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Edição 202

Especial – Cana-de-açúcar: referência quando o assunto é Controle Biológico

Publicado

em

Natália Cherubin

A polêmica em torno do Projeto de Lei, chamado por contrários e ambientalistas de “PL do Agrotóxico”, que vem causando acaloradas discussões na sociedade e principalmente nas redes sociais, acendeu, mais uma vez, os holofotes e os questionamentos sobre o uso de defensivos agrícolas na agricultura brasileira.

A questão da PL – que por hora não é o foco da discussão que propomos – nos fez parar para avaliar o nível de evolução que o setor canavieiro chegou no controle das suas principais pragas. E o que descobrimos, conversando com especialistas da área e com os que atuam em outras culturas, é que a cana se tornou referência em controle de pragas, principalmente quando falamos no uso de controle biológico (CB), ou seja, somos o segmento agrícola de maior tradição no uso de inimigos naturais.

Você sabia, por exemplo, que o controle biológico é realidade há quase 70 anos para broca-da-cana e há mais de 20 anos para a cigarrinha-das-raízes e Sphenophorus levis? O primeiro registro de controle biológico da broca-da-cana data de 1949, quando foram utilizadas as moscas Taquinídeos Lixophaga diatraeaLydella minense (=Metagonistylum minense) e Billaea claripalpis (=Paratheresia claripalpis). Com exceção de L. diatraea, que não se adaptou muito bem ao nosso país, as demais moscas conseguiam manter as infestações ao redor de 8%, níveis hoje não aceitáveis.

No início da década de 70, a vespinha exótica cotesia flavipes (antiga Apanteles flavipes) começava a ser importada. O inseto, vindo de Trinidad-Tobago, em 1974 já se mostra bem adaptado às condições do Nordeste brasileiro. Mais tarde, em 1978, a cotesia, importada via Índia e Paquistão, começa a ser implementada em São Paulo.

Segundo conta o especialista Alexandre de Sene Pinto, professor e doutor do Centro Universitário Moura Lacerda, de Ribeirão Preto, SP, e consultor da Koppert e BUG, com esse novo parasitoide os níveis de infestação começaram a baixar para 2-3%, diminuindo drasticamente os prejuízos causados pela broca-da-cana (mais de US$ 80 milhões por ano), se tornando o maior programa de controle biológico do mundo até os dias atuais.

Na década de 80, a microvespa Trichogramma galloi começa a ser estudada para uso no controle de ovos da broca, estratégia que serviria para diminuir ainda mais os níveis de infestação, pois não permitia entrada da praga nos colmos, algo que cotesia não impedia por controlar apenas lagartas grandes. “Nos anos 2000 esse parasitoide começa a ser usado comercialmente em canaviais brasileiros, mas foi só em 2010, com a mudança da tecnologia de liberação em campo e de amostragem da praga, que esse parasitoide chegou a um terço de todas as usinas do país”, acrescenta Sene Pinto.

As cigarrinhas-das-folhas (Mahanarva posticata) começaram a ser controladas com o fungo Metarhizium anisopliae em pequenas áreas canavieiras do Nordeste brasileiro em 1969 e, a partir de 1975, começam a ser instalados laboratórios setoriais de produção do fungo nas usinas de Pernambuco. Entretanto, o seu uso começa a crescer na década de 90, com o agravamento dos prejuízos com a cigarrinha-das-raízes (Mahanarva spp) em canaviais que deixaram de ser queimados.

Já o gorgulho-da-cana (Sphenophorus levis), começou, bem discretamente, a ser controlado de forma biológica na década de 90 com o uso de iscas de toletes impregnadas com o fungo Beauveria bassiana espalhados pelo canavial, uma prática que só era viável para viveiros e áreas destinadas para a produção de mudas.

“Foi em 2010 que novas estratégias de controle de larvas com os fungos M. anisopliae e B. bassiana, aplicados no corte de soqueiras ou via avião, mostraram ser viáveis em áreas comerciais, sendo que o primeiro garantiu residual mais longo (mais de três meses) do que o segundo. Para adultos, a pulverização de B. bassiana sobre os indivíduos na revoada mostrou ser a estratégia mais assertiva. Na mesma época, o nematoide entomopatogênico Steinernema puertoricense foi registrado para larvas e adultos dessa praga, com resultados de controle superiores a 80% e grande compatibilidade com inseticidas”, revela o especialista e consultor da Koppert e BUG.

