Distribuidoras pequenas e médias ainda querem questionar aplicação do programa pelo governo
O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedente uma ação que questionava a constitucionalidade de vários artigos da lei do RenovaBio, programa de estímulo aos biocombustíveis. A decisão deve reduzir os questionamentos do programa na Justiça, mas não deve barrar a judicialização da política.
A lei do RenovaBio foi promulgada em 2017 e começou a ser aplicada no fim de 2019, quando as distribuidoras de combustíveis passaram a ser obrigadas a comprar créditos de descarbonização (CBios) para cumprir com metas estabelecidas pelo governo. Mas, nos últimos anos, cresceram as ações na Justiça de distribuidoras de pequeno e médio porte questionando o programa.
Em 14 de novembro, os ministros do STF acompanharam o voto do ministro Nunes Marques, relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7617, que entendeu que a ação apresentada pelo PDT era improcedente. A ADI questionava diversos artigos da lei, incluindo dispositivos aprovados pelo Congresso no ano passado, que aumentaram as penalizações contra as distribuidoras inadimplentes com o programa.
Entre os produtores de biocombustíveis, havia a expectativa de que o julgamento colocasse um ponto final à judicialização do RenovaBio.
Mas Francisco Neves, presidente da Associação Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis (ANDC), que representa as empresas que mais têm litigado contra o programa, disse à reportagem que a decisão não impede que as distribuidoras continuem a buscar a Justiça.
“Qualquer que seja a decisão do Judiciário, nós respeitamos, mas exerceremos o direito de buscar recursos, seja no Judiciário ou no ambiente administrativo. Não vamos abrir mão desse preceito constitucional”, declarou.
Segundo ele, os questionamentos das distribuidoras na Justiça se voltam à aplicação da lei. O foco agora, disse, é fazer com que a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) regulamente a divulgação da lista de distribuidoras inadimplentes. Com a lista, os vendedores de combustíveis ficam proibidos de negociar com as empresas listadas.
As distribuidoras pleiteiam que a lista seja divulgada apenas a partir do ano que vem e após a ANP abrir processo sancionador contra as distribuidoras inadimplentes com as metas deste ano. O argumento é de que não poderia ser divulgada uma lista com punições retroativas à aprovação das novas regras.
Neves, da ANDC, disse ainda que as distribuidoras devem continuar questionando na Justiça a aplicação de algumas regras do RenovaBio, como a forma de comercialização dos CBios, a certificação das biomassas e a definição das metas anuais.
Apesar disso, o advogado especialista na área e professor da FGV, Leonardo Munhoz, avalia que o julgamento elimina algumas controvérsias, diferencia o RenovaBio do mercado de carbono, e dá mais segurança jurídica aos produtores de biocombustíveis.
“Levantou-se na ADI a questão de que não haveria proteção ambiental no RenovaBio porque o CBio não teria adicionalidade. Mas o RenovaBio nunca foi uma política de mercado de carbono. O RenovaBio é uma política de incentivo a biocombustíveis”, afirmou Munhoz.
Segundo ele, dada essa diferença, não haveria necessidade de o CBio garantir que as emissões de gases de efeito estufa de fato baixem no setor de transportes. Caso o RenovaBio fosse reconhecido como um mercado de carbono, o CBio teria que garantir a adicionalidade, ou seja, seu uso teria que implicar na redução direta das emissões.
Em sua avaliação, a decisão do STF diferencia o CBio dos créditos de carbono e, inclusive, não permite que os CBios se tornem fungíveis no mercado voluntário de carbono. “São títulos diferentes para serviços ecossistêmicos diferentes”, afirmou.
Munhoz disse ainda que a decisão do STF encerra as questões sobre a constitucionalidade do programa, mas reconheceu que “não impede que se questione a regulamentação”.
Ele observou, inclusive, que o excesso de litigância é uma característica das leis ambientais brasileiras. “Vimos isso com o Código Florestal, com a lei dos bioinsumos, com a lei dos agrotóxicos. Existe um processo no Brasil de judicialização de todas as políticas ambientais”, afirma.
Mesmo assim, ele disse acreditar que a decisão do STF “deve dar mais segurança jurídica aos produtores de biocombustíveis”.
Globo Rural| Camila Souza Ramos


