Além de fazer uma análise da evolução dos custos de produção da cadeia sucroenergética com os mais recentes resultados, o autor aborda as perspectivas para o futuro do setor
*Haroldo José Torres da Silva
Um dos principais gargalos que os agentes do agronegócio brasileiro enfrentam cotidianamente é a ausência de informações gerenciais na sua propriedade, para planejamento, análise do fluxo de caixa e custos de produção. No entanto, a profissionalização do agronegócio exige que a propriedade agropecuária seja tratada, de fato, como um negócio. Isto é, exige-se do produtor uma visão administrativa e financeira da sua atividade.
O mundo dos negócios remete-nos à necessidade de compreensão dos objetivos, das atividades e dos resultados das empresas, bem como das condições e fatores que os influenciam. Este artigo pretende apresentar, numa primeira abordagem, uma análise histórica dos custos de produção do setor sucroenegético brasileiro, com os resultados mais recentes, além da evolução dos custos de produção e as perspectivas para o setor.
O “Levantamento de Custos de Produção de Cana-de-açúcar, Açúcar, Etanol e Bioeletricidade” é realizado pelo Pecege (Programa de Educação Continuada em Economia e Gestão de Empresas) em parceria com a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil). Organizado desde a safra 2007/08, o levantamento faz parte do projeto Campo Futuro, e já contou com o apoio de quase três centenas de agentes do setor, entre usinas, associações de fornecedores de cana-de-açúcar, sindicatos rurais, federações, fabricantes de equipamentos, centros de pesquisa e fornecedores de insumos. Atualmente, o projeto é referência na difusão de informações relacionadas a rentabilidade do setor sucroenergético.
Durante todo este período analisado, observou-se uma queda anual de 1,67% na produtividade média dos canaviais, entre as safras 2007/08 e 2015/16, na região “Tradicional” (SP e PR) do Brasil. Essa redução é fruto de adversidades climáticas e da mecanização agrícola. A colheita da cana-de-açúcar é realizada totalmente por máquinas e o plantio mecanizado encontra-se em estágio avançado, atingido patamares ao redor de 89% na safra 2015/16, com destaque para a região de “Expansão” (MG, GO, MS e MT). É importante notar que os custos associados ao maquinário se mostram expressivos, comparativamente aos custos com insumos, arrendamentos e mão de obra (Tabela 1).
O crescimento da moagem em relação à safra anterior advém da melhora obtida na produtividade agrícola, a qual passou de 76,45 t/ha na safra 2014/15 para 81 t/ha na safra 2015/16. O resultado foi um ganho de produtividade consolidado de 5,95%, o qual somado ao aumento de moagem, reduz o custo fixo de produção. Entretanto, é preciso pontuar que, mesmo com a recuperação deste indicador, a produtividade ainda se encontra abaixo da sua média histórica.
O custo total de produção de cana-de-açúcar, na região Tradicional do Brasil, aumentou 115,15% entre as safras 2007/08 e 2015/16. Isso se traduziu num aumento anual de 5,67%, durante o período de análise, quando mensurado em dólar. A moeda brasileira passa por um processo de desvalorização cambial, saltando de R$ 1,95/US$ na safra 2007/08 para R$ 3,34/US$ na 2015/16. Desta forma, há uma falsa impressão de aumento de competitividade na produção da matéria-prima quando os custos são expressos em dólar. Mas, na realidade, houve um aumento nominal dos custos de produção, expressos em reais.
Na última safra, houve uma redução na qualidade da matéria-prima entregue, parâmetro de referência para precificação da cana-de-açúcar (expresso em quilos de ATR por tonelada de cana-de-açúcar). As reduções das margens econômicas são explicadas em função de alguns fatores, tais como: produtividade agrícola abaixo do potencial, redução da quantidade de ATR, contida na matéria-prima entregue na unidade de processamento (reduzindo-se de 134,87 kg para 132,82 kg por t de cana) e piora no preço do quilograma do ATR (R$/kg de ATR).
As últimas safras não apresentaram bons números para o setor sucroenergético brasileiro. Para muitas usinas, de 2013/14 até 2015/16, os resultados foram nulos ou negativos, com custos de produção acima dos preços de comercialização. Isto é, verificou-se um aumento dos custos nominais de produção e que não foram acompanhados pelos preços dos produtos (açúcar e etanol).
O levantamento do Pecege/CNA, cuja amostra representa cerca de 40% da moagem de cana-de-açúcar no Brasil, aponta para uma margem negativa de 5,32% na produção do açúcar VHP na safra 2015/16. Os preços médios de comercialização foram de US$ 273,79/t, ao passo que o custo total de produção foi de US$ 289,17/t (Figura 1). Constatou-se uma queda no preço do açúcar no mercado internacional desde a safra 2013/14, a qual contribuiu para o achatamento das margens na produção do açúcar VHP. No entanto, há uma tendência de reversão deste cenário, e, consequentemente do preço, baseada em menores níveis de produção e estoques globais do açúcar.
