Agrícola
Diversos pesquisadores afirmam que o potencial de produtividade da cana pode chegar a mais de 300 t/ha, mas recorde na Índia mostra que esse número pode ser maior
A média de produtividade agrícola dos canaviais do Centro-Sul vem sendo muito discutida ao longo dos últimos anos. Não à toa. Afinal, apesar de haver evolução de 1975 para cá, a média do Centro-Sul, que chegou, em 1998, a 95 t/ha, nas últimas quatro safras tem alcançado uma média de 77,4 t/ha segundo dados da Unica (União da Indústria da Cana-de-açúcar) em relatórios finais das safras 2017/18, 2016/17 e 2015/16 (Figura 1). Já na safra 2018/19, fechada no dia 31 de março, de acordo com os dados consolidados pelo benchmarking do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), o rendimento médio da lavoura das unidades produtoras do Centro-Sul atingiu 73,4 t/ha, queda de 3,3% em relação à safra 2017/18. Isso mostra que o TCH dos canaviais da maior região produtora de cana vem caindo e obtendo apenas 16,4% da produtividade agrícola máxima teórica, ou seja, o potencial que a planta cana-de-açúcar tem de expressar sua produtividade.
Este potencial foi muito discutido em trabalhos científicos ao longo dos últimos anos. O pesquisador do IAC, Marcos Guimarães de Andrade Landell, por exemplo, acredita que o potencial máximo que uma planta de cana poderia atingir seria de 345,6 t/ha. Já o pesquisador Waclawovsky (2010), afirmou que a planta tem potencial acima de 380 t/ha, enquanto cálculos realizados por Paul H. Moore (2009), do Centro de Pesquisa Agrícola do Havaí, apontam potencial teórico máximo da cana-de-açúcar em 472 t/ha.
Antes de fazer qualquer análise incompatível com a realidade, é preciso deixar claro, segundo Landell, que produtividade agrícola da cana-de-açúcar, expressa em toneladas por hectare (TCH), se dá em função de três componentes principais:
1) Altura média do colmo da cana;
2) Diâmetro médio desses colmos;
3) Número total de colmos na unidade de área (hectare).
“Estes três componentes nos permitem estimar o volume da cana e, caso a densidade desses colmos sejam equivalentes a um, o volume estimado é igual ao peso dos colmos. Os números das pesquisas de potencial referem-se à produtividade de canaviais de 1º corte (cana planta) conduzidos em condições controladas e extremamente favoráveis para a produção com práticas como: irrigação plena e nutrição parcelada com macro e micro nutrientes associada a ações de proteção contra pragas e doenças. No entanto, mais de 90% da canavicultura nacional é realizada em condições de sequeiro, o que limita bastante a expressão da produtividade”, explica Landell.
William Burnquist, diretor de Melhoramento do CTC, afirma que apesar cálculos de Paul Moore apontarem potencial teórico em 472 t/ha, o estudo também apresenta 212 t/ha como o máximo em experimentos e 148 t/ha como máximo comercial em países como Austrália, Colômbia e África do Sul. “Os fatores que reduzem a produtividade em relação ao potencial máximo são principalmente fatores fisiológicos como a arquitetura da planta e eficiência fotossintética; restrições ambientais como água, radiação, temperatura e nutrientes; e restrições agronômicas como ervas daninhas, pragas, doenças, salinidade e toxicidade mineral”, complementa.
Segundo a pesquisadora do APTA, Raffaella Rossetto, em uma região com um solo de alta fertilidade, sem nenhum impedimento físico e químico, com a incidência solar, temperatura, fotoperíodo e com fertirrigação plena, sem pragas e doenças e competição com matoespécies, a expressão do potencial genético das variedades atuais de cana (de qualquer programa de melhoramento) chegariam a produtividades acima de 380 t/ha facilmente.
