Agrícola
Cana de ano X cana de ano meio: qual a melhor opção?
Com auxilio da irrigação, o planejamento do plantio de cana se torna muito mais flexível e rentável para o produtor
*Por Natália Cherubin
A instabilidade climática, com períodos cada vez mais longos de estiagem, que o setor canavieiro vem enfrentando nos últimos anos, vem colocando em risco não só os planejamentos de plantio de cana-de-açúcar de produtores e usinas do Centro-Sul do Brasil, como também impactando nas produtividades dos canaviais.
A janela de plantio de cana-de-açúcar no Brasil ocorre em três épocas do ano, com plantios de cana de ano e meio, ou 18 meses (plantada entre fevereiro e abril/maio), cana de inverno (plantada entre junho e agosto) e a cana de ano (plantada entre setembro e outubro/novembro).
Dados do IAC sobre plantio de cana-de-açúcar referentes a safra 2022/23 mostram que a cana de 18 meses ainda é a mais plantada pelo setor canavieiro, representando 69,8% das áreas para essa safra. Já 28,3% foram plantadas no inverno e apenas 8,8% das áreas colhidas serão de cana de ano nesta safra.
De acordo com Ricardo Pinto, engenheiro Agrícola e CEO da RPA Consultoria, na média das safras, quase 70% dos canaviais do Centro-Sul são plantados com cana de ano e meio por conta das maiores produtividades que esse canavial atinge, já que o plantio é realizado em um período ainda chuvoso.
“A chamada cana de 18 meses é colhida geralmente antes, com cerca de 15 meses, e seu primeiro corte em sequeiro chega a uma média de 112 a 115 t/ha, com um custo de plantio próximo a R$ 12 mil reais por hectare. Já a cana de inverno, chega a atingir médias de 96 t/ha e a cana de ano tem menor adesão porque atinge menores produtividades no sequeiro, com média de 89 t/ha, porque, mesmo que ela pegue as primeiras chuvas do final de ano, a planta ainda está pequena e não consegue trazer o rendimento da cana de ano e meio”, explica.
Para o engenheiro agrônomo e especialista da Netafim, Daniel Pedroso, as canas de ano e meio aproveitam o final do período úmido e, por se devolverem nos períodos frios e com baixa pluviometria, atingem produtividades satisfatórias, um bom ATR e dão condições de operacionalização do processo de colheita, já que são colhidas 18 meses após o plantio, ou seja, no segundo semestre.
No entanto, demoram mais para dar o retorno financeiro, que fica para a próxima safra. “Já canaviais de ano são plantados no início da estação úmida, entre setembro e novembro, sendo colhidos nessa mesma época, após 12 meses ou um pouco mais cedo, entre 11 e 11,5 meses, podem ser colhidas visando evitar problemas com chuvas na colheita. Esse método é interessante, pois o retorno financeiro já ocorre dentro da mesma safra”, explica.
Além disso, de acordo com especialistas, a cana de ano permite aumento do volume de cana para o próximo ano, melhor utilização do solo, com melhor aproveitamento da adubação realizada no ano anterior, permite o plantio de muda para o próximo plantio de 18 meses e inverno, diminuindo assim o km de transporte de muda, reduzindo custos, e permite o sistema de meiosi, utilizando uma cultura intercalar que trará receita imediata. O plantio de ano ainda pode acelerar a multiplicação de novas variedades, pois dependendo da região o plantio de ano pode ser multiplicado no plantio de 18 meses e/ou de inverno com o uso de MPB.
Cana de ano com irrigação se torna boa opção
O planejamento do plantio de cana é feito considerando fatores como a previsão das chuvas na safra – o que tem sido cada vez mais difícil nos últimos anos – além da época de necessidade da matéria-prima na indústria, do ATR que terá essa cana e da possibilidade ou não de irrigação.
Segundo Pedroso, a escolha de se plantar canaviais de ano é determinada pela necessidade de um rápido retorno do investimento. As canas de ano e meio darão o primeiro retorno somente após os 18 meses. Já nos canaviais de ano, o retorno é em 12 meses, o que é muito mais interessante para o fluxo de caixa das companhias. Mas essa decisão também deve ser fundamentada considerando a necessidade de irrigar este canavial, principalmente no final do seu ciclo.
“Essa modalidade de plantio não é muito utilizada, pois plantios de ano geralmente levam a colheita nos meses chuvosos, o que pode levar a altas perdas de produtividade, devido ao arranquio de touceiras e compactação do solo. E a colheita de canas com ciclos menores de 12 meses levam a canaviais com redução de produtividade, pois a planta não completou o seu ciclo. Além disso, o canavial pode sofrer com déficit hídrico no final do ciclo, devido à dificuldade que muito produtores e usinas tem em irrigar canaviais grandes”, afirma Pedroso.
Para Ricardo, se as usinas hoje optam pelo plantio de 18 meses devido aos custos versus a baixa produtividade da cana de ano, com uso da irrigação é possível mudar essa equação.
