Imagine um posto que declara vender 1 milhão de litros por mês, mas abastece só 600 mil. A bomba está lá, o frentista sorrindo, o cliente abastecendo… só que os números estão maquiados. Lucratividade inflada, bônus pagos, reputação perfumada. Até que alguém resolve abrir o tanque — e descobre o rombo.
Pois foi mais ou menos isso que aconteceu com a Americanas. Só que em vez de gasolina, o combustível era “risco sacado”. No lugar do frentista, o CFO. E, nos bastidores, dois gigantes do mercado: Itaú e Santander. Segundo o jornalista investigativo Lauro Jardim (O Globo), em delação ao Ministério Público, Fábio Abrate, ex-CFO da Americanas, contou que os bancos sabiam do problema e ajudaram a esconder. Acordos teriam sido feitos para omitir dívidas nas circularizações contábeis. Em outras palavras: os números eram “enfeitados” para parecer que tudo ia bem — até os acionistas baterem palmas e os investidores abrirem a carteira.
Mas o que isso tem a ver com o nosso mundo Downstream? Com os postos, consumidores e distribuidoras? Tudo.
Confiança é o combustível invisível do mercado. E quando um escândalo explode, o calor respinga até nos galões mais distantes. Veja a Vibra, ex-BR, que firmou duas parcerias com a Americanas:
1. A VEM Conveniência, formada em 2022 para administrar as lojas BR Mania e Local. Teoricamente, um casamento perfeito entre varejo e combustíveis. Mas em agosto de 2023, no calor do escândalo contábil, a Vibra desembolsou R$ 192 milhões para encerrar a parceria e retomar o controle do seu negócio de conveniência.
2. A parceria Premmia + Ame Digital, que dava até 12% de cashback em abastecimentos — encerrada ainda em julho de 2021, já sem grande alarde, mas talvez um sintoma precoce de que as engrenagens não estavam bem ajustadas.
Coincidência? Talvez. Mas coincidências demais costumam vazar gasolina no chão.
Para o consumidor, o impacto é silencioso, mas constante. Quando a reputação de um elo da cadeia afunda, todos sentem: menos crédito na praça, menos investimento, mais desconfiança. O preço sobe, o atendimento piora, o cliente troca de bandeira. E o dono do posto, aquele que só queria vender bem e dormir em paz, paga a conta da festa que não foi.
Na prática, o que aprendemos com essa história que mistura planilhas, combustíveis e delações?
1.Balanço é Bíblia. Se for falsificado, a fé do mercado evapora.
2.Auditoria não é enfeite de natal. Circularizar não é “vamos combinar o que vai”, é verificação séria.
3. Conselhos não são criados para elogiar e dar prêmios aos CEOS e diretores. Nome de peso sem ética é marketing vencido.
O humor da história (porque rir é uma válvula de escape):
Dizem que o tal “risco sacado” era invisível. Tipo gasolina batizada em posto picareta: você só descobre que era água com corante quando o motor engasga no meio da avenida.
*Wladimir Eustáquio Costa é CEO da Suporte Postos, especialista em mercados internacionais de combustíveis, conselheiro e interventor nomeado pelo CADE, com foco em governança e estratégia no setor downstream.
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