“Paul Moore relatou produtividades de 472 t/ha possivelmente em condições do Havaí, onde latitudes quase equatoriais favorecem a produção de biomassa durante praticamente todos os meses do ano. Na verdade, o que importa realmente é saber qual o potencial produtivo real que temos condições de atingir de acordo com o investimento que temos à disposição (manejo) e as condições reais de nosso solo e clima. A integração desses três fatores promoverão todas as condições para que a variedade demonstre seu potencial genético. Produtividades acima de 300 t/ha não encontrariam tecnologia de colheita, no momento, que permitisse um eficiente CTT. O ideal é pensarmos em aumentar a produtividade para patamares acima de 100 t/ha de colmos com produtividade em açúcar maior que 15 TPH (t de pol ha), o que significaria ganhos de aproximadamente 40 a 50% acima do que se consegue atualmente no Centro-Sul do Brasil”, afirma Raffaella.
Edgar Gomes Ferreira de Beauclair, professor do Departamento de Produção Vegetal da Esalq/USP e especializado em Planejamento e Produção de Cana-de-açúcar, acredita que o potencial de produtividade varia de acordo com a sofisticação do modelo usado para calcular e como todos os modelos trazem alguma imperfeição, o número exato pode ser bastante difícil de ser atestado.
“Teoricamente, pelas taxas de conversão de energia e eficiência de uso da água e sem nenhum fator capaz de limitar ou restringir o crescimento, pode-se chegar a calcular valores superiores à 400 t/ha em um manejo sem limites. Em áreas experimentais pequenas e com grande controle ambiental, inviável em áreas maiores, já se obteve produtividades superiores à 300 t/ha. No campo, em áreas comerciais com diferentes manejos pode-se encontrar, inclusive no Brasil, determinadas áreas com rendimento superior à 200 t/ha, a maioria delas com irrigação, responsável pela maior parte das variações na produtividade. De qualquer forma, o potencial de produção em áreas comerciais pode perfeitamente ser superior à 200 t/ha, muito acima do que temos hoje no campo, mas temos que pensar também que é muito melhor ter seis cortes com média de 100 t/ha do que ter média de 200 t/ha em apenas um corte”, adiciona Beauclair.
PRODUTOR INDIANO BATE RECORDE
Um concurso anual chamado Clube dos 100, realizado pela empresa de irrigação por gotejamento Jain – que opera no Brasil com sua subsidiária NaandanJain – mostra que a cana-de-açúcar pode chegar a altos patamares de produtividade. “Fazemos o concurso com um grupo de produtores que produzem sempre mais de 247 t/ha (100 t/acre). É uma maneira deles se motivarem a provarem todas as tecnologias disponíveis para aumentar sua produção”, explica Leandro Lance, gerente de Desenvolvimento de Mercado e Inovação da NaandanJain.
Na edição de 2018, dois pequenos produtores, cuja fazenda está localizada na aldeia Uran Islampur, Tal-Walwa, Dist Sangli, localizada no Sul de Maharashtra, na Índia – estado que cultiva cana em larga escala, cerca de 1 milhão de ha, dos quais grande parte está sendo feita no distrito de Sangli – conseguiu atingir uma produtividade de 167 t/acre, o que corresponde a 412 t/ha.
A RPAnews, conseguiu, via NaanDanJain, falar com os produtores e saber como foi realizado o manejo deste canavial para atingir tal produtividade. De acordo com Shri Ashok Khot e Shri Sanjiv Mane, a área é pequena, de 3 a 4 hectares, e a variedade usada no concurso foi a CO 86032, que é cultivada em grande escala neste cinturão de cana-de-açúcar.
Muitos agricultores do Estado tem conseguido atingir 100 t/acre, ou 247 t/ha de rendimento, tanto em cana-planta quanto em cana-soca. “Essa produtividade é determinada pelo peso da cana e pelo número de canas moídas por acre. O peso da cana é uma função do alongamento, que aumenta o número de entrenós e circunferência da cana”, explicam os produtores que são da mesma família.
O plantio foi feito em espaçamento de 5 x 1,25. Um sistema de irrigação por gotejamento foi montado e, acima da área, um sistema de pulverização por mangueiras (sprinklers modulares invertidos) também foi montado (Veja Figura 2) para aplicação de alguns insumos. A intenção deste sistema aéreo era interferir na temperatura das folhas e reduzir o estresse microclimático da planta, além de causar maior acumulação de açúcares fotossintéticos na cana, o que leva a um efeito positivo no peso e no rendimento. “O sistema foi usado para simular a aplicação de micronutrientes e reguladores de crescimento de planta, bem como defensivos contra pragas. Tal configuração foi fornecida para obter os resultados desejados”, detalham.
