Mesmo com alta eficiência, a fermentação ainda é apontada como o grande desafio da indústria deste combustível, que busca
aumento de produção aliado ao baixo custo
Alisson Henrique
Com a assinatura da regulamentação do RenovaBio, programa criado pelo Ministério de Minas e Energia, o setor não só começa a visualizar a sua recuperação, como também se preparar para investimentos que deverão ser realizados para aumento da capacidade de produção de etanol. Afinal, a expectativa é de que o Brasil salte dos atuais 18 bilhões de l – expectativa 2018 – para a produção de 26 bilhões de l em 2022, chegando ao auge em
2030, produzindo 31 bilhões de l do combustível renovável.
Muito antes disso, na safra 2018/19, o setor já se prepara para um mix de produção maior de etanol do que de açúcar. No entanto, para chegar aos 31 bilhões de l há muito o que evoluir no quesito eficiência. A fermentação, apesar de atingir atualmente boa performance na maioria das unidades, ainda tem gargalos a serem resolvidos, de acordo com Jaime Finguerut, diretor do ITC (Instituto de Tecnologia Canavieira), pois os custos ainda são altos.
FERMENTAÇÃO + GAPS = CUSTO MAIOR
Mesmo com o rendimento aparentemente elevado, apenas 45% do peso do açúcar fornecido à fermentação é obtido como etanol, o restante, segundo Finguerut, é principalmente CO2 (gás carbônico), que praticamente não é utilizado e sim reciclado de volta à atmosfera. “Acredito que este CO2 possa ser ‘armazenado’ na atmosfera e servir para produzir cana, outras plantas e organismos fotossintéticos no futuro, isto porque, o tempo de residência médio do CO2 na atmosfera é de centenas de anos”, afirma.
Outras substâncias também são formadas na fermentação como, por exemplo, a massa de leveduras, cujo excesso pode ser separado e vendido. No entanto, nem todas usinas fazem isso. “Os outros subprodutos solúveis (glicerol e ácidos) acabam indo para a vinhaça e de lá (no solo) vão ser convertidos em CO2 ou biogás, que praticamente nenhuma usina fabrica para gerar mais bioeletricidade e/ou reduzir o consumo de diesel, sem grande influência na fertilidade do solo. Vale destacar que nossa fermentação ainda chega em teores alcoólicos muito baixos. Para se ter uma ideia, as melhores unidades têm médias em torno de 10%, enquanto que a maioria das instalações de etanol de milho, por exemplo, tem teores acima de 16%. ”
Este baixo teor alcoólico, segundo Finguerut, leva à um volume elevado de vinhaça para ser transportado de volta à lavoura ou um investimento grande para fazer a sua evaporação antes da disposição final. Os baixos teores se devem ao fato das usinas reciclarem a levedura do final de um ciclo de fermentação para o início do outro. Com isso, a população de leveduras tem de estar viva e ativa ao fim da fermentação, o que, por um lado, confere robustez e adaptabilidade à população de fermento, pois só as adaptadas sobrevivem e são recicladas. Todavia, limita o teor alcoólico final que, se muito elevado, mata o fermento.
No aspecto produtividade a fermentação brasileira é campeã mundial. No entanto, a alta produtividade também tem os seus custos, principalmente o do controle da temperatura, pois muito etanol por hora e por unidade de volume de dorna faz com que a liberação de calor seja muito alta, o que implica em gastar com bombas para circulação do vinho e em trocadores de calor, e gastar para fornecer grandes quantidades de água com uma temperatura compatível com a temperatura de fermentação.
“Embora esta água seja usada em cascata, o seu bombeamento utiliza energia em excesso e que poderia estar sendo vendida para rede. Há também muita liberação de CO2 por hora e por unidade de volume de dornas, portanto, há gastos no controle de espuma e perda de volume útil de dornas para dar espaço à espuma. Apesar de chegarmos a altas produtividades, temos de movimentar esta massa de centenas de toneladas, circulando-as pelas dornas, centrífugas e tanques de tratamento pelo menos duas vezes por dia, com custos relevantes,” explica.
Atualmente as centrifugas são a parte mais cara da instalação da fermentação porque necessitam de capacidade operacional adequada, que é definida pela quantidade de fermento – elevada – e pelo teor alcoólico final do vinho, que é baixo.“Todo este fermento tem de ser diluído e tratado com ácido e eventualmente com biocidas e antibióticos também com custos relevantes. Assim, vemos um balanço delicado entre produtividade, rendimento, robustez, teor alcoólico e os custos correspondentes”, adiciona o diretor do ITC.
Paulo Domingos Pinto Junior, sócio-diretor da Sucrana, empresa de elaboração de projetos técnicos de engenharia e consultoria para indústrias do setor sucroenergético, explica que operar com teores alcoólicos entre 7,5% e 9% ao invés de 10% a 12% é um dos grandes gaps da indústria atualmente.
LONGA ESTRADA
Mesmo com uma eficiência elevada, para se reduzir os custos e aumentar o faturamento há muito o que fazer. Primeiro, pontua Finguerut, é preciso aumentar o teor alcoólico ao máximo possível. Para isso é preciso fornecer um mosto contendo mais açúcar do que se faz hoje em dia – o que pode implicar em evaporar mais caldo ou usar uma proporção maior de melaço – e, além disso, como a população de leveduras irá trabalhar no seu limite fisiológico, muito mais controles automáticos e laboratoriais têm de ser aplicados.
