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Agrícola

Plantio Mecanizado de cana deve voltar a crescer

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Embora a Meiosi ofereça redução de custos em algumas áreas, a falta de mão de obra é um dos motivos que estão levando usinas e produtores de cana a repensar sobre a operação mecanizada

 

Natália Cherubin

Se a colheita mecanizada de cana-de-açúcar é consolidada em quase 100% do Centro-Sul do país, a operação de plantio de cana ainda é, sem dúvida, um dos processos em que o setor sucroenergético mais busca por evolução.

Enquanto a tão esperada “semente” de cana não se torna uma realidade, o setor sucroenergético, que passou por um “boom” e recentemente viveu uma baixa no uso de plantadoras mecanizadas, está voltando a retomar seu olhar sobre essa tecnologia, que ainda predomina como modalidade mais adotada para o plantio de cana-de-açúcar na região Centro-Sul.

Dados de amostragem do Pecege e do IAC (Instituto Agronômico) da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo, mostram que até a safra 2021/22, a adoção do plantio mecanizado, mesmo ainda predominante, vinha sofrendo uma queda com o consequente aumento do sistema tradicional manual, que seu deu em função da expansão da Meiosi em parte das áreas de cana da região Centro-Sul.

Os dados mais recentes do Pecege que mostram a evolução da participação de cada modalidade de plantio na região Centro-Sul, revelam que enquanto na safra 2019/20 o plantio mecanizado chegava a 69,73%, perdeu espaço na safra seguinte, chegando a 69,40% e, na última temporada, 2021/22, teve 54% de participação nas áreas da amostragem.

 

Figura 1 – Evolução da participação % de cada modalidade de plantio na região Centro-Sul. (Fonte: PECEGE)

 

Figura 2 – Percentual de usinas amostradas que adotaram plantio convencional, mecanizado e meiosi em cada safra. (Fonte: PECEGE)

 

“As figuras 1 e 2 permitem identificar, para diferentes safras, a quantidade relativa de usinas que utilizaram cada modalidade de plantio e sua participação média na área plantada. Verificou-se uma tendência de crescimento consistente do plantio com Meiosi entre as usinas amostradas”, disseram os analistas do Pecege.

Embora ainda predominante na maioria das unidades participantes das pesquisas, o último levantamento de intenção de plantio realizado pelo IAC, mostra que de 2018 para cá, o plantio mecanizado, dentre as usinas ouvidas, caiu cerca de 14%, de 71,3% para 57,2% em 2022. Entretanto, a mesma pesquisa mostra que houve um salto de 2,6% de participação do plantio mecanizado na safra 2021/22 para a 2022/23.

Crédito: IAC (Instituto Agronômico) da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo,Para Rubens Braga Junior, da consultoria de planejamento estratégico e análise de dados, a RBJConsult, que realiza os levantamentos para o IAC, no início, o plantio mecanizado apresentou uma série de problemas, como distribuição desuniforme, qualidade de mudas, compactação do solo, entre outros.

“Esses problemas foram parcialmente resolvidos, mas com a introdução do MPB [mudas pré-brotadas] e da Meiosi houve uma volta do plantio manual. Em 2021 parece que essa queda da adoção do mecanizado atingiu o seu valor máximo. Vamos ver o resultado de 2023 para confirmar essa possível tendência de alta, afinal, nos últimos dois anos a Meiosi também apresentou queda, mas ainda foi responsável por um quinto das áreas plantadas em 2022.”

Para Auro Pardinho, diretor Comercial da DMB, uma das principais desenvolvedoras de tecnologia de plantio mecanizado do mercado, o baixo investimento na formação das pessoas envolvidas no processo foi um dos fatores que limitaram a expansão do sistema mecanizado.

“Como ocorre na maioria das vezes, houve grandes investimentos em máquinas e quase nenhum investimento nas pessoas que vão trabalhar no processo. Isso contribuiu para a baixa qualidade do plantio mecanizado, desacreditando o sistema. A falta de gestão foi o principal fator da volta para o plantio manual e outras alternativas em detrimento do crescimento do plantio mecanizado”, disse Pardinho à RPAnews.

Merquisson Sanches, gerente de Operações Brasil da TT do Brasil, fabricante de plantadoras de cana, acredita que a explosão de utilização da plantadora como uma ferramenta de plantio não foi acompanhada do entendimento de que o plantio não se baseia apenas no uso da máquina, mas sim em um sistema com muitas variáveis e paradigmas.

“Alto consumo de mudas, baixo rendimento operacional, baixa tecnologia oferecida por alguns fabricantes e o custo em geral foram fatores que contribuíram para esfriar o uso das plantadoras”, disse à RPAnews o gerente de operações da TT do Brasil, empresa que oferece comercialmente, desde 2018, plantadoras automatizadas.

