O presidente Lula tem repetido que a Petrobras nunca deveria ter saído do varejo. “Quando mantinha sua rede própria de postos, a estatal fazia frente às distribuidoras, equilibrava o jogo e ajudava a proteger o consumidor em um mercado historicamente concentrado.”
Com a venda dessa rede, afirma o governo, o consumidor passou a lidar com uma caixa-preta: vê o preço na bomba, mas não enxerga claramente como ele se forma. O governo anterior criou a placa de transparência, presente em todos os postos, que mostra tributos, biocombustíveis e a margem estimada da revenda. Contudo, por motivos concorrenciais, essa placa deixou de fora o preço praticado pela distribuidora — e ouso dizer que poucos consumidores de fato se interessam por ela.
Agora, o futuro ministro Guilherme Boulos apresenta projeto que propõe ampliar essa informação, discriminando nas notas fiscais todos os componentes do preço, incluindo margens de distribuição e revenda. Uma medida que pode alterar de forma estrutural e concorrencial na dinâmica do setor.
Olhar sereno e profissional
• Para o consumidor, a transparência traz confiança e poder de escolha.
• Para as distribuidoras, pode reforçar credibilidade, desde que bem regulada, pois os investimentos no mercado são volumosos e distintos entre elas.
• Para os postos, é chance de mostrar que a margem cobre custos, riscos e obrigações de um negócio regulado, e não apenas “lucro líquido”, embora esta forma como proposta represente mais um constrangimento enorme ao empresário.
O setor de combustíveis convive com variáveis complexas: preço internacional, logística, carga tributária elevada e diferenças regionais. Nenhuma medida isolada resolve tudo de forma a fortalecer o mercado e beneficiar todos os elos da cadeia.
Existe, no entanto, um paradoxo. O segmento muitas vezes busca exaustivamente a chancela do governo para aprovar grandes operações disruptivas que redesenham leis e a estrutura concorrencial — como distribuidoras adquirindo redes de postos e os maiores TRRs do país. Mas, ao mesmo tempo, reage com veemência quando o governo ensaia intervir de forma atabalhoada na sistemática do importante sigilo concorrencial entre competidores mexendo nos preços finais. É uma contradição que precisa ser encarada com maturidade, sob risco de enfraquecer a defesa da concorrência verdadeira.
E há um detalhe essencial: quem está na linha de frente, o posto revendedor, muitas vezes carrega o constrangimento de explicar ao cliente um preço que não define sozinho. Dar clareza ao consumidor pode significar também aliviar esse peso e mostrar como cada parte da cadeia participa da formação do preço.
No fim das contas, confiança é o combustível que move empresas, consumidores e o próprio mercado. E equilíbrio é o que sustenta a concorrência saudável, sem breu nem excesso de intervenção.
*Wladimir Eustáquio Costa é CEO da Suporte Postos, especialista em mercados internacionais de combustíveis, conselheiro e interventor nomeado pelo CADE, com foco em governança e estratégia no setor downstream.