Pesquisa realizada pelo Instituto Mauá de Tecnologia desenvolveu a patente de um sistema chamado “ponto quente”, que permite o uso de metanol em motores ciclo Diesel
Durante o programa do álcool (Proálcool) e as crises do petróleo dos anos 70, existiam muitas iniciativas para aplicar combustíveis alternativos em motores. O etanol foi largamente aplicado em motores ciclo Otto (veículos leves), porém nunca houve uma determinação para substituição do Óleo Diesel Combustível.
Isso nunca ocorreu, de acordo com o pesquisador Renato Romio, pesquisador do Centro de Pesquisas Divisão de Motores e Veículos, porque não havia volume de produção e preços competitivos para abastecer os veículos pesados. Além disso, para se utilizar etanol em caminhões, os motores teriam que ser convertidos de ciclo Diesel para ciclo Otto e isso iria gerar muita perda de rendimento, aumentando drasticamente o consumo do veículo.
“Mesmo assim, foram realizadas muitas pesquisas com combustíveis, inclusive óleos vegetais para uso em motores pesados. Uma destas pesquisas foi financiada pela CESP (na época se chamava Centrais Elétricas do Estado de São Paulo) para aplicação de metanol em motores de combustão interna. Nesse período, o Instituto Mauá de Tecnologia iniciou as pesquisas para desenvolver motores adequados ao combustível e um dos resultados destas pesquisas foi a patente de um sistema chamado ‘ponto quente’, que permitia o uso de metanol em motores ciclo Diesel”, explica à Romio RPAnews.
O sistema “ponto quente” resolvia o maior empecilho da operação de motores ciclo Diesel com metanol que era a temperatura insuficiente dentro da câmara de combustão para inflamar o combustível. O método do ponto quente consistia da instalação de uma vela incandescente na câmara de combustão para provocar o início da queima do metanol quando ele era injetado próximo a ela.
O motor operando com a vela incandescente e utilizando metanol ou etanol, apresentava valores de eficiência similares àqueles encontrados com o uso de óleo Diesel, porém havia problemas em operações em baixas potências. “Esses valores de eficiência são similares aos encontrados atualmente em motores que utilizam etanol com injeção piloto de óleo Diesel para iniciar a combustão. Muitos chamam esse tipo de motor como motor de vela líquida, porém neles ainda há a necessidade do uso de óleo Diesel para a injeção piloto”, explica Romio.
É importante destacar que a aplicação de metanol nos motores ciclo Diesel durante o projeto com a CESP, foi feita em uma época onde não existiam motores com controles eletrônicos e mesmo motores turboalimentados eram raros no mercado.
“Hoje, com a tecnologia disponível, é possível desenvolver motores deste tipo e resolver os problemas que existiam durante funcionamento em baixas cargas. Muitas outras instituições trabalham em motores flex ou dedicados ao uso de etanol. Entendo que há no país conhecimento científico mais que suficiente para melhoria destes motores”, destaca Romio.
Só para se entender melhor o funcionamento dos motores, os flex são feitos seguindo o ciclo Otto onde o combustível é misturado com o ar (comburente) antes do início a combustão, que é provocada por uma faísca elétrica em uma vela de ignição. Nos motores ciclo Diesel, o combustível é injetado dentro da câmara de combustão e é nesse momento que ele encontra o ar para poder queimar.
“O início da combustão nesse ciclo acontece devido ao ar estar com temperatura elevada devido à compressão e provocar a queima do óleo Diesel. Motores ciclo Diesel operam com taxas de compressão elevadas, excesso de ar e não possuem borboleta para restringir a entrada de ar no cilindro. Isso eleva consideravelmente seu rendimento quando comparado aos motores ciclo Otto”, detalha o pesquisador.
Para o desenvolvimento do sistema ponto quente não foram necessárias alterações significativas. Foram substituídas as velas incandescentes por velas que operam em temperaturas mais elevadas e o sistema de injeção eletrônica foi reprogramado para se adequar às características do etanol. “Este motor também foi colocado em funcionamento utilizando gasolina comum para verificar a possibilidade da operação em modo flex fuel”, adiciona Romio.
Na última versão da pesquisa foi utilizado um motor Diesel 1.3 Multijet com cilindrada 1,248 cm³ (1.3L) de 90 cv e taxa de compressão 17,6:1. Porém, esta é a primeira vez que foi adaptado um motor de pequeno porte. Anteriormente foram adequados motores de porte médio.
Motores biocombustíveis
O mundo busca por alguma forma de diminuir as emissões de CO2 e, no caso dos automóveis, o caminho está sendo direcionado para veículos elétricos a bateria, porém, de acordo com o pesquisador, há dificuldade no uso de baterias em caminhões rodoviários e isso gera uma busca por outras soluções, como o uso de hidrogênio em células de combustível.
