Edição 210
Boas práticas de gestão de pessoas na indústria
A indústria canavieira caminha, assim como outros segmentos industriais, ao encontro da era 4.0. Cada vez mais máquinas e menos pessoas comandam os processos de produção de etanol e açúcar dentro das usinas. Este cenário vem exigindo das organizações uma verdadeira revolução nos seus departamentos de RH. Afinal, a gestão de pessoas agora também precisa ser pensada no 4.0.
Mas, quais são as boas práticas que vêm sendo implementadas nas indústrias sucroenergéticas e trazendo bons resultados e melhorias de performance nos processos? A RPAnews conversou com especialistas e traz um pouco do que vem sendo adotado e quais são os desafios persistentes.
Administrar os recursos humanos e potencializar o desempenho de quem faz parte da agroindústria canavieira virou um grande diferencial competitivo. “A gestão não se trata apenas de procurar deixar seus colaboradores satisfeitos e motivados. Mas sim de criar uma estratégia completa que envolve toda a organização em busca do desenvolvimento, capacitação e humanização de quem faz parte da companhia”, explica Antonio Carlos Viesser, consultor da Viesser Consultoria & Treinamentos Industriais.
Sendo na área industrial ou não, de acordo com SBetânia Brito, supervisora de RH da Cooper-Rubi – usina com sede em Goiás – é preciso garantir a motivação dos colaboradores e a força coletiva; estimular o respeito à cultura organizacional e suas práxis; gerenciar situações de conflitos; e melhorar a comunicação interna e externa, favorecendo a priorização do coletivo.
“Se visitarmos uma usina em período de férias, veremos que é um emaranhado de tubos e equipamentos em silêncio. É somente após a chegada das pessoas que este ambiente passa a ter vida. As pessoas são a parte mais importante do conjunto homem, máquina e regras. Em vista disso, devemos desviar energia suficiente na administração desse patrimônio”, acrescenta Antonio Marcos Furco, diretor técnico da MFurco Engenharia.
CONHECIMENTO TÉCNICO + RELACIONAMENTO
Uma boa administração de pessoas estará intimamente ligada aos resultados, seja em produção, recuperação, custos ou até em nível de acidentes dentro da indústria.
“Muito além de um salário justo, as pessoas requerem atenção. Quando isso ocorre, notamos uma grande diferença nos resultados. As pessoas se tornam mais proativas para solucionar problemas antes mesmo de serem acionadas, tendem a defender mais os valores da empresa e despertam-se para o companheirismo da equipe, aliviando as obrigações de cada momento e de maneira natural”, comenta Furco.
Ainda de acordo com ele, se por um lado a informatização dos processos trouxe inúmeras vantagens, por outro distanciou as pessoas em todos os níveis. Aliado a isso, vem o sentimento de desatenção, principalmente das pessoas menos informatizadas. “Metas e cobranças diárias feitas pessoalmente e informalmente trazem a sensação de atenção e amizade. Metas e comunicação por vias eletrônicas muitas vezes são frias. Sendo assim, cabe aos comunicadores o cuidado de ‘aquecer’ essa relação com alguma mensagem adicional”, complementa.
Para a supervisora de RH da Cooper-Rubi, o que facilita ou dificulta as relações pessoais são o autoconhecimento e o melhor conhecimento sobre o outro. “Diante dessa premissa, os maiores erros evidenciados na gestão de pessoas estão na falha de comunicação; na dificuldade em priorizar, planejar e saber ouvir; na retenção de talentos fragilizada; e no fato do foco estar apenas nos resultados. ”
Mesmo com alguns erros, muitas empresas têm acertado a mão na gestão das pessoas da indústria. “O cenário atual tem melhorado muito por conta da compreensão da importância da gestão de pessoas. A busca da valorização humana nas organizações ainda é um caminho longo a ser trilhado. Uma empresa que deseja crescer sabe que a chave do sucesso reside no reconhecimento dos colaboradores, ou seja, na valorização do corpo humano”, afirma SBetânia.
José Darciso Rui, diretor executivo e fundador do Gerhai (Grupo de Estudos em Recursos Humanos na Agroindústria), concorda. Ele revela que as usinas têm evoluído muito na gestão de seus colaboradores, aplicando conceitos modernos de gestão, especialmente em Governança Corporativa, com a profissionalização nas esferas decisórias.
“Algumas tem mesclado a experiência e cultura familiar com a técnica e metodologia de profissionais do mercado que podem ser do setor ou de outras áreas da economia. Neste contexto, o Gerhai tem contribuído muito para este desenvolvimento com seus eventos e com o uso de modernos meios de comunicação, como é o nosso WhatsApp, uma ferramenta muito utilizada pelos nossos associados”, afirma.