Ainda de acordo com Sanches, as usinas e produtores que mantiveram a operação de forma mecanizada entenderam que a escolha da variedade e a qualidade da colheita e no transporte da muda, precisavam de um olhar mais clínico.

“Já presenciamos casos de toletes colhidos com 32% de gemas danificadas. Isso significa que é necessário colocar um altíssimo volume de cana no sulco para atender número de gemas viáveis por metro, tendo como consequência o alto gasto de mudas”, destacou.

Já Davi Francisco, especialista em Automação na TMA Máquinas, do Grupo Tracan, que lançou sua primeira plantadora totalmente automatizada em 2007, acredita que o que arrefeceu o uso de plantadoras mecanizadas nos últimos cinco anos foi a necessidade da redução de toneladas de mudas plantadas por hectare, menores danos às mudas e a diminuição do pisoteio na lavoura.

“Sempre fomos inovadores e persistentes na busca por novas tecnologias, nos tornando pioneiros em vários aspectos. A limitação inicial foi a falta de tecnologia nacional que atendesse às nossas necessidades, algo que foi superado com algumas parcerias que permitiram a ampliação do uso da tecnologia nos nossos equipamentos. Havia ainda a limitação do nível de instrução dos operadores sobre o manuseio da tecnologia disponibilizada pela máquina, o que também foi superado com o desenvolvimento de funções cada vez mais automáticas e inteligentes”, observa o especialista da TMA.

Falta de mão de obra tem sido fator determinante

A falta de mão de obra para o plantio manual, além de questões trabalhistas relacionadas ao trabalho de plantio, vem gerando o interesse por parte de produtores e usinas no retorno ao plantio mecanizado.  “É comum recebermos solicitação de cotação de plantadora onde o usuário diz que não tem mão de obra”, disse Merquisson.

As vendas da TT do Brasil já aumentaram e a demanda até o fim de janeiro de 2023 já está esgotada. “O setor deve voltar a crescer, porém com uma nova experiência, corrigindo erros do passado, fazendo uso das tecnologias mais modernas disponíveis. O plantio mecanizado pode dar muitos benefícios, a tecnologia está disponível, mas tem que aprender a usá-la. Não dá para continuar fazendo o mesmo. O usuário tem que evoluir conjuntamente. É preciso entender o plantio mecanizado como um sistema”, afirmou Merquisson.

O diretor de marketing da DMB, Pardinho, diz que nessa safra também já foi possível observar aumento na procura e na venda de plantadoras e, a expectativa da companhia é que isso continue para a próxima temporada.

“Atualmente, a tecnologia tem contribuído muito para a melhoria da qualidade do plantio mecanizado. O consumo de mudas, que era um gargalo no plantio mecanizado, diminuiu muito e está muito próximo do plantio manual. O índice de falhas também diminuiu bastante e o objetivo é chegar a zero”, disse.

Apesar desses fatores contribuírem para a volta e o interesse pelo plantio mecanizado, Pardinho destaca que há necessidade de se aprender sobre o sistema e preparar toda a mão de obra que será envolvida no processo.

“A tecnologia embarcada atualmente nas nossas plantadoras permite maior segurança na assertividade do planejamento do plantio mecanizado, com ganho de eficiência, produtividade e qualidade do plantio. Porém, nada disso funciona sozinho. Não basta apenas comprar a plantadora e achar que o problema está resolvido. As pessoas envolvidas no processo é que vão fazer toda essa tecnologia funcionar da melhor maneira possível. E a DMB, por meio do seu pós-venda, está preparada para contribuir com o treinamento dessas pessoas. Acreditamos que com um bom protocolo, a qualidade e a aceitação do plantio mecanizado irão melhorar muito e sua adesão no setor certamente voltará crescer”, disse.

Para Francisco, a volta do interesse por parte de usinas e produtores se dá pelo fato do plantio mecanizado ter evoluído com o advento de novas tecnologias, o que permitiu a redução no consumo de mudas, em toneladas por hectare plantado, com precisão, qualidade e sem falhas.

Inclusive, desde 2015, a demanda por máquinas com tecnologia embarcada tem aumentado gradativamente e, atualmente, se intensificou devido ao alto custo dos fertilizantes agrícolas e a busca por redução dos custos operacionais,  pela alta produtividade, agilidade, economia de insumos e devido também a qualidade e uniformidade no plantio.

