No vasto mercado de energia, o petróleo é rei. Tem cheiro, tem cor, tem barril, tem briga diplomática e até frota de navios. Já o CBIO… não tem nada disso. É invisível, etéreo — e, talvez exatamente por isso, mais difícil de fiscalizar e muito mais fácil de manipular.
Nascido para ser o combustível da descarbonização brasileira, o CBIO virou rapidamente o “petróleo sem poço” da nossa bolsa de valores. Enquanto o barril Brent é sacudido por conflitos no Oriente Médio, decisões da OPEP ou nervosismos em Wall Street, o preço do CBIO sobe e desce ao sabor da oferta reduzida e da sede de lucro dos que dominam sua negociação.
E aqui mora o charme — ou a armadilha: o CBIO, diferente do petróleo, não precisa de broca, de plataforma, nem de superpetroleiro. Só precisa de papelada, aprovação regulatória e, principalmente, uma boa estratégia de estoque e revenda. Quanto menos CBIO no mercado, maior o preço. E nesse jogo, bancos e corretoras se especializaram em nadar de braçada — sem precisar sujar as mãos com uma gota de óleo.
Ao contrário da commodity tradicional, que depende do humor dos poços e do mercado global, o CBIO se sustenta em regras locais e em prazos regulatórios internos. O barril pode desabar com a paz entre nações; o CBIO, não. Ele caminha na sua própria cadência, blindado da volatilidade internacional e, curiosamente, cada vez mais influenciado por um seleto grupo de operadores.
O mais curioso? Tudo isso acontece sob a bandeira da sustentabilidade. Questionar a mecânica do mercado dos CBIOs parece, para alguns, quase uma heresia. Afinal, quem ousaria se opor a um crédito verde? Só que, como todo mercado mal iluminado, ele também precisa de transparência — porque na sombra até mesmo o verde pode esconder práticas que se afastam da livre concorrência.
É urgente descarbonizar. Mas também é urgente entender: não basta ser verde. É preciso ser justo. Porque até petróleo invisível, no fim das contas, pode escorregar quem não presta atenção.
*Wladimir Eustáquio Costa é CEO da Suporte Postos, especialista em mercados internacionais de combustíveis, conselheiro e interventor nomeado pelo CADE, com foco em governança e estratégia no setor downstream.
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