Estudos mostram que a compatibilidade entre produtos químicos e biológicos pode determinar o sucesso das aplicações e abrir caminho para manejos mais eficientes e sustentáveis
A crescente associação entre produtos químicos e biológicos no manejo de pragas e doenças abriu um novo campo de desafios e oportunidades para a agricultura brasileira. De um lado, a combinação inadequada pode reduzir a eficácia das aplicações e causar perdas operacionais; de outro, quando bem conduzida, a compatibilidade entre diferentes formulações tem potencial para melhorar o desempenho das estratégias de manejo.
A compatibilidade entre esses produtos é o foco da pesquisa de Ricardo Polanczyk, professor da Unesp (FCAV/Jaboticabal) e pesquisador do Centro de Pesquisa em Engenharia – Fitossanidade em Cana-de-Açúcar (CEPENFITO), há quase uma década. O CEPENFITO é uma iniciativa que reúne pesquisadores da Unesp e o Grupo São Martinho, com financiamento da Fapesp.
Uma metodologia mais antiga, amplamente usada na literatura até então, avalia a compatibilidade por meio de testes in vitro, em laboratório. Ela determina níveis de compatibilidade com base no crescimento vegetativo do microrganismo em contato com o produto químico, baseando-se, por exemplo, no tamanho de colônia e número de conídios.

No entanto, nesses testes o tempo de contato entre o químico e o biológico é muito maior do que o tempo real em que esses produtos permanecem misturados nas aplicações em campo. Enquanto estudos mais antigos se baseavam em um tempo de contato de 7 a 10 dias, hoje trabalha-se com 4 a 8 horas. Por isso, dizemos que essa nova metodologia mede “compatibilidade”, enquanto a metodologia antiga mede “interação”, pois o tempo prolongado altera os resultados e não representa a realidade da aplicação agrícola.
Os estudos nessa área ganharam força quando se constatou, entre produtores rurais, a prática comum de misturar diversos produtos no tanque acreditando que isso ampliaria o controle de pragas e doenças — sem considerar os efeitos negativos dessa combinação. Como relata Polanczyk, “normalmente, misturam-se de 7 a 8 produtos por tanque, e há casos extremos — como no Maranhão — onde já identificamos misturas com até 22 produtos”. Sem respaldo técnico, porém, essas misturas podem gerar o efeito oposto: inibir mecanismos de ação, degradar microrganismos, alterar formulações e comprometer completamente a eficiência do tratamento.
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Por outro lado, quando há compatibilidade, misturas bem planejadas podem ampliar a proteção da cultura, combinar mecanismos de ação e gerar ganhos operacionais significativos. Polanczyk alerta, porém, que o sucesso depende de conhecer o que ocorre dentro do tanque. “Se o controle falha, o produtor muitas vezes culpa o operador ou as condições ambientais, mas o problema pode estar na mistura.” Assim, entender as interações se torna uma ferramenta estratégica para melhorar a eficiência e a sustentabilidade.
A atuação do CEPENFITO se consolida justamente nesse esforço de padronização. “Temos trabalhado para estabelecer metodologias e identificar as interações mais relevantes, especialmente na cultura da cana-de-açúcar”, afirma o pesquisador. Contudo, a demanda por esses estudos cresce em culturas como soja e algodão, refletindo a expansão do mercado de bioinsumos no país.
Entre os resultados recentes, uma pesquisa de mestrado orientada por Polanczyk mostrou uma descoberta importante: os biológicos também influenciam o comportamento dos químicos. O tempo de contato pode alterar sensivelmente a eficiência final, e compreender essa dinâmica é fundamental para formular recomendações confiáveis. Dada a quantidade de produtos e as possibilidades de misturas, o estudo se torna cada vez mais complexo.
Apesar dos avanços, ainda existem lacunas significativas. Uma delas é a necessidade de integrar técnicas moleculares aos estudos de compatibilidade. Segundo o professor, essas ferramentas permitirão identificar com maior precisão quais microrganismos permanecem ativos ao longo do tempo, mesmo diante de misturas complexas. Essa perspectiva é fundamental para estudar o comportamento dos produtos após a aplicação, considerando fatores ambientais e biológicos.
Além disso, compreender a dinâmica das misturas requer uma abordagem interdisciplinar, envolvendo microbiologia, fitopatologia, entomologia e tecnologia de aplicação. “A interdisciplinaridade é essencial para avançarmos em direção a uma metodologia padrão e fornecer resultados robustos aos agricultores”, avalia Polanczyk. Somente com essa integração será possível reduzir riscos, orientar o produtor e explorar plenamente o potencial das combinações compatíveis.
Em um cenário de expansão do uso de bioinsumos e crescente pressão por sustentabilidade, a compatibilidade entre produtos se torna um eixo central do manejo moderno. Com o avanço das pesquisas e maior conscientização no campo, o setor agrícola brasileiro tem a oportunidade de transformar um desafio técnico em uma estratégia eficiente, segura e alinhada às novas exigências de produtividade e responsabilidade ambiental.