“Hoje, grandes players do setor como Raizen, São Martinho e Cofco, reconhecem e usam a tecnologia de automação de nossos produtos, que acoplam muito bem com os tratores agrícolas, usando tecnologia de ponta nos sistemas hidráulicos para automação com comandos variáveis PVG para não aquecer o óleo hidráulico do trator”, disse Francisco.

Ainda de acordo com o especialista em Automação da TMA, a demanda do setor está cada vez maior e com tendência de forte crescimento. “Estamos empenhados em otimizar a produção e capacidade fabril para atender os anseios do produtor alinhado a melhor experiência como nosso cliente.”

A Usina Cerradão, localizada em Frutal, MG, é uma das usinas que está revendo completamente sua forma de plantar cana-de-açúcar. Este ano, a companhia, que fez em 2022 o plantio mecanizado em 40% de suas áreas, vai saltar para 90% de plantio mecanizado em 2023.

Segundo Matheus Uzelotto Lopes, gerente Agrícola da Cerradão, a dificuldade em regulamentação e adequação nas normativas da mão de obra tendem a inviabilizar cada vez mais o processo de plantio manual.

“Sendo assim, a tecnificação das aplicações de insumo e muda, focando principalmente na homogeneidade da aplicação de muda com sua respectiva redução, é a principal diretriz operacional da empresa. Foco em acréscimo de rendimento operacional sem perder a qualidade também é uma ferramenta a ser explorada durante a próxima campanha de plantio”, revelou à RPAnews.

A Cerradão conseguiu melhorar bastante a performance do seu plantio mecanizado. “Atualmente temos utilização de muda na casa de 11 t/ha e índice de falha inferior a 7%. Anteriormente os números chegavam a 18 t/ha e 15% de falhas, respectivamente”, disse Matheus.

O grupo sucroenergético CRV Industrial vive realidades distintas em suas duas unidades, uma localizada em Carmo do Rio Verde, Goiás, e na usina mais recente, que está em sua terceira safra, a Capinópolis, em Minas Gerais. Enquanto a unidade de Goiás ainda faz um plantio semi-mecanizado, na unidade CRV, de Capinópolis, 100% do plantio é realizado de forma mecanizada com uso de plantadoras automatizadas.

Com a escassez da mão de obra rural em Minas, o departamento Agrícola da companhia acredita que a mecanização e sua automação são um caminho sem volta. “Dessa forma estamos na busca contínua de tecnologias que assegurem a boa qualidade das operações de plantio mecanizado. Também temos a equipe de qualidade agrícola como grande aliada na identificação de desvios e tratamento imediato dos mesmos”, afirmou o Departamento Agrícola à RPAnews.

Com um custo total do plantio mecanizado em torno de R$ 8.500 por hectare, a CRV de Minas aplica tecnologias embarcadas nas plantadoras de cana, tanto para controle das aplicações de inseticidas, fungicidas e bioestimulantes utilizados na coberta da muda, como no controle da vazão de fertilizantes e usa o fluxo contínuo da distribuição de mudas. Além disso, a usina faz um acompanhamento diário da equipe de qualidade, onde é possível indicar, em tempo real, desvios na operação que são corrigidos imediatamente em loco.

Com a percepção da questão da mão de obra, a CRV de Goiás também vê, em um futuro próximo, o plantio mecanizado se tornando uma necessidade.

Dados do último censo de intenção de plantio do IAC mostrou que produtores de Minas Gerais já utilizaram o plantio manual em menor proporção que os produtores dos demais estados (ver abaixo) em 2022.

Dados do IAC (2022)

 

 

 

 

 

 

Paulo de Araújo Rodrigues, diretor-executivo do Condomínio Agrícola Santa Izabel, produtora de cana-de-açúcar nas regiões de Jaboticabal, SP, Frutal e Delfinópolis, MG, conta que vai retornar ao plantio mecanizado em 100% das áreas em 2023.

“Já fomos 100% mecanizados, mas voltamos ao manual por conta da expansão do uso da Meiosi. Apesar de reconhecer alguns benefícios da Meiosi, vamos retornar ao plantio mecanizado, porque um dos principais fatores limitantes hoje são os problemas com mão de obra para o plantio nas regiões onde atuamos.”

Para o produtor, uma das vantagens do planto mecanizado é que ao fazer a operação completa, de abrir, aplicar a muda, insumos e já fechar o sulco, há um maior aproveitamento da umidade do solo, o que vai faz muita diferença nos períodos de escassez de chuva, situação que ele tem enfrentado durante os últimos anos.

“Estamos migrando agora para 100% e vamos continuar trabalhando para melhorar a operação do plantio mecanizado, seja na qualidade da colheita e plantio da muda, seja na distribuição uniforme e no menor volume de mudas”, afirmou à RPAnews.

