O empresário Eike Batista, conhecido por sua ascensão meteórica no setor de commodities e posterior queda entre os maiores colapsos financeiros do Brasil contemporâneo, reapareceu no mercado em 2025 com uma nova iniciativa envolvendo o setor canavieiro e o setor de criptoativos.
Em 25 de fevereiro, durante evento fechado em um restaurante na zona sul do Rio de Janeiro, Eike apresentou o projeto Supercana, voltado à produção de etanol e biomassa a partir de uma variedade geneticamente modificada de cana-de-açúcar. No mesmo evento, foi anunciado o lançamento do token EIKE, vinculado ao projeto e operado na blockchain da Solana (SOL), com meta de captar US$ 100 milhões em uma oferta inicial de moedas (ICO) para viabilizar o segundo módulo da operação, cujo orçamento total é de US$ 600 milhões.
O projeto Supercana tem como base uma variedade de cana-de-açúcar desenvolvida pelos pesquisadores Luis Claudio Rubio e Sizuo Matsuoka, atualmente responsáveis pela empresa BRXe (Brazil Renewable X). Segundo o white paper do projeto, essa cana apresenta maior resistência à seca e pragas, e potencial de produção três vezes superior na geração de etanol e até doze vezes mais produtiva em biomassa quando comparada às variedades convencionais.
Como os bens de Eike permanecem bloqueados pela Justiça, ele não possui participação societária na BRXe e atua apenas como promotor da iniciativa, com direito a subscrição futura condicionada à performance.
O projeto foi dividido em dois módulos. O primeiro recebeu US$ 500 milhões em aportes tradicionais, com liderança de Mário Garnero (Brasilinvest), e participação do Abu Dhabi Investment Group (ADIG) e do fundo General Finance. Já o segundo módulo marcou a estreia de Eike no mercado de ativos digitais, por meio da emissão do token EIKE.
Tokenização e RWA no contexto sucroenergético
Apresentado como um RWS (Real World Sustainability Token), o token EIKE foi estruturado para representar digitalmente ativos ligados à produção de Supercana. No entanto, conforme alertado pela advogada especializada em tokenização Marcella Zorzo, em entrevista para a TradingView, o projeto carece de um contrato legalmente vinculante entre o token e os ativos da BRXe, o que compromete garantias legais para os investidores.
A ICO lançou 100 milhões de unidades do token EIKE ao preço de US$ 1 cada. Segundo relatório da Wesearch, assinado pelo analista Antonio Carlos Visentini, a pré-venda arrecadou aproximadamente 917,15 SOL (cerca de US$ 157 mil) — valor equivalente a apenas 1,57% da meta inicial.
A análise das transações na blockchain Solana revela que, das 2.014 carteiras envolvidas, apenas 10 concentraram mais de 50% dos recursos arrecadados. A maioria dos investidores contribuiu com menos de US$ 170, evidenciando forte dependência de pequenos aportes e ausência de grandes players institucionais, apesar das intenções declaradas.
Mesmo com desempenho limitado na pré-venda, o white paper apresenta projeções otimistas: valor de mercado totalmente diluído (FDV) de US$ 63 bilhões até 2028, com base em um EBITDA estimado de US$ 5,9 bilhões. A distribuição dos tokens foi definida da seguinte forma:
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10% para pré-venda (100 milhões)
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79% para fundadores e acionistas (com lock-up de 4 anos)
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10% em tesouraria
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1% para liquidez
De acordo com a Trading View, a estrutura prevê que, a partir de 2028, os detentores de tokens receberão airdrops mensais de USDC/SOL proporcionais à participação, com receita projetada de até US$ 8,14 por token até 2031.
Em 3 de abril, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) determinou a suspensão da negociação do token no Brasil, alegando que se tratava de uma oferta irregular de valores mobiliários. Empresas ligadas à BRXe e a Eike foram citadas na decisão, incluindo a EBX DIGITAL LLC e a BRXE GLOBAL HOLDINGS LLC.
A BRXe declarou que o token EIKE seria destinado exclusivamente à pré-venda internacional, bloqueando o acesso de residentes no Brasil ao site oficial.
Riscos Jurídicos e Regulatórios
De acordo com Marcella Zorzo, a ausência de contratos claros que vinculem o token aos lucros da BRXe, combinada com a promessa de retornos financeiros elevados, levanta preocupações sobre possível violação de leis brasileiras e internacionais. Além disso, a falta de procedimentos de verificação de identidade (KYC) e combate à lavagem de dinheiro agrava os riscos legais.
A advogada alertou, em entrevista ao TradingView, que o projeto compartilha características de esquemas fraudulentos anteriores no mercado cripto, e que, se os órgãos reguladores de outras jurisdições confirmarem a classificação como valor mobiliário, os responsáveis poderão responder por infrações civis e penais.