Segundo especialistas, realizando as manutenções especificadas pelas fabricantes e utilizando peças de qualidade, os custos operacionais são reduzidos e a disponibilidade fica assegurada
Alisson Henrique
Natália Cherubin
Depois de muitos anos aprendendo a lidar com a crise que atingiu em cheio as usinas, forçando-as a reduzir custos e investimentos, o setor sucroenergético entendeu a importância de se fazer uma manutenção bem feita a fim de estender a vida útil das máquinas, principalmente no que tange a frota de caminhões canavieiros, que representam uma grande parcela dos custos operacionais das usinas. Segundo dados, esses veículos correspondem hoje a 31% dos custos do CTT (Corte, Transbordo e Transporte), atrás apenas da colheita, responsável por 48%. Diante da importância da operação de transporte a RPAnews conversou com as principais marcas desses veículos com o objetivo de saber mais sobre como realizar as manutenções da melhor maneira possível e, é claro, focando na redução de custos.
O diretor de Operações e Originação da Biosev, Ricardo Lopes, explica que hoje o grupo conta com um plano de manutenção elaborado pela área corporativa responsável, mas com base nas recomendações dos fabricantes dos veículos e nos critérios de segurança veicular da companhia. A empresa utiliza um sistema de gestão ERP, sigla em inglês para Planejamento dos Recursos da Empresa, que monitora a totalidade de sua frota e fornece informações diárias para as intervenções preventivas.
Ainda é na entressafra que se concentram as manutenções mais pesadas. No entanto, é uma tendência cada vez maior, também para a frota de caminhões, que as grandes intervenções não ocorram mais somente durante o período de recesso. “Algumas usinas estão realizando estudos para diluir essas manutenções durante o período de safra. Isso exige um nível alto de maturidade e planejamento dos reparos e contribui positivamente no fluxo de caixa, uma vez que na entressafra não há produção e um número alto de efetivos em férias”, revela Leandro Lamanna, representante de Serviços Off Road da Scania no Brasil.
Em geral, conta Rogério Sousa, gerente de Assistência Técnica de Caminhões da Mercedes-Benz do Brasil, as manutenções dos caminhões de transporte e apoio acontecem em momentos distintos. “Em função dos caminhões de apoio rodarem menos e apresentarem baixas quilometragens as manutenções são realizadas considerando tempo de operação. Já as manutenções nos caminhões que realizam o transporte de cana são realizadas normalmente com base na quilometragem percorrida, sempre de acordo com o plano de manutenção do fabricante.”
SEGUINDO ETAPAS
Conjunto de cuidados técnicos indispensáveis ao funcionamento regular e permanente de máquinas, equipamentos, ferramentas e instalações, as manutenções requerem um plano bem elaborado para que possam ser realizadas da maneira mais adequada. Esses cuidados envolvem conservação, adequação, restauração, substituição e prevenção. “De modo geral, a manutenção de caminhões tem como objetivo manter estes veículos em condições de pleno funcionamento para garantir a produção e a qualidade do equipamento, prevenindo prováveis falhas ou quebras dos elementos. Alcançar esses objetivos requer inspeções e manutenções diárias em serviços de rotina e de reparos periódicos programados”, explica Lamanna.
A manutenção ideal de caminhões é aquela que permite alta disponibilidade para a produção durante todo o tempo em que estiver em serviço e a um custo equilibrado. Afinal, as paradas para reparo são uma preocupação constante porque interferem na programação da produção.
O representante de Serviços Off Road da Scania no Brasil destaca a importância da organização na hora de programar a manutenção. “O primeiro passo é fazer um levantamento de todos os caminhões em funcionamento com histórico de troca de peças e a quantidade de atividades que já foram feitas. Isso traz um parâmetro do estado de cada item e ajuda a definir inicialmente as prioridades dos chamados técnicos e onde avaliar os possíveis problemas. Informações dos últimos 12 meses também são essenciais para definir quais os veículos receberão os primeiros atendimentos e com base nessas informações, aperfeiçoar o plano de manutenção, utilizando também o manual do fabricante.”