Plantio mecanizado nos grandes grupos

A BP Bunge, com 11 unidades agroindustriais em cinco estados brasileiros, conta com o Programa de Confiabilidade Agrícola, que visa implementar as melhores práticas de mercado, com ênfase no aumento do plantio e na busca por maior produtividade da cana-de-açúcar.

Na empresa, de acordo com Mário Dias Filho, gerente Corporativo de Desenvolvimento Agronômico da BP Bunge Bioenergia, o plantio mecanizado é realizado em 80% das áreas da companhia, enquanto os outros 20% são de Meiosi.

“Conseguimos ter um plantio mecanizado de alta qualidade. Fizemos grandes investimentos com foco em melhoria das tecnologias nas plantadoras, onde todas são automatizadas e possuem alertas de falhas operacionais, que permite que seja identificado e corrigida a tempo”, disse à RPAnews.

A Meiosi, segundo Dias Filho é usada estrategicamente como uma ferramenta de redução de custos para as áreas em que não é possível plantar com a estrutura própria. “Tanto no plantio mecanizado como na meiosi conseguimos ficar abaixo de 4% de falha”, revela.

Plantio de cana da BP Bunge (Foto: Divulgação)

Carlos Daniel, diretor de Desenvolvimento Agronômico da Raízen, revela que o grupo hoje faz cerca de 85 a 90% do seu plantio de forma mecanizada, deixando o restante para a Meiosi com foco na multiplicação de viveiros e novas variedades.

De acordo com ele, as plantadoras de cana têm evoluído constantemente. “Hoje em dia, a qualidade do plantio das plantadoras melhorou muito quando comparada as plantadoras do passado, incluindo novos sistemas de automação, monitoramento e mais opções/melhores regulagens os resultados de qualidade do plantio”, disse à RPAnews.

Para reduzir as falhas e melhorar brotação do plantio mecanizado, a Raízen faz o uso de novas variedades adaptadas a mecanização e com maior perfilhamento, e utilização de bioestimulantes com foco na qualidade operacional.

A companhia também faz o planejamento prévio do plantio por tipo de solo e época, protocolo de validação de mudas e planejamento/produção de viveiros e sistematização e qualidade no preparo de solo. “As evoluções das máquinas têm contribuído na melhoria constante da qualidade e eficiência operacional das plantadoras. Atualmente, o sistema opera de forma mais homogênea e os mecanismos de regulagem e monitoramento permitem ajustes mais finos e um melhor desempenho do conjunto”, afirma Daniel.

A Ipiranga, com quatro unidades nas regiões de Mococa, Descalvado, Iacanga, em SP e, uma em Delfinópolis, MG, faz 60% do seu plantio ainda de forma mecanizada, complementando o restante, 40%, com Meiosi.

De acordo com Bernardo Titoto, diretor Agrícola da Usina Ipiranga, apesar de estar expandindo o uso da Meiosi como estratégia de redução de custos em áreas de maior declividade, a companhia ainda é muito adepta ao plantio mecanizado.

“Aprendemos que em áreas declivosas a qualidade do plantio mecanizado cai muito. Sendo assim, planejamos o plantio de Meiosi nessas áreas para deixar o plantio mecânico somente nas áreas melhores. Em áreas boas o plantio mecânico tem a mesma qualidade e mesmo custo de um plantio manual. Além disso, o plantio mecanizado tem a vantagem de utilizar bem menos mão de obra, que está cada vez mais escassa”, destacou Titoto.

Todas as plantadoras usadas pela Ipiranga são automatizadas. E isso também contribuiu muito para redução de muda e qualidade do plantio, de acordo com o gerente Agrícola da Ipiranga. “Hoje jogamos 13 t/ha de muda no plantio mecanizado. Nosso índice de falhas está em 4,3%”.

Para Titoto, é preciso pensar em um manejo integrado de plantio, porque todas as modalidades tem suas vantagens. “Um plantio mecânico bem feito, muitas vezes é melhor que um manual, pois antem muito mais a umidade no sulco nas épocas em que se planta mais cedo. Além disso, utiliza menos mão de obra e otimiza o uso dos equipamentos de safra na entressafra. Porém, tem que ser em áreas boas, ou seja, de baixa declividade. A Meiosi, por sua vez, tem como grande vantagem o menor consumo de mudas e, consequentemente, menor custo. Mas necessita de mais mão de obra. Desta forma, estamos fazendo nosso planejamento deixando as áreas declivosas para Meiosi e as áreas melhores para o plantio mecanizado”, detalha o diretor Agrícola da Ipiranga.

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