“O uso da irrigação traz aumento da produtividade do canavial e se essa for não só uma irrigação de salvamento e sim uma irrigação plena, com adubação agregada, como é o padrão da CIAPs (Canaviais Irrigados de Altíssima Produtividade), aí toda a conta tem que ser refeita, porque a viabilidade vai mudar. Inclusive, poderíamos ter uma cana de começo de safra, de ano e meio, com produtividade maior sendo colhida com 12 a 13 meses”, explica o consultor.
As canas de ano também podem ser colhidas antes, ou seja, se a irrigação trouxer uma TCH muito maior do que se tem no canavial de sequeiro, todos estes cálculos de quantos porcento a usina vai plantar de cada tipo poderão ser revistos.
“Inclusive, passa até a ser interessante a usina avaliar de fazer o plantio de cana de ano quase em área total, a fim de obter uma estrutura de plantio menor, revendo seu planejamento agrícola e programação de colheita com canaviais de primeiro corte não entrando necessariamente na mesma época, como são feitos hoje. Isso pode ser uma revolução. Mas, para isso. os canaviais nos primeiros cortes devem ganhar até 50% a mais de TCH, o que é possível e já é visto em diversas áreas”, adiciona.
Muitos irão questionar a questão do aumento do custo deste plantio, já que irrigar significa investimento. No entanto, de acordo com Ricardo, mesmo que os custos com tratos de cana plantam aumentem, se a produtividade superar os 50%, o sistema se paga, aumentando em muito a rentabilidade do canavial, do ponto de vista do produtor de cana, e reduzindo muito o custo da cana, do ponto de vista da cana própria das usinas.
Ao se observar as curvas de crescimento das plantas durante o ano, de acordo com Pedroso, o maior potencial de crescimento está nos meses de setembro até março. Após esse período, devido à baixa luminosidade, baixa radiação solar e baixa temperatura, há um decréscimo nesse potencial que voltará a aumentar somente em setembro. No entanto, há um período normal de estiagem entre os meses de abril a outubro, dificultando o plantio de cana nesse período.
“No entanto, com a irrigação, principalmente o sistema localizado por gotejamento, produtores e usinas poderiam fazer parte de seus canaviais entre os meses de agosto a setembro, aproveitando o maior potencial de crescimento da cultura e colhendo nos períodos secos, quando o ATR estará alto”, observa Pedroso.
Leia também: Irrigação por gotejamento em cana: qual é o payback?
Além disso, o uso dos sistemas de irrigação por gotejo nos períodos entre abril e agosto, quando não há chuvas, faz com que haja possibilidade de irrigar e adubar os canaviais elevando ainda mais o potencial de produção, ganhando ainda no valor do ATR e melhorando o planejamento de colheita da cana de sequeiro, que poderá ser colhido nos meses corretos, do início até meio de safra, reduzindo perdas de produtividade.
“A pergunta que deixo no ar é: por que não plantar canaviais de ano entre outubro e novembro? Você responderá que não faz porque precisa de água para germinar. E então, eu pergunto: por que não usar irrigação plena nesses canaviais, fazendo o plantio e colheita no mesmo período, em setembro, por exemplo? Isso traria um retorno financeiro mais rápido, com apenas 12 meses”, afirma Pedroso.
Coruripe Iturama faz cana de inverno com irrigação
Para a safra 2022/23, a unidade da Iturama, da Coruripe, fez plantio de cana de inverno em 20,5% da sua área e faz a colheita deste canavial com 12 meses. O diferencial da companhia é a irrigação. De acordo com supervisor de produção da Coruripe Iturama, Fernando Borges, no planejamento de plantio a unidade busca fazer a melhor janela possível.
Segundo Borges, é possível fazer um melhor planejamento do plantio de cana de ano e inverno quando se faz o manejo com água porque a unidade não depende da temporada de chuvas quando a cana está no ápice do desenvolvimento.
A Coruripe irriga aproximadamente 10 mil hectares de suas áreas com água e fertirrigação. Desse montante, 450 hectares são irrigados com sistema de gotejo no Polo Iturama.
As canas de primeiro corte irrigadas da usina têm conseguido um incremento de TCH considerável e os demais ganhos agronômicos nestes canaviais compensam os investimentos em irrigação e manejos específicos.
Nas três áreas onde há irrigação gotejamento, de acordo com dados fornecidos pela Netafim, há áreas com canas de terceiro corte, que foram colhidas na safra 2019/20 com produtividades de 150t/ha, já na safra 2020/21, com TCH variando de 120 t/ha e na safra 2021/22 com aproximadamente 130 t/ha. Além disso, em outros projetos de irrigação por gotejamento nessa mesma unidade, há área de 13 cortes com produtividade média acima de 100 t/ha e áreas com 9 cortes com produtividade acima de 138 t/ha.
“É preciso que se planeje muito bem o plantio que será realizado, em termos de defensivos e fertilizantes, mudas sadias, variedades locadas em ambientes corretos, boa sistematização de solo onde vai ser realizado este plantio, mão de obra capacitada e que ama o que está fazendo. Pois, com isso tenho certeza que irá ter um plantio de qualidade”, afirma Borges.