O segundo passo, segundo Lamanna, é dimensionar a equipe de manutenção e avaliar se ela está capacitada para execução das atividades. O terceiro passo é identificar os materiais necessários para reposição como peças, lubrificantes e graxas, reforçando o estoque. Somente no quarto passo inicia-se o planejamento, ou seja, é realizado um cronograma semanal das paradas, ou seja, a usina saberá quando, quantos e o tempo em que cada caminhão ficará em manutenção.
“Em quinto deve-se fazer o acompanhamento de cada manutenção, pois controlar cada atividade é fundamental para que a execução seja feita de forma correta. Defina um padrão de relatório com cada check list, horários de chegada e de saída do local e estabeleça um nível mínimo de qualidade. O sexto e último passo serve para estabelecer indicadores para melhoria dos processos e da disponibilidade”, acrescenta.
Expedito Floriano Alves, gerente da Japungu Agroindustrial, conta que o planejamento de manutenção da frota de caminhões utilizados na unidade, de aproximadamente 70 veículos, incluindo todas as atividades apoia-se em quatro pilares:
• Manutenção Preventiva: atuando sob forma de checklist, onde a frota para em intervalos pré-estabelecidos para a ação;
• Manutenção Preditiva: atua apenas nas distorções de parâmetros e de comportamento dos componentes (analises de óleo);
• Manutenção Sistêmica: é uma evolução da preventiva. Atua embasada no estudo da VUF (Vida Útil Física) dos principais componentes do veículo: cambio, redutores, embreagens, diferenciais, caixas de direção, boogies e sistemas de injeção. Uma vez vencida sua VUF, o componente é aberto para verificações, ajuste e possível troca preventiva de alguns elementos;
• Manutenção Corretiva: atua apenas na ocorrência da falência de alguns elementos como lâmpadas, relés, buzinas e outros que não impactem a dinâmica do veículo.
“Com essa filosofia de manutenção os intervalos de manutenção de entressafra, também conhecidos como ‘apontamento’, foram drasticamente reduzidos. Medida extremamente necessária em especial para a nossa organização, que só experimenta noventa dias de entressafra, tempo dispensado a manutenção pesada do maquinário. Lembrando que nesse parco intervalo ocorrem simultaneamente as atividades de plantio e irrigação”, destaca Alves.
De acordo com Luiz Nitsch, especialista em Motomecanização e diretor da Sigma Consultoria Automotiva, a alta disponibilidade mecânica dos caminhões depende de dois fatores: boa operação e manutenção. No campo da manutenção, ele afirma ser imperativa as ações periódicas da manutenção primária – trocas de óleo do motor, caixa de marchas, diferenciais, cubos planetários e fluido do cilindro mestre da embreagem, filtros e ajustes de folgas dos freios e embreagem, lubrificação pastosa etc – e da manutenção preventiva, com análises de lubrificantes líquidos por ocasião das trocas, análises do fluido de refrigeração do motor, que é composto de água desmineralizada mais aditivos e verificação visual de existência de detritos metálicos no óleo removido dos cubos planetários.
“A manutenção corretiva, quando ocorrem problemas de maneira súbita e imprevista, tem de ser rápida e eficaz, para que o caminhão volte ao trabalho, no menor tempo possível. É bom não esquecer que uma eficaz manutenção mecânica, pneumática, elétrica e eletrônica depende muito, além do conhecimento técnico do pessoal envolvido, da disponibilidade das peças e componentes de reposição. Por falar em eletrônica embarcada, atualmente, não são muitos os defeitos surgidos – os componentes eletrônicos atuais são confiáveis, entretanto, em caso de pane, somente um mecatrônico com equipamento de testes adequado consegue ‘matar um problema’ de maior complexidade”, detalha Nitsch.
Manter alta disponibilidade depende também da operação, na qual o correto treinamento do motorista é fundamental. Nitsch destaca que a boa interpretação das informações apresentadas no painel de instrumentos garante um perfeito controle de funcionamento dos sistemas do veículo. A habilidade e perícia no manejo da alavanca da caixa de marchas e do pedal da embreagem, vai proporcionar economia de combustível e longa vida útil dos agregados.
“Aquelas informações antigas que passavam de pai para filho, de tio para sobrinho, desembocaram em grandes transtornos para a manutenção mecânica e disponibilidade dos caminhões. As caixas de marchas de 12 e 14 velocidades demandam atividade cerebral e não intuitiva para manter o motor dentro de sua faixa de rotações de torque máximo todo o tempo, que é o cenário ideal. Nesse sentido, as fábricas, nos últimos dois anos, tem oferecido as caixas de marchas automatizadas, uma boa solução operacional para os motoristas, que agora só precisam se concentrar em controlar a direção, velocidade e frenagem do veículo”, adiciona.