Em 2013 foi desenvolvida a primeira estratégia de liberação aérea de Trichogramma galloi sem cápsulas de proteção. E em 2014 é, de fato, realizada a liberação aérea de Trichogramma, a primeira realizada em grandes áreas no mundo. No ano seguinte, a liberação deste parasitoide foi realizada também pela primeira vez no Brasil via drone. “Com isso, em 2016 a área tratada com Trichogramma galloi ultrapassava 1 milhão de ha no país, ao mesmo tempo em que os agricultores passaram a usar inseticidas misturados com Metarhizium anisopliae no Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, fazendo com que a área com fungo ultrapassasse 3 milhões de ha”, destaca.

REFERÊNCIA NO MUNDO CB

Quase metade da área plantada de cana-de-açúcar tem sido tratada por insumos biológicos. De acordo com José Roberto Postali Parra, engenheiro agrônomo e especialista em Entomologia da Esalq/USP, o Brasil já chegou a tratar mais de ٤ milhões de ha de broca com a cotesia flavipes. Hoje, este número diminuiu para cerca de ٣ milhões de ha com o aumento da área tratada com T. galloi, que deverá chegar a ٢ milhões de ha este ano.

“Está havendo uma inversão, com a diminuição da área tratada com T. galloi, devido à disponibilidade do insumo biológico deste último. Cerca de ٣,٥ milhões de ha têm sido tratados com Metarhizium anisopliae para controlar a cigarrinha. Quanto ao Sphenophorus, a opção biológica não é tão eficiente como esperado, mas, mesmo assim, os agricultores estão usando Beauveria bassiana com a expectativa de formulações mais eficientes do fungo. Neste caso, ainda tem predominado o uso de produtos químicos”, exalta Parra.

De acordo com Alexandre Sene Pinto, professor e consultor da Koppert e BUG, a broca-da-cana hoje não precisa de inseticidas químicos para seu controle, nem nas regiões mais quentes do Brasil

Apesar do controle biológico ser realizado em todas as culturas, Luiz Carlos de Almeida e Luiz Gustavo de Almeida, especialistas da consultoria Entomol, afirmam que o uso deste tipo de manejo sempre teve um peso maior em cana-de-açúcar, principalmente pelo enfoque e pelo sucesso que se conseguiu em diversos programas de controle biológico relativos as pragas mais importantes da cultura, como a broca e a cigarrinha.

José Eduardo Almeida, pesquisador do Instituto Biológico, acredita que o segmento absorveu bem o controle biológico por ser uma cultura semi-perene, com pragas bem identificadas e com pesquisas avançadas na bioecologia das mesmas. “As culturas anuais como soja e milho, que podem ter mais de uma safra ao ano, possuem uma dinâmica de pragas e doenças mais rápida, o que dificulta a aplicação de controle biológico.”

Parra destaca que o programa de controle biológico de pragas da cana é realmente uma referência no mundo do CB. “O produtor de cana aceitou a proposta de CB. Além disso, o setor teve programas inter e multidisciplinares com disponibilidade de insumos biológicos e com resultados consistentes, ligados à característica da cultura (desequilíbrios biológicos quando se aplicam produtos químicos na parte aérea)”, explica.

Eduardo Augusto Fonseca Ivan, responsável pelo Desenvolvimento Técnico de Mercado da Biocontrol, diz que apesar do crescimento da utilização do controle biológico em outras culturas, é sabido que o controle biológico da broca, da prodridão-abacaxi (fungo) e da cigarrinha-das-raízes são os três maiores programas de controle biológico do Brasil, nesta ordem. “Vários são os fatores, desde resistência de pragas a determinados agrotóxicos, questões culturais, políticas das empresas (algumas com produção orgânica), órgãos de pesquisa como Instituto biológico de SP, Campinas (programas de implantação de laboratórios de produção) e Copersucar, e a profissionalização das empresas de controle biológico, aliados aos resultados consistentes e de baixo custo de aplicação”, destaca.

