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Fávaro: “Estamos de portas abertas para quem quiser trabalhar olhando para a frente”
Em meio à relação conturbada entre o agronegócio e o presidente Lula, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, diz que sua pasta está de “portas abertas” para aqueles que queiram olhar para a frente e trabalhar para o fortalecimento do setor.
“Eleição é daqui a quatro anos, quem não estiver satisfeito, se prepare, organize uma chapa, tenha seus posicionamentos e o resultado das urnas voltará a prevalecer. É assim que se toca numa democracia e é assim que será aqui no Ministério da Agricultura”, disse em entrevista exclusiva ao Broadcast Agro na sexta-feira, 6, quando encerrava a primeira semana de trabalho, antes dos atos antidemocráticos em Brasília no domingo, 8.
Fávaro se referia ao setor dividido com quem terá de conviver a partir de agora. Mas se mostra otimista com a “repactuação” entre o agro e o governo. “Passa por todos que quiserem o Brasil produzindo mais, respeitando as leis e respeitando a democracia. Já recebi aqui, de forma coletiva, quase 40 entidades representantes de classes, de diversas áreas da produção”, destacou.
O ministro defende que o Estado esteja “mais presente” para os pequenos e médios produtores. “Os grandes merecem atenção (do governo), mas têm capacidade de contratar engenheiro agrônomo para dar assistência à sua propriedade, de investir na pesquisa, de ter acesso a crédito internacional”, compara.
Essa visão permeará, segundo ele, a política de subsídio a custeio e equalização de taxas de juros dentro do Plano Safra. Já sobre o seguro rural, diz que todos os produtores precisam dessa segurança contra intempéries, assim como de acesso a linhas de investimento.
Outra ação prioritária, segundo Fávaro, é a recuperação de pastagens degradadas dentro do Plano de Agricultura de Baixo Carbono (ABC), com uma linha de crédito específica para a conversão de pastos degradados em áreas agricultáveis, concedida pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “Nos próximos 20 anos, a perspectiva é de incremento da área de 5% ao ano”, diz.
Estes programas, assim como a grande parte dos projetos e ações do Ministério, dependem de conversas com outras pastas, com as quais Favaro promete trabalhar de forma integrada e com diálogo. “Trabalharemos com cinco, seis, com quantos ministérios forem necessários”, assegura.
Em relação aos temas sensíveis e de maior resistência entre o agronegócio e o presidente Lula, como desmatamento zero, demarcação de terras indígenas, segurança da propriedade privada e defensivos, Fávaro garantiu que o setor pode esperar do governo “o cumprimento da legislação”.
Quando à política governamental de incentivo aos biocombustíveis, é cauteloso sobre qualquer sinalização de aumento da mistura de biodiesel ao diesel. Mas afirma: “Nos próximos meses teremos uma nova direção na política pública de incentivo, comercialização e produção dos biocombustíveis brasileiros”.
Formada a sua equipe e reestruturado o Ministério da Agricultura, tarefas às quais se dedicou em sua primeira semana de governo, quais serão suas prioridades nos primeiros 100 dias de governo?
Vou trabalhar o resgate da imagem da agropecuária brasileira, buscar algumas soluções que são fundamentais para o bom desenvolvimento da agricultura. Encontrei um ministério bem gerido, passando por Roberto Rodrigues, Luís Carlos Guedes Pinto, Reinhold Stephanes, Antonio Andrade, Neri Geller, Kátia Abreu, Blairo Maggi, Tereza Cristina e Marcos Montes. Todos são conhecedores do setor e trabalharam no mesmo rumo de ajudar a incrementar produção e produtividade, fazendo com o que saísse de 70 a 80 milhões de toneladas para 300 milhões de toneladas produzidas. Temos servidores muito qualificados e preparados que pensam estrategicamente o agronegócio. Vou nesses 100 dias ou nesses quatro anos, seja o período que durar minha permanência à frente deste ministério, seguir nessa linha de muita dedicação, com inovação, buscar mais tecnologias, mais mercados, mais oportunidades. Será assim que garantiremos mais renda e oportunidade para os brasileiros.
Para viabilizar os projetos do setor, o Ministério da Agricultura depende de outros ministérios. Da Fazenda para orçamento e Plano Safra, Minas e Energia para biocombustíveis, Ministério de Relações Exteriores para trabalhar a abertura de mercados, além dos Transportes para infraestrutura e logística. Como o senhor pretende trabalhar essas pautas integradas com as outras pastas?
