Embora faltem dois meses para o fim da moagem da safra, agentes preveem oferta até 2 milhões de toneladas menor que estimativas
As usinas de cana-de-açúcar do Centro-Sul “viraram a chave” de suas indústrias de forma generalizada neste mês, passando a priorizar a produção de etanol e a reduzir a produção de açúcar. Com isso, elas reverteram a preferência que marcou os últimos quatro anos do segmento.
A mudança deve limitar a oferta de açúcar esperada para esta safra 2025/26 e aumentar a oferta de etanol para garantir o abastecimento na entressafra.
Estimativas de agentes do mercado ouvidos pelo Globo Rural na última semana indicam que a produção de açúcar da região deve ficar entre 800 mil toneladas a 2 milhões de toneladas abaixo das últimas estimativas, aproximando-se de 40 milhões de toneladas. Com isso, a produção de etanol pode ser de 500 milhões de litros a 1,4 bilhão de litros maior que as últimas projeções.
A migração do mix de produção já vinha ocorrendo de forma pontual nos últimos meses, mas ganhou corpo em outubro, quase um mês após o etanol ficar consistentemente mais remunerador que o açúcar até para as usinas de São Paulo, que costumam apostar mais no açúcar pela proximidade com os portos.
“Tem uma inércia no setor. Muitas usinas levam um tempo para processar. É preciso que a vantagem fique a favor de um [dos produtos] por um bom tempo [para estimular a mudança]” avaliou Mauro Angelo, CEO da Alvean, trading da Copersucar.
Um levantamento da consultoria Pecege, de Piracicaba (SP), com um grupo de usinas obtido pelo Globo Rural indica que a semana encerrada 19 de agosto foi o ápice da aposta da amostra das usinas em açúcar, com 63,3% do caldo de cana voltado à commodity. O percentual começou a cair modestamente nas semanas seguintes e teve um tombo em 23 de setembro, caindo a 57,9% na semana até 30 de setembro.
Uma das empresas que começou a mudar seu mix ainda em agosto foi a chinesa Cofco. Com 17 milhões de toneladas de cana a serem moídas nesta safra, a companhia passou a apostar mais no etanol no mesmo mês em que a mistura de 30% do etanol na gasolina entrou em vigor.
“Já em setembro, passamos a fazer o máximo de etanol possível”, relatou o diretor das usinas da Cofco International, Daniel Pagnani.
Agora, a empresa deve reduzir sua produção inicialmente esperada para esta safra em 100 mil toneladas, para 1,5 milhão de toneladas, aumentando sua produção de etanol em 65 milhões de litros, a 500 milhões de litros.
Outra que mudou seu mix em setembro foi a São Martinho. Com projeção de moer 22,6 milhões de toneladas neste ciclo, a companhia migrou seu mix de açúcar para fabricar o máximo de etanol possível na segunda quinzena de setembro, segundo Fábio Venturelli, CEO da São Martinho.
“Em setembro, houve uma inversão entre o mercado de etanol e o de açúcar, e tínhamos algum espaço de decisão de volume que poderíamos arbitrar”, explica.
No fim de setembro, usinas de estados que oferecem incentivo fiscal ao etanol, no Centro-Oeste, também começaram a fazer esse movimento. E, no início de outubro, com a consolidação da vantagem do etanol, outras empresas seguiram o passo.
Foi o caso de boa parte das usinas associadas à Copersucar, da Raízen e da BP Bioenergy, apurou o Globo Rural. Procuradas, as companhias não comentaram.
Nas últimas semanas, cresceu inclusive o movimento de cancelamento de contratos de exportação de açúcar (washout). Desde julho, algumas usinas já vinham cancelando exportações de açúcar, mas de forma ocasional. Já nos últimos dez dias de setembro, os cancelamentos na Alvean ficaram entre 130 mil a 140 mil toneladas, segundo o CEO.
Desde o início da safra, todas as estimativas indicavam que as usinas fariam o máximo de açúcar possível, já que haviam feito investimentos na produção e os preços estavam mais remuneradores. Porém, com o passar dos meses, a produtividade da colheita de cana começou a decepcionar e os preços do açúcar começaram a ceder na bolsa de Nova York. A perspectiva das usinas era, portanto, produzir menos e a um preço menor.
Em julho, os contratos chegaram a 15,58 centavos de dólar a libra-peso, enquanto o etanol já oferecia uma remuneração equivalente a 15 centavos de dólar a libra-peso. Mas, naquela época, o dólar ainda estava acima de R$ 5,40, o que garantia uma remuneração melhor em reais.
O que começou a mudar o cenário foi a valorização do real – em dois meses, o dólar caiu 5%. “A mudança se deu porque o câmbio se apreciou e o etanol teve um ‘spike’ muito antes do esperado”, explicou Angelo.
A queda do açúcar foi tão vertiginosa que já não está cobrindo o custo de produção de muitas usinas. E isso mesmo em dólar, segundo Pagnani, da Cofco. “Para nós, que temos um balanço dolarizado, o preço em dólares não cobre o custo de produção”, afirma.
Já os preços do etanol hidratado em São Paulo começaram a subir na segunda metade de julho e, desde então, acumulam alta de 8%, segundo indicador Cepea/Esalq. Na última semana, até dia 3, o litro vendido pelas usinas estava 16% mais alto do que no mesmo período de 2024.
Outro fator que favorece a “virada alcooleira” neste fim de safra é o clima. As previsões indicam que outubro será mais chuvoso que a média, o que dilui a sacarose na cana. Para um executivo do setor, as usinas tendem naturalmente a fazer mais etanol nessa situação.
Mas há quem diga que não pretende mudar sua programação. É o caso da Tereos, que tem sete usinas no Brasil e vai encerrar a moagem no fim do mês, com pelo menos 15 dias de antecipação.
O CEO da Tereos no Brasil, o francês Pierre Santoul, disse que o mix de produção programado não sofrerá alterações porque “o jogo já está jogado”. “Nosso mix será de 78% para açúcar e 28% para etanol. No próximo ano podemos rever o percentual”, afirmou.
Globo Rural| Camila Souza Ramos
Com colaboração de Eliane Silva