Os ganhadores do concurso dizem que chegar a tais números foi possível graças a irrigação e agricultura de precisão. O pacote tecnológico integrava oito ações:
1) Variedade e seleção de materiais;
2) Tratamento de variedades;
3) Preparo do solo;
4) Uso de adubos orgânicos;
5) Programação de irrigação;
6) Fertirrigação;
7) Aplicação foliar de mistura de nutrientes, reguladores de crescimento, extratos de algas e pesticidas;
8) Controle do microclima, através de sprinklers modulares, e operações interculturais usuais foram fornecidos e gerenciados meticulosamente sob a orientação de especialistas em cana para obter os resultados desejados.
Segundo os produtores analisam, a irrigação porgramada, ou seja, na hora certa, e a fertirrigação foram os fatores essenciais para o sucesso deste experimento. A água foi aplicada através de irrigação por gotejamento e sprinklers modulares, conforme a necessidade diária das culturas. Normalmente, são aplicados de 40 a 50 m3 de água por ha na alta temporada diariamente. Na monção e no inverno a necessidade de água diminui.”
A Índia tem cerca de 5 milhões de produtores de cana e uma produtividade média de 66 t/ha. Sendo assim, é comum que os produtores tenham áreas muito pequenas de cultivo (de 1 a 10 ha seria a área que a maioria dos produtores possuem). Para Raffaella, nesse caso, em áreas pequenas, todas as práticas agrícolas podem ser realizadas no seu melhor período e todo o cuidado com as operações podem ser tomados.
“Possivelmente o plantio, as operações de cultivo e a colheita são feitas manualmente, sem o efeito de compactação do solo, pisoteio etc. O controle de pragas e plantas daninhas também pode ser otimizado. Os indianos utilizam comumente fertilizantes orgânicos e muitos preparam seu próprio composto, aproveitando estercos animais e outras fontes ricas em nutrientes. É muito difícil comparar situações de manejo, clima e solo em países diferentes. Precisaríamos de mais informações para poder entender e avaliar o sistema que levou a essa altíssima produtividade”, afirma a pesquisadora do APTA.
Lance acredita que é possível que produtores brasileiros mantenham algumas atividades que, sem dúvida, aumentam a produtividade e que foram deixadas de lado por serem taxadas de trabalhosas. “A fertirrigação fracionada, ao meu ver, é a principal, e após algum tempo de operação, ela pode até reduzir a mão de obra e os custos.”
Um mini pulverizador foi instalado acima da cultura para simular a aplicação de insumos nutricionais via aérea.
Landell acrescenta que o aumento do TCH se dará em função das ações integradas com um bom planejamento desde o momento da fundação do canavial (qualificação do ambiente de produção, estabelecimento da estratégia de produção como a determinação da variedade a ser utilizada, época de plantio, preparo do solo e plantio). Posterior a isso, os manejos fitotécnicos que envolvem a nutrição e o controle de plantas invasoras, e, finalmente, a colheita.
“Dentre essas ações, destacamos a importância de plantios com utilização de variedades de alto potencial produtivo e que tenham adaptação ao plantio mecânico [variedades facilitadoras], proporcionando canaviais de elevado stand de colmos. O manejo nutricional com a utilização de macro e micro nutrientes, após uma efetiva correção do solo e também ações para proteção dessas áreas em relação as principais pragas. As operações de cultivo devem ter excelência para manter a qualidade do canavial plantado e a colheita deverá ser realizada com cuidados para não “descontruir” a população dos colmos para o ciclo posterior. Isto envolve em cuidados na velocidade da colheita e principalmente, em ações para a redução do pisoteio decorrentes da operação propriamente dita. Tendo o ambiente de produção qualificado poderemos estabelecer as estratégias para aplicação do manejo varietal utilizando a Matriz do 3º Eixo, fundamental para aumento das produtividades dos cortes”, complementa Landell.