Trabalharei com diálogo. Com muita participação em debates, mostrando a importância de investimentos e de recursos públicos para equalização de taxas de juros, principalmente para pequenos e médios produtores, da importância do seguro agrícola para todos os produtores, de programas de modernização de frota, da importância de resgatarmos o Moderfrota (Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e Implementos Associados e Colheitadeiras), o Moderinfra (Programa de Incentivo à Irrigação e à Produção em Ambiente Protegido) e o Mais Alimentos para pequenas propriedades. Trabalharemos em conjunto com Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e com o Ministério da Pesca e Aquicultura, atividade que está se modernizando, gerando emprego, renda e exportações. Trabalharemos transversalmente com cinco, seis, com quantos ministérios forem necessários. Também com o Ministério da Fazenda e do Planejamento e Orçamento para nos garantir recursos para fazer políticas públicas à população.
O orçamento ainda será sancionado pelo executivo e mostra uma redução em torno de 14% nas verbas para a Agricultura. Há espaço para um ajuste ou o senhor há sabe o que priorizará considerando o orçamento mais apertado?
O orçamento já foi ajustado. A Lei Orçamentária Anual (LOA) apresentada pelo governo passado deixava o orçamento para agricultura 14% menor em relação ao ano anterior. Com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição da transição, reajustamos e, em vez de reduzir 14%, cresceu quase R$ 1 bilhão. É o possível que podemos fazer com recursos públicos para a agropecuária brasileira e melhor que o ano passado. Conseguimos dobrar o orçamento da Embrapa. Em 2022, 96,5% do orçamento da estatal foram para a folha de pagamento e custeio; sobrou apenas 3,5% para a pesquisa, inovação tecnológica para melhorar a agropecuária brasileira. De R$ 150 milhões em 2022, o orçamento da Embrapa foi a R$ 300 milhões em 2023. Trabalharemos com o Congresso Nacional para receber emendas parlamentares com a proposta de receber mais R$ 200 milhões. Precisamos da boa vontade dos parlamentares em ajudar a reestruturar a Embrapa, e sabemos que há.
Nesse ajuste orçamentário, o seguro rural foi contemplado?
Sim, e o seguro será prioridade total para todos os produtores terem segurança nas intempéries. Todos os produtores precisam também de investimento. Estará assegurado no Plano Safra, também com o PCA (Programa para Construção e Ampliação de Armazéns) e Moderfrota. Custeio e equalização de juros serão prioridades para pequenos produtores e, na medida do possível, para médios produtores. Os grandes têm acesso a crédito internacional com juros bastante reduzidos e volumes abundantes.
No Brasil, apenas uma parte da produção é segurada. Os últimos anos, o anúncio era de um volume de recursos para ampliar o número de produtores contemplados, mas depois parte da verba acabava contingenciada. Isso mudará na sua gestão?
Vamos nos dedicar para mudar.
Ainda em relação a crédito, na campanha do presidente Lula, falou-se em conceder a produtores comprometidos com o meio ambiente taxas de juros mais baixas. Essa proposta pode ser vista no próximo Plano Safra?
Ainda não está definido. Teremos de trabalhar com a equipe econômica, com o Ministério do Planejamento, com o Ministério da Fazenda, para acharmos qual é a taxa de juros possível de ser equalizada aos produtores. Mas sempre com a ideia de que produtores com boas práticas agrícolas, boas práticas ambientais e sociais merecem uma taxa de juros reduzida.
Nessa toada ambiental, o senhor tem falado muito no programa de recuperação de pastagens, ressaltado também pelo presidente Lula. Em que pé está a estruturação deste programa? Há meta estabelecida e data para sair do papel?
Trata-se do fortalecimento do Plano de Agricultura de Baixo Carbono (ABC). Ainda estamos montando a equipe para começar a estruturar os projetos. Há vontade política e determinação do presidente Lula para que possamos crescer nos próximos 20 anos os hectares plantados, dobrar tudo que foi feito de 1.500 até agora, com a perspectiva de incremento de 5% ao ano. Com financiamento e investimento feito pelo BNDES a taxa de juros equalizada, com um pouco de carência e com prazo suficiente para ser amortizado, temos a certeza de que os produtores recuperarão esses solos degradados. Eles irão produzir alimentos e tirar a pressão sobre novos desmatamentos. É uma política ambiental e de desenvolvimento.
Será um programa à parte ou integrará o ABC?