O que explica o maior avanço da cana-de-açúcar diante da principal cultura do Brasil, a soja, segundo o pesquisador da Embrapa Soja, Adeney de Freitas Bueno, é uma consequência de diferentes fatores, entre os quais destaca três de maior importância:

1) Número de espécies pragas de importância econômica: Enquanto na soja existe um grande complexo de espécies de artrópodes-pragas (várias espécies de percevejos e lagartas, mosca-branca, ácaros, além de pragas de solo em algumas localidades) que são importantes para a cultura, as pragas da cana são geralmente resumidas em duas espécies de maior destaque (broca-da-cana e cigarrinha) contra as quais existem bons agentes de controle biológico, que tem sua produção (multiplicação em massa em laboratório) dominada pela ciência. Isso permite o maior sucesso do controle biológico de pragas na cana, onde o agente de controle biológico liberado tem melhores condições de sobreviver e se estabelecer na área, pois a necessidade de aplicação de um agrotóxico após sua liberação é menos provável.

“Diferentemente na soja, o agente de controle biológico a ser liberado, usualmente irá encontrar um ambiente mais desfavorável para sua multiplicação e estabelecimento devido a aplicações mais frequentes de agrotóxicos para manejo de outros problemas fitossanitários. Por isso, o sucesso do controle biológico aumentativo na soja é dependente do aumento do portfólio de produtos biológicos para cultura, assim como da adoção do manejo integrado de pragas (MIP)”, explica o pesquisador da Embrapa Soja.

2) Dificuldades do produtor em adotar o controle químico: Depois do crescimento da planta, na cana-de-açúcar é mais difícil e onerosa a aplicação de inseticidas na parte área, que devido ao porte da planta teria que ser feita com avião. Na soja, a aplicação de inseticidas na parte área pode ser feita de trator durante todo o ciclo da lavoura, o que simplifica e barateia essa operação. Sendo correto ou não, o produtor sempre irá comparar as opções de controle na tomada de decisão. Sendo assim, a maior dificuldade do uso de inseticidas na cana é justamente um ponto favorável para a adoção do controle biológico aumentativo.

3) Tamanho da área cultivada: Enquanto a área cultivada com cana no Brasil é ao redor de 9 milhões de ha, a área cultivada de soja é em torno de 34 milhões de ha em todo o país. Assim, o desafio de liberar inimigos naturais em uma área menor é proporcionalmente inferior do que liberar esses organismos vivos em uma área maior. Enquanto a liberação manual foi realizada por um longo tempo na cana, isto seria inaceitavelmente caro de se fazer em uma área extensiva de soja.

“Outras culturas começaram a ser estudadas posteriormente e hoje existem excelentes perspectivas, como para controle de Helicoverpa zea em milho com T. pretiosum ou T. atopovirilia e controle de Spodoptera frugiperda com Telenomus remus e T. pretiosum (ou T. atopovirilia). Por outro lado, existe um grande programa de controle de Euschistus heros, o percevejo-marrom-da-soja, com Telenomus podisi, porém a disponibilidade do inimigo natural ainda é pequena, frente à grande área a ser tratada [34 milhões de ha]”, acrescenta Parra.

REDUÇÃO DE QUÍMICOS

Ao aumentar o uso do controle biológico, logo, a ideia é pensar que se reduziria o volume de inseticidas aplicados no controle de certas pragas, correto? Bem, para os especialistas da consultoria da Entomol, apesar da dificuldade de estimar se houve redução do uso de inseticidas em cana ao longo dos últimos anos, ao se fazer um comparativo do controle de broca é possível afirmar que unidades que adotam somente o controle biológico para manejo desta praga economizam em aplicações de inseticidas.

“Se considerarmos que quase metade da área plantada com cana-de-açúcar tem sido controlada biologicamente, isto representa o que deixou de ser gasto com produtos químicos. Obviamente que tudo depende de um bom serviço de transferência de tecnologia, desde que outras opções estejam disponíveis. Há trabalhos da década de 80 que mostraram que a redução da infestação da broca-da-cana de 10% para 2% devido a ação de C. flavipes evitou a perda de R$ 80 milhões de dólares anuais no Estado de São Paulo”, revela Parra.

Sene Pinto diz que não é possível quantificar se o setor vem reduzindo o uso de químicos, porque uma aplicação de biológico pode equivaler a três ou mais aplicações de químico, pela reprodução dos agentes de biocontrole em campo. No entanto, o uso de Trichogramma galloi em 1,7 milhões de ha, de Cotesia flavipes em 3 milhões de ha, de Metarhizium anisopliae em 2 milhões de ha (sem estar associado a inseticidas, pois nesse caso seriam quase 4 milhões de ha) e pouco menos de 100 mil ha com Beauveria bassiana, dão uma ideia da quantidade de inseticidas que deixaram de ser usados em campo.