Para o gerente de Assistência Técnica de Caminhões da Mercedes-Benz do Brasil hoje os maiores desgastes ocorrem por falhas operacionais, manutenções inadequadas e utilizações em situações extremamente severas. Adicionalmente, ele explica que é muito importante que a manutenção, principalmente dos freios, siga estritamente as recomendações do fabricante.
PARADA ESSENCIAL
A manutenção de entressafra é extremamente importante. Tem o foco de revitalizar o equipamento, passando por uma revisão geral, substituindo um número grande de peças desgastadas e prevendo alguns itens que possam falhar na próxima safra.
Para Sousa, as manutenções realizadas na entressafra asseguram maior disponibilidade dos caminhões no período de safra. “Para se ter uma boa manutenção é necessário que o veículo passe por inspeções regulares, onde os quesitos de desgastes, inerentes a cada aplicação, sejam devidamente verificados e o plano de manutenção do fabricante seja seguido.”
Marcelo Mortari, representante de Pós-Venda Volvo, também concorda que a manutenção da entressafra é fundamental, pois permite realizar uma avaliação do veículo como um todo, em itens corretivos e preventivos. Isso garante mais disponibilidade do caminhão na safra. Para caminhões Volvo aconselha-se que se façam manutenções em intervalos de 15 mil km. “Nestas paradas é realizada a troca de óleo do motor. Aproveitando o veículo parado, os técnicos da concessionária realizam uma inspeção gratuita em mais de 60 itens do veículo para detectar os que apresentam desgaste ou danos para as devidas trocas.”
REDUZINDO CUSTOS
Hoje os grandes grupos têm como prática trocar seus caminhões em um período que varia entre quatro, cinco e dez anos. Tudo depende da atividade na qual o veículo está sendo usado. Só para se ter uma ideia, a idade média aproximada dos caminhões hoje nas unidades, segundo dados da RPA Consultoria é de 3,7 anos para caminhões canavieiros (transporte de cana), 5 anos para caminhões-comboio, 10 anos para caminhões-bombeiro e 7 anos para caminhões-basculantes.
Segundo especialistas, fazer o acompanhamento dos custos de manutenção é fundamental para saber quando é a hora de trocar os caminhões, pois após o quinto ano este custo aumenta e a produtividade diminui. Sendo assim, a manutenção funciona como um ponto de equilíbrio entre gasto e disponibilidade. “Mantendo as manutenções especificadas pelos fabricantes, utilizando peças de qualidade e fluidos homologados, os custos operacionais são reduzidos e a disponibilidade fica assegurada. A disponibilidade de um equipamento com boa manutenção varia de acordo com a severidade da aplicação e a idade do veículo, podendo ultrapassar 98% de disponibilidade”, afirma Sousa, gerente de Assistência Técnica de Caminhões da Mercedes-Benz do Brasil.
Além de seguir as manutenções especificadas pelos fabricantes, todas as empresas dizem ser fundamental a utilização de peça de reposição genuína, além dos fluidos homologados. Em média, segundo o representante de Serviços Off Road da Scania no Brasil, os caminhões canavieiros apresentam uma disponibilidade de 90% nos primeiros anos. “Já no segundo esse número tende a cair para 88%, enquanto no terceiro normalmente chega a registrar 86%. Uma boa disponibilidade seria em torno de 94% no primeiro ano, 92% no segundo e 90% no terceiro. Alguns de nossos clientes conseguem atingir até 95%.”
Na Biosev a disponibilidade mecânica dos caminhões está numa média de 89%. A meta da empresa é chegar os 92%. Isso se dá com por conta da constante evolução da qualificação de sua mão de obra operacional. “O fator que mais desgasta os veículos é a própria severidade do regime de operação durante a safra (por conta do tempo de trabalho ininterrupto), associado ao trajeto em terreno em sua maior parte de terra (mais acidentado). Na Biosev priorizamos a manutenção preventiva, que garante menores custos de manutenção e maior confiabilidade”, conclui o diretor de Operações e Originação da empresa.