A pesquisadora Raffaella acredita que para obter produtividades acima da média é necessário:
1) Fazer um planejamento de longo prazo, onde todas as variáveis estão equacionadas e bem gerenciadas: um cronograma com todas as atividades do ano para que possam ser realizadas no momento ideal. Em primeiro deve-se conhecer o local e manter um histórico da área, anotando todas as operações, os insumos utilizados, as quantidades, as fontes, o custo etc;
2) Ter conhecimento do solo, do ambiente de produção, e da melhor variedade indicada para esse ambiente: o ambiente de produção diz respeito às condições físicas e de fertilidade do solo e também da quantidade de água que pode ser armazenada. Solos de fertilidade semelhante, porém com CAD (Capacidade de Armazenamento de Água) duas vezes superior, são responsáveis por mais de 10% de ganho de produtividade. Por isso, todas as práticas que favorecem o crescimento em profundidade do sistema radicular, geralmente aumentam também a CAD, e o volume de solo explorado em água e nutrientes, a exemplo do bom preparo de solo, da baixa compactação, das condições de conservação e proteção do solo, da adição de matéria orgânica, do uso de corretivos, fertilizantes etc. O sistema de conservação de solo, se muito bem dimensionado, garantirá longevidade do canavial e maior sustentabilidade da atividade canavieira;
3) Escolher a melhor época para plantio, colheita e outras práticas: a cana colhida no início de safra sofre menor influência do déficit hídrico, quando comparada com a cana colhida em final de safra. Colhendo cana no início de safra em ambientes de produção favoráveis, em relação a colheita no final de safra, pode-se reduzir perdas de produtividade em cerca de 15%. Já em ambientes restritivos, pode chegar a 30% de perdas de produtividade. Então, a colheita de ambientes restritivos para deficiência hídrica deve ser priorizada no início de safra. O Programa Cana-de-açúcar do IAC, desde 2007, desenvolve essa tática de manejo. Nesta última década, mais um fator foi adicionado, estratégia popularizada pelo nome de 3º eixo da matriz de produtividade. O primeiro fator a ser considerado nessa tática seria o ambiente de produção (restritivo, médio, favorável), o segundo fator seria o ciclo da cultura (cana planta, primeira soca, segunda soca etc). Decorrente desses dois primeiros fatores se define a época de colheita (início, meio, final da safra). Incluindo esse fator na matriz, teríamos primeiro a colheita da cana planta, seguida de as socas de 1º corte, 2º corte etc em ambientes restritivos no início da safra. No ano seguinte, a colheita de cada área será realizada sempre com um mês de atraso com o objetivo de ganhar um mês a mais no período de crescimento e maturação.
4) Ter qualidade nas mudas: o sucesso da produtividade de um canavial que poderá durar três, quatro, cinco, seis ou mais anos depende do sucesso da implantação do canavial e, por isso, a qualidade e sanidade de mudas e a qualidade da operação de plantio são essenciais. Falhas e implementos mal regulados gerarão perdas de produtividade difíceis de recuperar nas soqueiras.
5) Fazer análise da fertilidade do solo e planejamento do uso de corretivos e fertilizantes: são práticas essenciais para o aumento da produtividade e da longevidade, afinal, de nada adianta calcular bem as doses de corretivos e fertilizantes se os implementos não estiverem bem calibrados e a aplicação não for uniforme. Verificar a possibilidade de parcelamento de adubações de K e N, principalmente em épocas chuvosas e se as doses forem altas e/ou em solos com baixa CTC.
6) Considerar a irrigação e a possibilidade de fertirrigar não apenas com vinhaça: Faça as contas do investimento. A irrigação em bons ambientes de produção pode gerar produtividades muito superiores.
7) Fazer correto controle de pragas, doenças e mato: se a unidade elege uma variedade bem alocada para seu ambiente de produção, é muito provável que não tenha problemas com doenças. Se também iniciou com mudas de qualidade e seu solo não apresenta histórico, também não deverá ter problemas com pragas. Entretanto, conhecer o ambiente e monitorar, tomando providências imediatas é muito importante. Considere, em seu cronograma, atividades de monitoramento de pragas e visite constantemente o canavial. Canaviais com competição por mato tem queda sensível de produtividade. O uso de herbicidas é responsável por 5% a 10% dos custos de produção, por isso, esteja atento ao controle com melhor relação custo-benefício. Leve em consideração, sempre que possível, o controle biológico.