SBetânia salienta que hoje o conhecimento técnico tem cedido lugar ao engajamento pessoal de quem sabe se relacionar. “Criar um ambiente onde as pessoas se sintam bem, seja no caráter interno ou externo, é o primeiro passo para melhorar a produtividade e alcançar as metas almejadas”, revela.
AUTOMOTIVAÇÃO, COMUNICAÇÃO E TRABALHO EM EQUIPE
Existem várias maneiras de fazer uma boa gestão de pessoas na rotina industrial. No entanto, de acordo com Viesser, é preciso estar atento a cinco pilares: a motivação, aos processos de comunicação, ao trabalho em equipe, ao conhecimento e competência, e treinamento/desenvolvimento. É importante ainda entender o que motiva uma pessoa. Podem ser incentivos financeiros, o propósito da empresa em si ou até mesmo um plano de carreira consistente.
“A motivação será o ponto de partida e combustível para os outros quatro pilares da gestão de pessoas, pois qualquer empresa depende do comprometimento individual de cada um. Um funcionário sem motivação rende muito menos do que é capaz e está sempre pronto para sair na primeira oportunidade. Esse não é o perfil de trabalhador que as empresas buscam hoje. Muito pelo contrário, a automotivação é um dos pontos essenciais buscados em processos seletivos”, adicona Viesser.
A comunicação é uma das principais engrenagens. Com ela bem alinhada todos os processos da gestão têm alta probabilidade de dar certo. “A boa comunicação é fundamental. Não só entre gestores e colaboradores do mesmo setor. A comunicação precisa ser integrada. A informação deve estar sempre disponível a todos quando for necessária”, destaca Viesser.
Ainda de acordo com ele, os administradores devem incentivar o diálogo, quebrando as barreiras hierárquicas e trabalhando em conjunto com todo o time. “Adote um software de comunicação interna, utilize as comunicações imediatas como telefone ou aplicativo de mensagens instantâneas. Promova agilidade no feedback – exigindo respostas em, no máximo, uma hora – e evite gargalos como, por exemplo, gerente intermediando conversa entre A x B”, exemplifica.
Como cada empresa é um organismo com um só objetivo, não faz sentido cada setor ou equipe ter os seus próprios objetivos se eles não possuem ligação com os demais. “Só conseguindo ver a importância do que todos estão realizando é que os funcionários se sentem relevantes dentro de um ambiente organizacional”, adiciona o consultor da Viesser Consultoria & Treinamentos Industriais. Por isso, mais importante do que dizer que se tem um bom ambiente, é promover iniciativas que fazem com que o trabalho em equipe seja natural e orgânico. Assim, ações simples podem trazem ótimos resultados.
“Esses resultados podem ser obtidos com a criação de grupos de trabalhos e reuniões de acompanhamentos semanais com todos os envolvidos. É fundamental também alguns momentos de diversão coletiva”, destaca Viesser.
CONHECIMENTO, COMPETÊNCIA, TREINAMENTO E DESENVOLVIMENTO
Por melhor que seja estruturado todo o sistema de uma unidade industrial, o sucesso não será possível se os colaboradores que atuam na área não tiverem conhecimento e competência para executar as suas tarefas. “Faz-se necessário um planejamento que busque montar a melhor equipe possível e criar um ambiente em que todos consigam crescer juntos. Esse é um processo seletivo e de construção de uma cultura de valores fortes,” explica Viesser.
Para que isso aconteça, ele conta que o ideal é manter as práticas de gestão por competências – identificando os pontos fortes e as oportunidades de melhoria dos profissionais – e de feedback, que permite estar sempre dando retorno sobre cada ação dos membros da equipe. “Pratique a avaliação de desempenho baseada em competências (defina as principais). Realize um processo seletivo rigoroso e transparente.”
O último item é o treinamento e desenvolvimento. Afinal, quem fica parado acaba ficando para trás. E isso vale não só para a gestão da empresa como também para desenvolvimento de cada funcionário.
“Faz-se necessário um planejamento que busque montar a melhor equipe possível e criar um ambiente em que todos consigam crescer juntos. Esse é um processo seletivo e de construção de uma cultura de valores fortes,” explica Viesser.
“O treinamento e a busca pelo desenvolvimento devem ser constantes, partindo conjuntamente da empresa e de cada um dos trabalhadores. O mais importante é atingir um ponto de equilíbrio em que a empresa e o profissional estejam satisfeitos com o resultado da troca”, relata.
Uma das táticas é identificar quais os treinamentos mais desejados. Isso, explica Viesser, pode se dar com uma simples pesquisa entre os colaboradores. “Realize um processo contínuo de treinamento e desenvolvimento, sabendo o que é mais importante. Para isso, utilize uma planilha de controle de treinamento e desenvolvimento. Lembre-se de que os treinamentos podem ser feitos por alguém da sua equipe, por algum parceiro ou até mesmo contratando uma empresa para dar um treinamento in company”, complementa.