“Com a intensificação do uso dos fungos Trichoderma spp., Pochonia chlamydosporia e Paecilomyces lilacinus e das bactérias Bacillus spp, Azospirillum brasilense e Nitrospirillum spp no sulco de plantio em substituição total dos químicos fungicidas e nematicidas, além de promoverem o crescimento vegetal e melhorar o solo e a absorção de nutrientes pelas plantas (Azospirillum e Nitrospirillum tem somente essas funções), trarão ainda maiores reduções no uso de químicos”, acrescenta.

O gerente de Marketing de Cana de Açúcar da Syngenta, Leonardo Pereira, afirma que a associação dos dois métodos tende a reduzir o uso de defensivos químicos por hectare, porque há uma complementação com agentes biológicos e uma automática redução dos químicos. “Não é possível quantificar esta evolução, pois cada ano tem a sua particularidade climática e avanço de novas pragas. Alcançar altos patamares de produtividade usando menos recursos e insumos é um dos compromissos assumidos pela Syngenta em seu Plano de Agricultura Sustentável. A companhia endossa a importância de produzir mais e melhor, atendendo às boas práticas de coexistência ambiental.”

Já para gerente de Marketing de Cana-de-açúcar da Basf, Leandro Pessente, não necessariamente houve uma diminuição, mas sim uma melhoria na eficácia dos produtos e, consequentemente, a diminuição da reentrada defensivos químicos para combater as pragas e doenças.

Leonardo Brusantin, gerente de Desenvolvimento de Mercado da FMC concorda. “Não podemos afirmar isso, uma vez que novas pragas surgiram na cultura como, por exemplo, o Colletotrichum falcatrum. O que houve, sem dúvida, foi a racionalização do uso dos defensivos químicos e a possibilidade de utilização do MIP com controle biológico mais controle químico naquelas pragas já existentes, como é o caso da broca ou dos nematoides.”

O pesquisador do Instituto Biológico afirma que no caso de cigarrinha, a redução da aplicação de químicos foi de pelo menos 1,5 milhão de ha, trazendo uma economia de R$ 165 milhões para o setor.  

100% BIOLÓGICO: POSSÍVEL?

 

 

 

Quase metade da área plantada de cana-de-açúcar tem sido tratada por insumos biológicos

O uso de controle biológico não causa impacto ambiental, não desequilibra a artropodofauna benéfica por não favorecer a resistência e a ressurgência das pragas e é, muitas vezes, mais barata do que os produtos químicos. Nos últimos dez anos, a tecnologia de aplicação de agentes de controle biológico evoluiu tanto, que muitas vezes supera os químicos em eficácia. E foi graças a esse avanço tecnológico que o agricultor passou a aceitar o controle biológico como tática principal no manejo da broca-da-cana e como mais uma opção de controle para as demais pragas da cana-de-açúcar, como o fungo Metarhizium anisopliae para as cigarrinhas e Beauveria bassiana para Sphenophorus levis.

Perguntamos aos especialistas se já é possível fazer 100% do controle dos principais insetos-praga somente com o uso de agentes biológicos. E a maioria deles afirma que sim. É possível. “Hoje atendemos muitos clientes que conseguem utilizar apenas o controle biológico como ferramenta de controle destas pragas. Digo que o grande diferencial é entender todo o processo dentro do MIP, e que com um manejo correto é possível sim utilizar apenas ferramentas biológicas para o manejo destas pragas”, afirma o responsável pelo Desenvolvimento Técnico de Mercado da Biocontrol.

Sene Pinto explica que a broca-da-cana hoje não precisa de inseticidas químicos para seu controle, nem nas regiões mais quentes do Brasil. “Existe uma falsa ideia de que os parasitoides não são eficazes em climas muito quentes ou muito secos, mas nem uma e nem outra informação confere. Os dois parasitoides são mais ativos nas horas mais quentes e secas do dia e nos períodos secos a cotesia flavipes é mais eficaz na região Centro-Oeste do Brasil. O Trichogramma galloi é eficaz sempre que existem ovos da broca-da-cana e nos períodos mais secos do ano esses ovos também são abundantes no canavial. Basta procurar por ovos parasitados de maio a agosto e os mesmos sempre serão encontrados, repletos de vespinhas prontas para a emergência e dispersão.”