Será dentro do ABC, que será reforçado com a criação de uma linha de crédito específica pelo BNDES. Já sugeri ao ministro Paulo Teixeira, do MDA, que façamos algo específico e mais subsidiado ao pequeno produtor. Àquele que tem 10 ou 15 hectares de pastagens a serem recuperadas e para os quais certamente colocar nível de excelência de produtividade mudará a renda da família do produtor. Defendo que o programa seja feito em parceria com os bancos cooperativos, que estão mais próximos do pequeno produtor rural, com o BNDES como repassador. Assim, atingiremos todos, em especial o pequeno e o médio produtor.
O senhor tem falado em recuperar a imagem do Brasil no mercado internacional, em especial no tocante à sustentabilidade. Sua primeira viagem internacional, neste mês ainda, será para a Alemanha, um dos países mais rigorosos em relação a esse assunto. O governo Lula buscará dialogar com a União Europeia sobre a lei ambiental que restringe importação de commodities ligadas a desmatamento? Essa questão está na linha de frente do governo?
Muito. E não porque eles exigem, mas sim porque é importante para nós. A preservação ambiental é a galinha dos ovos de ouro da nossa produção. De nada adianta termos terras propícias, gente vocacionada, máquinas e sementes de última geração, se não tivermos chuva e clima. Não é porque a União Europeia ou países desenvolvidos querem impor restrição ao Brasil, mas porque nós temos que pensar em produzir com sustentabilidade para garantir longevidade à nossa produção. É essa mensagem que levarei: vamos combater crime ambiental com comando e controle rigoroso. Por outro lado, vamos abrir alternativas: queremos expandir, mas com sustentabilidade. Por isso, ofereceremos linha de crédito e tecnologia aos produtores. Essa mensagem chegará na semana da agricultura verde em Berlim, com mais de 70 ministros da Agricultura do mundo afora, e com as visitas do melhor embaixador que o Brasil tem, que é o presidente Lula. Essa mensagem vai rodar o mundo em cada viagem internacional, para que o Instituto Rio Branco volte a ser o grande foco da nossa diplomacia.
Especificamente essa lei ambiental proposta pela União Europeia impõe desafios ao Brasil. Ela estará na pauta de interlocução da área de comércio e relações internacionais da pasta?
Estará. Em pouco tempo apresentaremos ao presidente Lula e à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, um programa de descarbonização de algumas cadeias produtivas para ganhar mercado, ganhar espaço, ganhar renda e selo de qualidade. É um foco na gestão sustentável e daremos prioridade a isso também. Apresentaremos como podemos fazer obedecendo à ciência, à inovação e, especialmente, à soberania nacional.
Como fica a relação com a China, principal parceiro comercial do Brasil? No governo passado, houve rusgas, principalmente no tocante à relação diplomática. Desde meados de 2019, nenhum frigorífico brasileiro é habilitado a vender para lá. Como será a relação com o país neste governo?
Posso garantir ao povo chinês que terá todo respeito e confiança do governo brasileiro. Acredito que este sinal já chegou à China. Estive com o ex-ministro Marcos Montes antes da posse e ele me relatou que, depois de três anos e 11 meses de governo, no final de 2022, o governo da China enviou um comunicado pedindo a lista com as primeiras oito plantas para habilitação para China. Já é reflexo de um governo que respeitará as legislações, a diplomacia e a soberania da China e de todas as nações.
A China estará no topo da lista da política internacional?
É o nosso maior parceiro comercial. Não deixaremos o mercado asiático, principalmente o chinês, sem prioridade, mas vamos ampliar também os mercados, com a União Europeia, com a América do Sul e América Latina.
Voltando ao mercado doméstico, os relatórios dos grupos de transição previam “revogaços” em vários setores. Na agricultura, foram recomendadas a revogação do decreto de manutenção do mandato B10 do biodiesel e da prorrogação das metas de cumprimento dos Créditos de Descarbonização por Biocombustíveis (CBios) pelas distribuidoras. Há ainda a desoneração dos impostos sobre combustíveis fósseis. Esses temas serão negociados com Ministério de Minas e Energia?
Estão sendo negociados com Minas e Energia, mas, principalmente, com o Ministério da Fazenda porque temos que pensar na política fiscal. Temos que negociar também com os próprios produtores de biocombustível. Não dá para dizer simplesmente aos produtores de biodiesel que agora em janeiro é mandato B13 (13% de mistura obrigatória de biodiesel ao diesel) – eles têm de se preparar para isso, comprar matéria-prima e preparar a indústria para aumento de produção. O assunto não saiu da pauta e tenho certeza de que nos próximos meses teremos uma nova direção na política pública de incentivo, comercialização e produção dos biocombustíveis brasileiros.