DESAFIOS NA ERA DA INDÚSTRIA 4.0
Como o RH é a área que cuida do capital humano das organizações, o departamento dentro das unidades também precisará se posicionar de forma a acompanhar as mudanças que serão trazidas ao passo que a era 4.0 evoluir dentro das usinas, fazendo com que a forma de pensar dos colaboradores também seja percebida, preparada e acolhida durante todo esse processo.
Segundo artigo de Isabela Holanda, gerente da Fortes Informática, o setor de RH precisará colocar em prática uma gestão mais inteligente também, além de ter capital humano flexível o bastante para lidar com as tecnologias. Para isso, é preciso haver uma união entre diversas áreas: processos, produção, estratégia, TI e RH.
“As ações de RH precisarão cada vez mais apresentar um posicionamento claro e assertivo. Isto é, deverá participar ativamente da gestão estratégica da indústria com metas e ações alinhadas com os objetivos de negócios. Assim, como no processo de produção, o desenvolvimento de pessoas precisa se tornar automatizado e descentralizado, a análise de dados mais rápida e com dados coesos e estratégicos”, afirma em artigo.
Ainda de acordo com ela, entender e discutir sobre o RH na indústria 4.0 é essencial para manter e disseminar boas ações de gestão de pessoas. “Aproveitar o tempo das pessoas para capacitá-las é uma das tendências. E não só isso, o processo de capacitação de colaboradores também tem sido moldado com toda essa dinâmica de rapidez e conhecimento. Apresentar sentido no que se aprende, trazer o conteúdo para uma vivência prática, conseguir melhorar os processos e tudo isso ao alcance de todos, também têm sido desafios importantes para área”, destaca.
Uma das ações que tem preenchido esse gap, segundo Isabela, é o investimento em e-learning, cada vez mais presente e essencial para o sucesso das empresas. “Não adianta manter práticas obsoletas, continuar acreditando que os talentos vão chegar à empresa e permanecer nela por muitos anos.”
Para os gestores de RH, Isabela afirma que a principal mudança está relacionada às competências dos profissionais que vão trabalhar na indústria inteligente. Será preciso dar um resignificado ao termo “Chão de Fábrica” ou setor operacional. Em vez de colaboradores conhecedores apenas do seu processo na fábrica, será necessário buscar e desenvolver pessoas com formação técnica em operação e desenvolvimento de sistemas, softwares e máquinas cada vez mais automatizados.
Para o diretor-executivo do Gerhai, os desafios da indústria 4.0 são semelhantes aos da fase de automação industrial e expansão da mecanização agrícola dentro do setor canavieiro. Ou seja, adequar os colaboradores para exercer novas funções dentro da organização ou prepara-los para o mercado de trabalho de uma forma a mitigar os problemas que poderão surgir neste contexto.
“Para isso será muito importante e relevante que a área de Gestão de Pessoas seja eficiente e eficaz, com conhecimento técnico e teórico de processos para orientar e criar ferramentas de evolução dos profissionais envolvidos no processo por completo”, destaca.
As companhias do setor sucroenergético vêm adotando, há um tempo, políticas e ferramentas de gestão para reter, motivar e atrair talentos e obter resultados positivos na parte de produção, qualidade e, consequentemente, financeira para as empresas. “Projetos como avaliação de desempenho em competências, desenvolvimento de lideranças, estratégia de remuneração, políticas de carreira, benefícios quantificáveis, política de comunicação, relacionamento com seus ‘stakeholders‘, entre outros, tem surtido grandes efeitos neste contexto”, conta o diretor-executivo do Gerhai.
A supervisora de RH da Cooper-Rubi acredita que as empresas ainda estão percebendo o alto valor humano que possuem e que, para conseguirem cumprir essa tarefa, alguns desafios precisam ser enfrentados, tais como: identificação e retenção de talentos; motivação dos funcionários; capacitação permanente das equipes; engajamento dos colaboradores; e manutenção do clima organizacional.
Já é consenso entre os especialistas que o gestor precisa ser pensado como peça central no bom funcionamento de uma organização para que sua função seja exercida de forma eficaz e em sintonia com toda a equipe. Um gestor está na dianteira de um trabalho complexo que exige orquestrar os interesses da equipe para a manutenção do padrão de produtividade na empresa, mas tão importante quanto, é sua função de liderança na busca por uma relação saudável entre colaboradores.
“Equilibrar os papéis em um plano de gestão não é simples. Isso exige muita dedicação. Hoje, vários tipos de gestor, com personalidades completamente diferentes, podem ser encontrados nas organizações. Isso, em qualquer área. Muitas vezes esses estão exercendo suas atividades sem a consciência de que poderiam fazer um trabalho mais adequado ao ambiente em que atuam. Daí a necessidade de focar numa preparação ideal para esses profissionais”, conclui Viesser.
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