Total de hectares plantados com
cana no Brasil:

9 milhões de ha

Trichogramma galloi

1,7 milhões de ha

Cotesia flavipes

3 milhões de ha

Metarhizium 
anisopliae

2 milhões de ha

(sem estar associado a
inseticidas, pois nesse caso seriam
quase 4 milhões de ha)

Beauveria bassiana

pouco menos de
100 mil ha

Fonte: Alexandre Sene Pinto

“Acreditamos ser possível fazer o manejo somente com agentes biológicos de controle, o maior exemplo disto é o controle da broca, usando apenas parasitoides e predadores como ferramentas de controle. Para isso é necessário conhecer, especializar e investir na técnica, com fundamentos fortemente ecológicos e sustentáveis neste manejo”, afirmam os especialistas da Entomol.

Amália Piazentim Borsari, consultora-executiva da ABCBio (Associação Brasileira de Empresas de Controle Biológico), afirma que não há a perspectiva de substituir os agroquímicos pelos biológicos e sim caminhar para o conceito de Manejo Integrado de Pragas. “Acreditamos que os defensivos biológicos chegaram para compor um pacote de ferramentas de manejo que resultem em soluções para problemas fitossanitários, no qual os químicos também estão inseridos. Os biodefensivos acabam tendo uma convivência harmoniosa com as demais tecnologias de controle, com uma natural substituição de moléculas superadas. Há um entendimento de que os biológicos são uma importante ferramenta para a preservação da eficiência das moléculas químicas. Com isso, haverá um manejo equilibrado no combate às pragas e doenças, com um consequente aumento da produtividade agrícola, levando à mesa dos consumidores brasileiros produtos livres de resíduos químicos”

CANA TRANSGÊNICA: UMA AMEAÇA AO QUÍMICO?

Após a liberação comercial da variedade transgênica CTC20BT, criada pelo Centro de Tecnologia Canavieira em junho de 2017, iniciaram-se as fases de produção e distribuição de mudas. Os produtores receberam as primeiras mudas a partir do mês de outubro de 2017. Na safra 2017/18, cerca de 60 usinas da Região Centro-Sul do Brasil plantaram aproximadamente 400 ha da variedade CTC20BT. Essas usinas estão localizadas nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Goiás, Tocantins e Mato Grosso do Sul, representando diferentes ambientes de produção.

De acordo com Viler Janeiro, diretor de Assuntos Corporativos do CTC, até o momento, os relatos recebidos tem sido muito positivos em relação ao controle da broca. “As primeiras avaliações comprovam o desempenho do produto, que apresentou eficiência média de controle de 98,5% quando comparada com variedades convencionais em áreas adjacentes e mesma idade [áreas de refúgio], gerando benefícios estimados de até R$ 1.700/ha.”

Apesar dos bons resultados da BT20 na resistência à broca, Parra acredita que as plantas geneticamente modificadas serão apenas mais uma ferramenta de controle adicional, e não definitivo. “Os exemplos na soja e milho mostraram a seleção de insetos resistentes em curto período de tempo. Além disto, para renovar o parque canavieiro do Brasil levará muitos e muitos anos.”

O professor e consultor da Koppert e BUG, também acredita na cana transgênica como mais uma opção de manejo compatível com o controle biológico. “É importante salientar que tanto os químicos como os transgênicos dependem do controle biológico para evitar a resistência das pragas. Mesmo em áreas onde essas tecnologias são usadas, o controle biológico precisa ser utilizado para evitar a ineficácia a curto ou médio prazo.”

Para os especialistas da Entomol, o manejo de pragas deve ser adotado de maneira integrada, utilizando os diferentes métodos de controle disponíveis em busca da redução dos danos causados na cultura da cana. “Os métodos disponíveis para o controle da broca da cana, incluindo a utilização de plantas transgênicas, podem e devem ser utilizados em conjunto na busca de um manejo sustentável, desde que sejam aplicados da maneira correta. É preciso inclusive proteger as variedades transgênicas da ocorrência de possíveis indivíduos resistentes, usando o controle biológico como ferramenta adicional no manejo da broca, preservando a tecnologia tornando-a mais eficiente e duradoura”, observam.