8) Evitar o pisoteamento da linha de cana em qualquer operação agrícola e fazer uso de insumos: o uso de GPS e tecnologias de controle de tráfego são essenciais. Os insumos como fertilizantes e resíduos da indústria sucroalcooleira devem ser colocados ou no sulco de plantio ou próximos da linha na soqueiras, onde estão localizadas as raízes. Boas práticas de uso de resíduos colaboram para a sustentabilidade do sistema.
9) Reduzir perdas na colheita: de que adiantou ter maior produtividade e perdê-la em operações de colheita que deixam até 10% da cana no campo. Uma boa operação de colheita garantirá também uma boa produtividade da soca subsequente. Então, é preciso cuidar para que não ocorra o arranquio de soqueiras, compactação e pistoteio da linha de cana.
10) Ser perseverante, otimista e não perder o foco: é preciso manter-se bem informado. Os sistemas biológicos não são estáticos e a cada dia surgem novas tecnologias. Faça parte de grupos de discussão na internet, participe de palestras, cursos, leia, estude.
“Se imaginarmos que cada prática relatada aumente 5% na produtividade, teríamos 50% de aumento considerando os 10 pontos abordados. Mas essa é uma conta irreal. Cada caso é um caso, tem particularidades. Algumas práticas aumentarão a produtividade em bem mais que 5% e quando combinadas, a produtividade pode sim ser superior a 50%. Se um dos itens falhar, todo o esforço pode ser perdido”, destaca Raffaella.
Beauclair diz que não existe segredo e acredita que antes de pensar em t/ha, o setor precisa pensar em $/ha, afinal, é um investimento, um negócio e não uma competição. “Claro que aumentando os rendimentos de forma técnica, aumenta-se a base de divisão dos custos e aumenta-se a rentabilidade, mas é preciso avaliar tudo de forma holística. Cada unidade tem uma condição específica de manejo, clima, ambiente de produção, capacitação técnica e capacidade de investimento. Isso já torna as soluções únicas pela enorme integração entre os fatores, mas bons exemplos podem e devem ser observados e copiados de forma crítica, ou seja, entender o que e como foram geradas as soluções que levaram ao aumento da produtividade daquela unidade”, salienta.
Ainda de acordo com ele, em todos os casos de sucesso existe grande preocupação com o entendimento da situação existente, com vários controles técnicos, análise situacional coerente com os dados, integração e capacitação técnica da equipe responsável e objetivos claros na direção, permitindo que as limitações de recursos sejam entendidas por todos envolvidos no processo produtivo, o que gera um planejamento operacional perfeitamente integrado com a estratégia tanto na base física como na econômica. O manejo ‘ideal’ vai ser diferente em cada caso, mas alguns conceitos podem ser generalizados.
“Um bom começo é evitar a presença dos fatores restritivos, aqueles que quanto maiores forem, mais danos à produtividade causam. É o caso das pragas, doenças e ervas daninhas. As doenças majoritariamente propagadas por mudas de baixa qualidade exigem um cuidado com a formação de viveiros ou uso de mudas sadias. Controlar as pragas exigem monitoramento e medidas corretivas rápidas, assim como as plantas daninhas. Evitar a criação de fatores restritivos gerados no próprio manejo como a compactação e pisoteio também são fundamentais, assim como a correção da acidez do solo e neutralização do Alumínio tóxico”, explica.
Em seguida, segundo Beauclair, é importante que seja providenciado suprimento de todos fatores capazes de limitar a produtividade, ou seja, daqueles que quanto mais disponível, maior a produtividade. Assim, o fornecimento de nutrientes nas quantidades e nas épocas necessárias é fundamental, e havendo possibilidade, prover disponibilidade hídrica torna-se extremamente recompensador. “Na impossibilidade de irrigação, o manejo das épocas de plantio e corte para cada ambiente de produção passa a ser um fator primordial de manejo. O manejo da matéria orgânica e da microbiota do ambiente de produção também é importante para garantir adequado suprimento desses fatores limitantes”, adiciona.