Os resultados para a safra 2015/16 poderiam ter sido melhores se o rendimento industrial tivesse acompanhado os ganhos do campo. Mesmo assim, foi suficiente para conter os aumentos de matéria-prima, grupo com maior participação no custo agroindustrial. Na safra 2015/16, para a produção de açúcar VHP, a matéria-prima correspondeu a 67,56% do custo total nas usinas avaliadas, ante a 67,42% da safra anterior. Embora tenha se mantido estável nas últimas safras, o custo da matéria-prima apresenta maior variabilidade comparativamente aos custos industriais e de processamento.
Os preços dos produtos, tanto do açúcar VHP quanto do etanol hidratado, não foram suficientes para gerar remuneração, visto que não cobriram os custos de oportunidade da terra e do capital (juros sobre o capital próprio e financiamentos). E, em função dos constantes aumentos dos custos de produção, o setor não obteve margens positivas e sofreu com a deterioração das suas margens econômicas.
Já na produção do etanol hidratado, as usinas observaram margens positivas apenas na safra 2010/11. Configurou-se um cenário de aumentos contínuos dos custos de produção deste produto, ao passo que os preços de comercialização permaneceram estáveis em função da política governamental de manutenção dos preços da gasolina no mercado doméstico. Não obstante, os recentes movimentos no mercado internacional do petróleo, cujos preços estão deprimidos em função do excesso de oferta, colocam a margem e a rentabilidade da produção de etanol combustível no Brasil numa situação delicada e de alto risco.
Do total de cana-de-açúcar processada na safra 2015/16, 59,35% foi direcionada à produção de etanol. Houve uma tendência de redução na proporção de cana direcionada à fabricação de açúcar. Esse cenário com mix de produção mais alcooleiro fundamenta-se na necessidade de liquidez por parte das unidades produtoras com problemas financeiros e nas alterações que aconteceram no mercado doméstico de etanol combustível no Brasil.
Contatou-se então, um aumento sistemático dos custos de produção do setor sucroenergético brasileiro ao longo das últimas nove safras. Somam-se a este fato o declínio dos indicadores de produtividade agrícola, o baixo nível de renovação e o envelhecimento dos canaviais. Tratam-se de fatores que prejudicaram a cadeia de produção, que, atualmente, enfrenta uma severa deterioração da sua situação financeira.
PRODUTIVIDADE, COGERAÇÃO E CONTROLE DE CUSTOS
O elevado endividamento do setor tem coibido novos investimentos, o que culminou em canaviais velhos, rendimento agrícola abaixo do potencial e perda de valor dos ativos. A redução na taxa de renovação dos canaviais reflete a difícil situação financeira observada em parcela significativa das unidades produtoras e, apesar de ter seu impacto minimizado na última safra, deverá promover uma redução na disponibilidade de cana para colheita em algum momento nas próximas safras. Além da menor renovação e dispêndio reduzido nos tratos culturais da lavoura, a crise vivenciada pelo setor sucroenergético promoveu o fechamento de dez unidades produtoras na safra 2015/16. Essa tendência tem sido observada desde 2008, com um total de 67 empresas fechadas apenas na região Centro-Sul do país nesse período.
No entanto, o cenário atual aponta para uma leve melhora, na qual houve uma redução no ritmo de crescimento dos custos de produção e melhora nos preços de comercialização dos produtos. A produtividade agrícola, a cogeração de energia elétrica e o controle de custos devem ser as respostas para a recuperação do setor.
O volume de bagaço queimado para geração de energia permitiu às usinas comercializar o excedente para as distribuidoras (grid). Na última safra, a receita obtida com a comercialização da bioeletricidade foi de US$ 3,32/t de cana processada, valor que poderia cobrir cerca de 39,27% do custo industrial total. Neste sentido, as usinas que venderam eletricidade obtiveram receitas adicionais que contribuíram para suavizar a deterioração da atratividade e os resultados da produção de açúcar e etanol. Cabe destacar que, apesar da constante evolução, o potencial elétrico das usinas continua pouco aproveitado.
É importante perceber que o processo de recuperação do setor sucroenergético brasileiro, mais do que políticas públicas ou a definição clara de medidas regulatórias, perpassa por um processo de ajuste interno. Espera-se no curto prazo que a margem operacional comece a recuperar a capacidade de remuneração da atividade, entretanto, o elevado endividamento das usinas impedirá novos investimentos.
Há sinais de que a recuperação do setor sucroenergético está em curso, depois de sete anos seguidos de crise. No entanto, as agroindústrias ainda precisam equacionar as dificuldades de fluxo de caixa e de capital de giro. Soma-se ao desafio do controle e gestão dos custos de produção, o cenário macroeconômico brasileiro, em que pese um ambiente inflacionário e uma desvalorização cambial.
* Haroldo José Torres da Silva é economista e pesquisador do Pecege da Esalq/USP (Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo).
*Campo Futuro é um projeto promovido pela CNA que alia a capacitação do produtor rural à geração de informação para administração de riscos de preços, de custos e de produção na propriedade rural.