“Apesar disso, o uso de hidrogênio depende da produção e distribuição do produto, além da adequação dos veículos. Entendo que há uma busca global por um combustível que não emita ou que seja neutro em relação à emissão de CO2, como no caso dos e-fuels. O etanol possui a característica de ser neutro, ou seja, o CO2 que é emitido durante a produção e a queima no motor acaba por ser absorvido pela plantação que irá gerar um novo lote do combustível. O Brasil é o único país que possui um sistema implantado de produção, distribuição e utilização de etanol e isso deve ser aproveitado nas diversas modalidades de transporte rodoviário, portanto, vejo como um excelente caminho e que neste momento pode ser viável”, disse o pesquisador que revelou que o estudo gerou patentes de um motor ciclo Diesel que opera com etanol sem aditivo (etanol comum).
Ainda de acordo com ele, o cenário pode ser passageiro, pois se o preço do Óleo Diesel voltar ao patamar que estava antes do inicio da pandemia de Covid 19, o etanol deixa de ser competitivo para caminhões. “Em razão disso, defendo que os motores devem ser bicombustíveis. Eles devem estar aptos a funcionar com etanol e também com Diesel (ou um ou outro, pois é difícil desenvolver um motor para funcionar com misturas destes combustíveis”, afirmou à RPAnews.
O motor desenvolvido 1.3L, segundo o pesquisador, mostra que é possível obter alto rendimento com a utilização de motores modernos, com sistema eletrônico de controle. Isso é um ponto que ainda não se discutiu muito no Brasil e, principalmente agora com os preços dos combustíveis, poderia trazer vantagens para frotistas de veículos rodoviários utilizarem etanol. Mas, por que isso ainda não está sendo discutido. Será que falta interesse das fabricantes de carros?
“Entendo que não há uma visão dedicada do governo e dos fabricantes de veículos ao uso de etanol em caminhões e isso certamente é em razão da diferença de preços que havia entre o etanol e o Óleo Diesel. Há uma clara opção pelo uso de misturas de Diesel com biocombustíveis derivados de óleos vegetais, que também é um caminho que pode, porém, apresentar custos mais altos. O uso de etanol em um motor que também possa operar com Diesel não inviabiliza a continuidade do uso de derivados de óleos vegetais”, observa o pesquisador.
Evolução do uso do etanol
O que limita a utilização maior do etanol ainda é o custo, na opinião do pesquisador. E não é apenas o custo na bomba, mas sim o custo de operação do veículos. O custo na bomba deve ser baixo e o veículo deve ter uma melhor eficiência, ou seja, ter consumo baixo.
“Deve haver ações para diminuição nos preços dos combustíveis, que já foram tomadas por meio de aumento de produtividades das plantações e destilarias, e pelo estabelecimento de programas como o Renovabio, além de ações para melhoria da eficiência dos veículos quando utilizarem etanol, que foram adotadas no Inovar Auto, no Rota 2030 e em algumas iniciativas como, por exemplo, da FAPESP, que implementou um Centro de Pesquisas em Engenharia para uso de biocombustíveis”, disse.
Para o pesquisador, o Brasil possui uma solução para redução das emissões de CO2 no transporte rodoviário já implementada e funcionando há décadas, mas que é frequentemente associada à manutenção de uma tecnologia antiga de uso de motores de combustão interna. “Os motores de combustão interna são – conceitualmente – antigos, mas as tecnologias empregadas são de ponta e são uma boa alternativa para manter preços baixos de veículos e, consequentemente, um bom volume de vendas”, diz.
Os veículos elétricos apresentam baixa penetração no mercado por diversos motivos e, portanto, infelizmente não poderão reduzir rapidamente as emissões de CO2. A presença de veículos elétricos no mercado é importante para manter o país em contato com a tecnologia, mas o fato, de acordo com Romio, é que não há um mercado interno grande ou mesmo uma condição fiscal propícia que permita a fabricação de baterias ou veículos elétricos e isso faz com que esses produtos sejam importados.
“Temos que utilizar o etanol em combinação com a eletrificação para alavancar volume de vendas e novas tecnologias. Se, por exemplo, incentivarmos o veículo hibrido que utilize etanol na maior parte do tempo, estaremos colocando carros no mercado que emitem pouco CO2. O volume de vendas deste tipo de veículos poderia justificar a implantação de uma fábrica de bateria no país, por exemplo. Um outro exemplo seria a possibilidade do desenvolvimento de células de combustível alimentadas com etanol. Essas células conseguem transformar o etanol diretamente em eletricidade, diminuindo a necessidade de muitas baterias em um veículo e é uma tecnologia voltada diretamente para o Brasil, pois temos etanol em todos os lugares”, disse.
Natália Cherubin para RPAnews