Por Wladmir Eustáquio
Na economia, há sinais que valem mais do que balanços publicados: são os movimentos silenciosos — mas nada sutis — de gigantes como a Cosan, holding que controla uma das maiores operações integradas de etanol do mundo por meio da Raízen, seu braço direto de distribuição.
Nas últimas semanas, fontes do mercado têm acendido alertas sobre uma possível pressão por liquidez dentro do grupo. Embora não haja anúncio oficial, o mercado observa: a venda antecipada de safra pode estar em jogo. E quando a Cosan precisa fazer caixa, o setor inteiro precisa afinar os ouvidos — e as planilhas.
Etanol, dinheiro na veia e competição
A Cosan tem participação relevante no fornecimento nacional tanto de etanol anidro (misturado à gasolina) quanto de etanol hidratado (vendido diretamente nos postos). Se de fato houver necessidade de antecipar receitas, é natural que procure as grandes distribuidoras — que têm fôlego financeiro e apetite para antecipar pagamento em troca de descontos relevantes.
O problema? Isso pode distorcer o jogo competitivo. Distribuidoras menores, que não têm acesso às mesmas condições de caixa, ficam fora da mesa onde os preços reais são definidos. O resultado é previsível: ou perdem espaço no mercado ou repassam custos, tornando-se menos competitivas.
E as usinas que estão fora do “sistema Cosan”? Essas, por sua vez, podem ser pressionadas a reduzir seus preços para manter participação de mercado. Não é só uma questão de concorrência — é sobrevivência. Quando uma usina de grande porte começa a oferecer etanol abaixo da curva para fazer caixa, todo o mercado precisa responder, nem que seja no osso.
E a Raízen? A Raízen está no centro da equação — distribuidora e produtora ao mesmo tempo. Em tese, ela poderia “internalizar” parte dessa antecipação, distribuindo o próprio etanol, com margem reduzida, mas ganho de escala e dominância em praças-chave. Seria uma jogada de xadrez… e talvez um cheque em quem joga damas.
Mas o que está realmente acontecendo? Essa é a pergunta. Pode ser uma estratégia financeira pontual, pode ser reflexo de endividamento, pode ser apenas gestão de fluxo de caixa entre safra e entressafra. Só o tempo — e os próximos relatórios trimestrais — dirão. Mas os efeitos colaterais no equilíbrio concorrencial já podem ser sentidos.
E o que os empresários do setor devem fazer? A primeira atitude é observar com inteligência, sem pânico. A segunda, é se preparar para um mercado com preços mais voláteis e decisões menos previsíveis. No xadrez do etanol, saber quando não mover uma peça também é estratégia.
*Wladimir Eustáquio Costa é CEO da Suporte Postos, especialista em mercados internacionais de combustíveis, conselheiro e interventor nomeado pelo CADE, com foco em governança e estratégia no setor downstream.