Os principais pontos de resistência do agronegócio com o governo Lula eram em relação às propostas de desmatamento zero, demarcação de terras indígenas, segurança da propriedade privada e defensivos. O que o agro pode esperar do governo nestes temas?
O cumprimento da legislação. Sobre invasão de terra, o presidente Lula já deixou muito claro que o direito à propriedade e o direito à terra a homens e mulheres que tenham essa vocação está na Constituição. Temos que respeitar o direito à propriedade. Podemos fazer reforma agrária em terras públicas e podemos fazer em terras privadas desde que haja o consentimento do proprietário e a indenização, como já foi feito sob a gestão do presidente Lula. Agora, terra produtiva se for invadida está preservada por lei e não é passiva de reforma agrária. A Justiça manda fazer a desocupação e o Estado cumpre. Isso é muito claro. Sobre os defensivos, temos que trabalhar a modernização dos pesticidas. Estamos todos do mesmo lado. Não quero organofosforados cancerígenos no uso do combate às pragas para sobrar resíduos nos alimentos, nem para mim, para minha família nem para meus colaboradores, muito menos para a população brasileira e mundial. Queremos os biodegradáveis, os biológicos, os seletivos. Para isso, precisamos modernizar a legislação. Temos que ouvir a Anvisa, o Ibama, os técnicos da Secretaria de Defesa aqui do Ministério e juntos aprovar a modernização, de forma ágil, não precária, combatendo a burocracia e com legislação moderna e eficiente. Assim, teremos moléculas melhores e mais eficientes à disposição dos produtores e, com isso, poderemos banir as moléculas cancerígenas e as mais contaminantes ao meio ambiente ou à saúde humana.
E sobre desmatamento e demarcação de terras indígenas?
A questão do desmatamento está dentro do Código Florestal. Defendo uma boa política de pagamento por serviço ambiental, sem romantismo. Se o mundo quer preservação ambiental, que pague pela floresta em pé. Iremos focar na conversão de pastagens para a produção porque é necessário o crescimento da produção brasileira. A demarcação de áreas indígenas é uma questão judicializada. Temos que aguardar a posição definitiva do Supremo Tribunal Federal com relação ao marco legal. Seja qual for a decisão, temos que respeitar índios e não índios. Na minha opinião, deve ser criada uma legislação como a da reforma agrária, que, quando feita para interesse público, o proprietário da terra é indenizado. Se for preciso fazer expansão de reservas indígenas, que não seja expansão com expropriação, que se indenize o produtor. Nós temos que contemplar indígenas, mas não podemos causar insegurança e nos apropriar do patrimônio de nenhum produtor. Esta é a minha visão particular e não posicionamento de governo.
O presidente Lula reforça o foco na agricultura familiar e algumas entidades do setor produtivo se dizem preocupadas com a possibilidade de o agronegócio ficar em segundo plano. Há motivos?
Alguém é contra o investimento e o apoio à agricultura familiar? Por que ter preocupação com quem quer ajudar os pequenos e médios produtores? Acho que todos têm de ser prioridade e o Estado tem de estar mais presente para pequenos e médios. Os grandes merecem atenção (do governo), mas têm capacidade de contratar engenheiro agrônomo para dar assistência à sua propriedade, de contratar engenheiro florestal para fazer a regularização, de investir na pesquisa própria na sua propriedade, de ter acesso a crédito internacional. Ele precisa do Estado também, mas o pequeno e o médio precisam mais.
Em seu discurso de posse, o senhor afirmou que sua missão será reconstruir pontes com o setor. Além das entidades privadas, essa repactuação passa também pela bancada ruralista?
A (repactuação) passa por todos que quiserem o Brasil produzindo mais, respeitando as leis e respeitando a democracia. No período eleitoral, é natural que as pessoas tenham posições partidárias, ideológicas diferentes. É natural e importante para a democracia escolher entre um projeto A ou B, mas mais importante é respeitar o resultado das urnas. Quem divergir disso, está divergindo da democracia. Para quem quiser trabalhar olhando para a frente, focado no resultado, olhando para o fortalecimento do agronegócio, estamos de portas abertas. Já recebi aqui, de forma coletiva, quase 40 entidades representantes de classes, de diversas áreas da produção. Eleição é daqui a quatro anos, quem não estiver satisfeito, se prepare, organize uma chapa, tenha seus posicionamentos e o resultado das urnas voltará a prevalecer. É assim que se toca numa democracia e é assim que será aqui no Ministério da Agricultura.