DESAFIO DOS TRÊS DÍGITOS
Pensando no potencial máximo discutido no começo da reportagem, quanto será que os produtores e usinas brasileiras conseguiriam atingir, considerando irrigação e os manejos adequados apontados pelos pesquisadores aqui ouvidos? Usando como referência a produtividade agrícola dos cinco primeiros cortes (TCH5), Landell acredita que a produtividade do Centro-Sul possa se estabelecer no patamar de 90 a 125 t/ha, considerando-se aspectos ambientais como solos e clima (chuvas e temperaturas regionais) e manejos avançados com a utilização de variedades modernas com maior potencial produtivo desde o primeiro corte, e que tenham a longevidade de população associada.
“Deve ser dada especial atenção à época de plantio que é determinante para a maior produção da cana de primeiro corte, principalmente em condições ditas de Cerrado. O TCH é determinante na produção de açúcar por hectare. O efeito do ambiente sobre os componentes do TCH, diâmetro e altura de colmos, assim como sobre o número de colmos é muito pronunciado. Portanto, todas as estratégias fitotécnicas devem ser focadas para promover fatores que estimulem a expressão dos mesmos. O teor de açúcares é importantíssimo e fundamental para o sucesso da atividade, no entanto, o perfil de maturação tem um efeito menor do ambiente quando comparamos o efeito que o mesmo tem sobre o TCH”, afirma Landell.
Beauclair acredita que devido a intensidade da mecanização, pode-se trabalhar com uma meta superior a 100 t/ha mesmo sem irrigação plena. Segundo ele, a própria questão da produtividade precisa ser discutida também com a idade média do canavial, afinal, ter maior rentabilidade por unidade de área vai sempre envolver esses dois parâmetros.
“Não acredito que a simples meta de cana de três dígitos seja suficiente para atrair os investimentos necessários para isso. Os cuidados básicos para garantir o controle de fatores restritivos e insumos necessários para garantir suprimento dos fatores limitantes exigem investimentos diversificados e cada um precisa ser analisado técnica e economicamente. Irrigação além de custosa depende de recursos naturais nem sempre disponíveis, mas é, sem dúvida, um dos investimentos mais seguros para obtenção de altas produtividades”, opina.
Burnquist revela que diversas usinas têm hoje produtividades médias dos canaviais acima de 100 t/ha, inclusive, algumas fazendas monitoradas pelo CTC possuem áreas com produtividades próximas a 200 t/ha. “O desafio do setor sucroenergético para aumentar a produtividade da cultura da cana se inicia com a diminuição da idade média dos canaviais, aumentando a renovação e utilização de variedades modernas e adaptadas para os diferentes ambientes de produção. O indicador de performance agronômica mais relevante deve ser o TAH”, observa.
Depois do desafio econômico, de driblar juros e dívidas bancárias, o maior desafio, segundo Rafaella, é conseguir driblar as variações do clima. Os déficits hídricos tem causado grande limitação em muitas áreas de cultivo de cana, inclusive no Estado de São Paulo. O Programa Cana do IAC, com base em seus experimentos, estima que a cada 100 mm de redução de déficit hídrico em cada ciclo da cana, é possível aumentar a produtividade de 7 a 10 t/ha.
“Em áreas irrigadas, os ganhos em ambientes restritivos e em condições de déficit hídrico acentuado podem atingir mais de 100%, o que significa dizer que o retorno do investimento virá em curto-médio prazo. As limitações de solo, pragas, doenças, daninhas e mecanização podem ser equacionadas mais facilmente, na maioria das vezes, mas uma adubação perfeita pode não promover nenhum ganho de produtividade se o déficit hídrico for acentuado”, afirma.
O primeiro passo para a produtividade, segundo Raffaella, é querer e se determinar para atingir metas pré-estabelecidas e possíveis de serem atingidas. O segundo passo é verificar o investimento que se tem disponível. “Separe as áreas de cultivo, eleja práticas que farão a diferença em cada uma delas e planeje metas reais para cada situação. Aumentos consideráveis de produtividade são resultados de pequenos aumentos em cada uma das práticas. Avalie os resultados em cada local. Não desanime, faça um programa de longo prazo incluindo sempre que possível, todos os 10 pontos levantados. Acredite. O mais difícil é dar o primeiro passo”, conclui.