Um estudo realizado por pesquisadores da Embrapa Meio Ambiente e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), publicado na plataforma científica ScienceDirect, aponta que a adoção de duas tecnologias de captura de carbono pode reduzir a pegada de carbono do etanol brasileiro a níveis próximos de zero — ou até torná-lo negativo. A pesquisa avaliou o potencial da integração entre BECCS (Bioenergy with Carbon Capture and Storage), que captura o CO₂ emitido na produção de etanol e energia nas usinas de cana, e a aplicação de biocarvão (biochar) nos solos agrícolas, ampliando os benefícios ambientais previstos no programa RenovaBio.
Os pesquisadores analisaram separadamente a captura de carbono na fermentação do caldo, etapa que gera CO₂ de alta pureza, e na combustão do bagaço e da palha utilizados para vapor e eletricidade. Em ambos os processos há liberação de carbono que pode ser capturado e armazenado em formações rochosas subterrâneas não porosas, garantindo estocagem segura. “A fermentação se mostra a opção mais promissora, já que o CO₂ emitido nesse processo é relativamente puro e tecnicamente mais fácil de capturar”, afirmou a pesquisadora Nilza Patrícia Ramos, da Embrapa Meio Ambiente. Já a captura na combustão, embora capaz de gerar emissões negativas em larga escala, enfrenta custos significativamente mais altos e desafios de infraestrutura.
O estudo também avaliou o uso do biochar em lavouras de cana. Produzido a partir de biomassa vegetal submetida à pirólise — processo de aquecimento com pouco oxigênio que gera um material rico em carbono —, o biochar melhora propriedades físicas do solo e funciona como reservatório de carbono de longa duração.
Com base na metodologia do RenovaBio, os pesquisadores identificaram que a aplicação de BECCS na etapa de fermentação poderia reduzir a intensidade de carbono do etanol hidratado de 32,8 gCO₂e/MJ para 10,4 gCO₂e/MJ. Considerando apenas o uso de uma tonelada de biochar por hectare nos canaviais, o valor cairia para 15,9 gCO₂e/MJ. Em cenários mais ambiciosos, com captura de carbono também durante a combustão da biomassa, seria possível atingir emissões negativas, chegando a -81,3 gCO₂e/MJ, segundo Lucas Pereira, pesquisador da equipe de avaliação de ciclo de vida da Embrapa Meio Ambiente.
A pesquisa estima ainda que a adoção combinada de BECCS (na fermentação e na combustão) e biochar em todas as usinas certificadas pelo RenovaBio poderia gerar até 197 MtCO₂e em créditos de carbono — cerca de 12% das emissões totais do Brasil em 2022. O cenário mais viável, com BECCS aplicado apenas na fermentação, permitiria capturar aproximadamente 20 MtCO₂e por ano. A título de referência, o Brasil tem meta de reduzir suas emissões líquidas para 1.200 MtCO₂e até 2030.
O RenovaBio, criado em 2017, instituiu a comercialização dos CBios — créditos de descarbonização equivalentes a uma tonelada de carbono evitado — que são adquiridos por distribuidoras de combustíveis fósseis para compensar emissões. No entanto, nenhuma das mais de 300 usinas certificadas utiliza hoje BECCS ou biochar. Isso ocorre devido aos altos custos: enquanto CBios são negociados a cerca de US$ 20 por tonelada de CO₂, os custos estimados de BECCS variam de US$ 100 a US$ 200 por tonelada, e o biochar custa em média US$ 427 por tonelada.
O estudo também comparou emissões de veículos movidos a etanol, gasolina e eletricidade, com base em dados do Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular (PBEV) e do banco internacional ecoinvent. Mesmo sem tecnologias de emissão negativa, o etanol de cana já apresenta menor intensidade de carbono do que a gasolina. Com BECCS e biochar, essa diferença se amplia, e em determinados cenários o etanol pode alcançar desempenho ambiental comparável — ou superior — ao de veículos elétricos carregados com a matriz elétrica média brasileira.
Os pesquisadores defendem que políticas complementares, linhas de financiamento e o uso do mercado voluntário de carbono (VCM) serão essenciais para viabilizar projetos dessa natureza. Eles citam como exemplo os Estados Unidos, onde o crédito tributário 45Q remunera a captura de carbono em até US$ 180 por tonelada, valor muito mais atraente que os mecanismos atualmente disponíveis no Brasil. “O futuro do etanol dependerá menos da disponibilidade técnica e mais da capacidade de o Brasil articular incentivos econômicos que tornem o carbono negativo um ativo competitivo no mercado internacional”, conclui a Embrapa.


