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Inquérito sobre morte de 235 mil peixes no rio Piracicaba cita Raízen

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Ministério Público quer esclarecimentos sobre possível relação comercial da empresa com a usina São José, do grupo Farias, investigada por desastre ambiental no rio Piracicaba

A Ajinomoto, multinacional do ramo alimentício responsável por marcas como Sazón e Vono, entrou no radar das investigações sobre um derramamento de melaço de cana-de-açúcar que teria matado ao menos 235 mil peixes no rio Piracicaba. A mortandade ocorreu em julho deste ano e é considerada o maior desastre ambiental já registrado no rio.

O Ministério Público apura se a Ajinomoto era uma das empresas destinatárias do melaço produzido pela usina São José, investigada pelo derramamento. A sucroenergética nega ser a responsável pelas mortes.

O inquérito do Ministério Público também busca esclarecimentos sobre possíveis relações entre as empresas do Grupo Farias, que administra a usina São José, e a Raízen, joint venture entre Cosan e Shell. O promotor se baseia em outro processo jurídico em que a Raízen cobra fornecimentos do grupo Farias.

O promotor Ivan Carneiro Castanheiro, que está à frente das investigações, oficiou esta semana a usina São José solicitando documentos sobre suas relações comerciais. “Importante frisar que, por enquanto, é uma linha de desdobramento da investigação. Se houver um contrato de parceria, onde ambas as parceiras assumem riscos, pode haver também a responsabilidade civil de outras empresas”, explicou.

Procurada pela Repórter Brasil, a Raízen não confirmou e nem negou a manutenção de relações comerciais com o grupo Farias, mas ressaltou que “realiza o monitoramento contínuo de seus fornecedores e sua aderência ao código de conduta da companhia, incentivando a adoção de melhores práticas e respeito total à legislação, a qual, se desrespeitada, pode resultar no encerramento de tal parceria”.

Já a Ajinomoto afirmou à reportagem que “desde 2019, não mantém nenhuma relação comercial com a usina São José e que o fornecedor já foi removido de sua base de parceiros”. Segundo as investigações oficiais, o fornecimento de melaço à Ajinomoto foi informado ao Ministério Público por um funcionário da empresa durante inspeção do órgão à usina, logo após o extravasamento do melaço.

De acordo com um integrante de uma organização não governamental que atuou na verificação da mortandade – e que pediu para não ser identificado pela reportagem –, o melaço produzido pela São José seria usado na unidade da Ajinomoto de Laranjal Paulista. O principal ingrediente da empresa, o glutamato monossódico, um realçador de sabor, é fabricado nesta unidade, a 50 quilômetros de Rio das Pedras, onde está a São José.

Procurada, a Usina São José não respondeu aos questionamentos da Repórter Brasil sobre eventuais negócios mantidos com a Ajinomoto e a Raízen. A empresa afirmou ainda que “não reconhece o nexo causal entre suas operações e a mortandade de peixes”.

Para Castanheiro, no entanto, não há dúvidas quanto à responsabilidade da usina no desastre. “O objetivo destas solicitações é identificar quem foram os destinatários do melaço, uma vez que no tanque onde ele era armazenado pode ter ocorrido o vazamento. A usina hora nega, hora admite extravasamento de pequeno volume. Queremos mostrar o que aconteceu, fazendo também essa análise”, afirmou o promotor.

Tragédia sem precedentes

Em julho, a usina foi multada pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) em R$ 18 milhões – uma das maiores multas aplicadas em toda a história da instituição – pela mortandade estimada de 235 mil peixes de diferentes espécies, que representam mais de 50 toneladas de animais.

Segundo o órgão, o derramamento do melaço de cana começou no ribeirão Tijuco Preto, afluente do rio Piracicaba localizado nas imediações da usina, e percorreu cerca de 70 quilômetros até chegar na Área de Proteção Ambiental Tanquã, um local de reprodução de espécies conhecido como o “mini Pantanal paulista”.

Para Evandro Gaiad Fischer, gerente da Cetesb, a situação encontrada em fiscalização na usina São José é de “descontrole total”. Havia vazamentos e problemas no sistema de escoamento de líquidos e melaço no entorno dos tanques de armazenamento. “Não há nenhuma dúvida em relação à responsabilidade da usina”, afirma.

Em Piracicaba e nas cidades vizinhas a mortandade histórica de peixes afeta pescadores, o turismo e o comércio. “Eu sou a terceira geração de pescadores da minha família. Pesco há 42 anos. ‘Estudei’ minhas filhas com o peixe do rio. Nunca vi uma situação como essa. O rio morreu, de um dia para o outro”, relata Roberto Ferreira, 51, que chegava a vender duas toneladas de peixes por semana.

Os pescadores afetados pela mortandade estão recebendo uma cesta básica da Prefeitura de Piracicaba. O Ministério Público busca recursos emergenciais do governo federal para remediar a situação das famílias e, também, cobra auxílios da usina.

A São José informa que “se solidariza com os pescadores que tiveram suas atividades e fonte de renda prejudicadas pelos episódios de julho de 2024, mas reafirma não ter sido a responsável pela mortandade dos peixes”.

Uma década para a reparação da fauna

Para o professor Brunno da Silva Cerozi, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), será necessária uma década para que a população de peixes do rio Piracicaba volte ao que era.

“Para formar uma população de peixes adultos, leva-se duas ou três gerações. E há outras questões que não temos como saber: será que essa grande mortandade selecionou espécies, alterou a dinâmica das espécies?”, analisa Cerozi.

Com informações do Repórter Brasil/Daniela Penha
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