“A produção tem de ser mais planejada, evitando-se paradas ou alterações bruscas de mix de produção. É preciso muito mais previsão do que correção de problemas. Temos de ter menos flexibilidade e mais controles em torno de um ponto ótimo e este ponto é definido pela capacidade do fermento. Os ótimos em geral se dão próximos do limite fisiológico, portanto, a perda total do fermento fica mais próxima, mesmo com pequenos imprevistos. ”
O diretor da Sucrana revela algumas tecnologias que têm sido usadas para aumentar a eficiência na produção do etanol. “Podemos destacar a utilização de leveduras selecionadas, processos fermentativos bem dimensionados e projetados sem ‘pontos mortos’, com sistemas de refrigeração adequados, centrífugas com capacidade e tecnologia para obter concentração próxima aos 70%. “Hoje já existem sistemas de monitoramento e controle automáticos que podem auxiliar muito as decisões dos supervisores de operação. Num nível mais micro, novos fermentos, sejam selecionados na própria usina ou com uma otimização metabólica – com o uso de ferramentas de transformação genética – trazem uma grande possibilidade de ganhos.”
Além disso, ele lembra da necessidade de trabalhar com equipe treinada e capacitada. “A soma de diversos fatores que propiciam o aumento de eficiência, principalmente na fermentação, onde atualmente as perdas são mais significativas.”
DESENVOLVIMENTO
Especialistas afirmam que hoje é preciso questionar os limites teóricos que balizam a produção de etanol. “Desperdiçar mais da metade dos açúcares é uma necessidade, uma limitação, não é mesmo? Mesmo que uma grande parte da energia do açúcar ainda fique nos produtos da fermentação, não podemos achar outros metabolismos e outras fisiologias ainda mais eficientes? Além disso, temos de ter tanto fermento dentro do nosso processo? Não poderíamos ‘turbinar’ nossos fermentos para que tenham mais capacidade e robustez para que assim possam ser usados em menores quantidades? A resistência do fermento ao teor alcoólico e à temperatura ficam como estão?”, questiona o diretor do ITC.
Segundo ele, esses assuntos precisam ser priorizados pelos acadêmicos e pelas startups. “Outros subprodutos importantes como o CO2 podem usados para geração de valor, porém ainda precisam de muita inovação. ”
MEDINDO A EFICIÊNCIA
Atualmente a eficiência da produção pode ser medida de diversas maneiras como através da informação da produção de litros de etanol por hectare, que hoje gira em torno de 6500-7000 l; por litros de etanol por tonelada de cana, com média, atualmente, de 80 l; através dos termos da eficiência industrial, ou seja, qual porcentagem dos açúcares da cana estão nos produtos (hoje com média de 85% para uma usina com um mix de 50% para etanol); e, finalmente, pela porcentagem – em massa ou em energia – daquilo que seria o máximo possível, com a base teórica atual. Hoje as usinas apresentam rendimentos fermentativos que variam de 88% a 92% em massa usando a equação de Gay-Lussac.
“Podemos também medir a eficiência de aproveitamento de tempo. Hoje temos em torno de 200 dias de operação normal por ano ou algo acima de 50%. Então, com exceção dos índices rendimento fermentativo e eficiência industrial, temos muito a melhorar. Mesmo rendimentos fermentativos altos podem melhorar (com aumento também na eficiência industrial). Em geral são investimentos muito atrativos, mesmo para aumentos de 1-2%. O desafio aqui é conseguir medir bem o ganho, que tem de ser maior do que a variabilidade natural do índice”, adiciona Finguerut.
Desde o Proálcool a produção de etanol evoluiu muito em função da necessidade de atender à demanda crescente com os incentivos disponíveis. Porém, pelo menos nos últimos anos, o país atingiu uma maturidade tecnológica caracterizada pela redução de custos e aumento da confiabilidade. Isso, somada à falta de incentivos e de crescimento de demanda, acabou gerando uma eficiência estagnada, quando não decrescente.
“Nos contentamos com as condições ainda caras de produção. O etanol de cana é muito eficiente como substituto da gasolina. Ele economiza muitas emissões para o mesmo transporte e assim é justo que se incentive o seu uso ao invés dos combustíveis fósseis, e é o que irá fazer o RenovaBio. As usinas terão uma nova receita que lhes permitirá investir mais em eficiência, o que por sua vez, num ciclo virtuoso, as levarão a ganhar ainda mais incentivos, reduzindo as suas emissões e aumentando a distância com a gasolina que se pretende substituir”, destaca Finguerut.
Além de ganhos de eficiência, a redução do uso de gasolina aumentará a demanda por etanol que, se atendida, gerará condições semelhantes à do Proálcool nos anos 70. “Raras vezes se viu tanto apoio à uma política pública como o RenovaBio, o que significa que os produtores e fornecedores sabem o que se aproxima. No entanto, investimentos maciços no aumento de capacidade ou em greenfields ainda dependerão de sinais mais claros sobre a implantação da política e da melhoria do ambiente de negócios no país.”
O diretor da Sucrana conta que analisando a trajetória do etanol no Brasil, pode-se destacar que um dos principais desafios sempre foi a falta de atenção das políticas públicas e que o RenovaBio pode ser uma solução. “Temos que acreditar no programa, principalmente por poder propiciar estabilidade ao mercado de etanol pela definição de uma matriz energética nacional e diminuir a dependência das unidades produtoras do mercado internacional de açúcar que tem uma volatilidade enorme. ”
Estudos feitos pelo Instituto de Tecnologia Canavieira constataram que aumentos de capacidade de etanol são mais atrativos com a implantação de novas tecnologias – ainda que com certo risco – do que em plantar mais cana ou até mesmo renovar, de forma significativa, o canavial com a tecnologia existente.