasil, uma nova alternativa começa a se consolidar: o trigo.
De acordo com a IFF, empresa especializada em biotecnologia para biocombustíveis, a produção de etanol de trigo aproveita resíduos e subprodutos do cereal, geralmente descartados após o processamento para alimentos. A tecnologia, já amplamente utilizada na Europa, promove a economia circular e reduz o desperdício.
No Brasil, o projeto ainda é embrionário, mas caminha para um marco inédito. A primeira usina de etanol de trigo do país será inaugurada neste mês de agosto, na cidade de Santiago (RS). A unidade pertence à CB Bioenergia, que investiu cerca de R$ 100 milhões na construção. Segundo a empresa, as obras estão em fase final.
“Além de trazer novas finalidades para subprodutos na geração de energia renovável, a iniciativa provoca impacto econômico significativo na geração de renda local, com a estimativa de 120 novos postos diretos e indiretos”, afirma Cassio Bonotto, empresário à frente do projeto.
Três anos de pesquisa e tecnologia de ponta
Segundo a IFF, o processo de implementação da produção de etanol de trigo demanda uma preparação minuciosa. No caso da planta de Santiago, foram três anos e meio de estudos e testes com mais de 150 variedades de trigo cultivadas no estado, todas analisadas em laboratório para garantir eficiência e viabilidade.“A avaliação criteriosa da matéria-prima e o investimento em tecnologia foram essenciais para assegurar a qualidade do processo. A usina contará com um investimento contínuo de cerca de US$ 400 mil por ano em pesquisa e inovação”, explica Bonotto.
Entre as tecnologias empregadas está o uso de enzimas e leveduras geneticamente adaptadas. As enzimas reduzem a viscosidade do trigo — fator que poderia prejudicar o processo — enquanto as leveduras garantem flexibilidade para o uso de diferentes tipos de trigo, aumentando a eficiência industrial.
Segundo Mario Cacho, diretor de vendas da IFF, o uso da biotecnologia pode elevar o rendimento do etanol de trigo em até 4,5%. Com a capacidade inicial da planta estimada em 34 milhões de litros de etanol hidratado por ano, essa melhoria pode representar um acréscimo de 1,5 milhão de litros, gerando até R$ 4 milhões a mais em receita anual.
Operação sustentável e metas ambiciosas
A usina da CB Bioenergia foi projetada para operar em circuito fechado, sem desperdício de subprodutos. O CO₂ gerado no processo será purificado para uso alimentício, enquanto o álcool neutro será direcionado à indústria de bebidas e perfumaria. O resíduo sólido poderá ser usado na produção de pratos biodegradáveis, e o líquido como fertilizante nas lavouras da região.
Outro objetivo do projeto é tornar o consumo de etanol mais acessível no Rio Grande do Sul, onde hoje o biocombustível custa mais do que a gasolina, principalmente devido aos custos logísticos e à dependência de outros estados, como São Paulo e Paraná.
Para isso, a CB Bioenergia também vai investir R$ 20 milhões na construção de um posto de abastecimento em Santiago.
Inicialmente, a usina operará com capacidade de 10 a 12 milhões de litros de etanol hidratado por ano, mas a meta é ambiciosa: produzir até 50 milhões de litros de etanol anidro por ano até 2027, com investimento total estimado em R$ 500 milhões.
“Já vislumbramos o futuro. Com a expansão do setor, será possível produzir etanol também a partir de outros cereais, ampliando a matriz energética com soluções renováveis e sustentáveis”, finaliza Bonotto.