“Assim como a medicina homeopática não elimina a necessidade de, em determinadas situações, o paciente recorrer aos medicamentos alopatas convencionais, o biológico e a transgenia tem seu espaço ao lado de outras tecnologias de controle. Até pelo fato de que, a despeito da recente celeuma legislativa envolvendo os defensivos químicos, esses insumos, ao lado de outros, foram os principais responsáveis pelo grande salto de produtividade que a agricultura brasileira deu nos últimos 40 anos”, afirma a consultora-executiva da ABCBio.

TECNOLOGIAS BIOLÓGICAS

O panorama geral do mercado de biodefensivos no Brasil indica uma tendência de elevação do seu uso nas últimas décadas. Isso, segundo a consultora-executiva da ABCBio, decorre de uma pressão crescente por parte do consumidor que demanda cada vez mais alimentos com menor teor de resíduo químico, além da pressão de seleção ambiental decorrente de certo desequilíbrio de controle de pragas, o que exige um manejo mais sustentável. “Em razão destes fatores, a perspectiva do segmento de defensivos biológicos é bastante promissora nas próximas décadas, já que são produtos propícios para tais fins”, afirma.

Prova contundente para as boas expectativas é o fato de que hoje, o uso de vírus, bactérias, fungos, nematoides, parasitoides e predadores representa uma fatia ainda pequena, entre 1% e 2% do mercado brasileiro total de defensivos. Na Europa, eles já representam entre 14% e 16% do mercado, e nos Estados Unidos, cerca de 6%. “Considerando que a agricultura brasileira tem se tornado nas últimas décadas uma das mais importantes do mundo, é de se supor que tal progressão no uso de defensivos biológicos ocorra também por aqui.”

O pesquisador do Instituto Biológico diz que apesar da aplicação contínua de inseticidas químicos em cana causar contaminações ambientais e gerar populações das pragas resistentes a essas moléculas, causando prejuízos ainda maiores, o uso de técnicas biológicas depende de produtos disponíveis no mercado em condições de atender a essa demanda.

De acordo com ele, mesmo que atualmente existam 55 empresas que produzem fungos entomopatogênicos e aproximadamente 20 empresas fabricantes de parasitoides para a cana, são necessários mais. “É necessário que as empresas e governo estimulem inovações nessa área, tanto para pesquisa como comercialização e aplicação. Novas moléculas químicas e outros sistemas de controle também são importantes para a sustentabilidade da produção de cana em São Paulo e no Brasil.”

O controle microbiano na América Latina possui as mesmas necessidades do controle biológico de pragas em geral, pois apesar da alta biodiversidade, solo e climas favoráveis de modo geral, ainda são necessários estudos de biodiveridade de organismos entomopatogênicos, visando conhecer novas espécies ou mesmo maior variedade de isolados para pesquisas com seleção de isolados virulentos para as pragas da cana-de-açúcar, principalmente Sphenophorus levis e Migdolus fryanus no Brasil.

“A manutenção de coleções de agentes entomopatógenos é de extrema necessidade para o desenvolvimento de bioinseticidas e é outro desafio nesse processo, pois está envolvido um importante fator legislativo. A maior parte das biofábricas na América Latina são artesanais, pois dependem diretamente de mão de obra nem sempre qualificada, o que encarece o processo, além de não usarem tecnologias envolvidas em Boas Práticas de Fabricação, tornando-as menos competitivas”, conta Almeida.

Ainda de acordo com o pesquisador do Instituto Biológico, as análises qualitativas e quantitativas, relacionadas à concentração, viabilidade, pureza e virulência ou potência para entompatógenos ainda não estão padronizadas. “Talvez para bactérias entompatogênicas tem-se algum avanço, mas para os demais agentes não se tem conceitos definidos quanto a esses parâmetros. A legislação tornou-se um desafio para o desenvolvimento de bioinseticidas a base de entomopatógenos, principalmente no Brasil, por causa da inexistência de uma legislação própria, tanto na parte de registros como no que se refere ao uso de isolados desses agentes entomopatogênicos, por causa da proteção do patrimônio genético nacional”, adiciona.

A expectativa da ABCBio é de uma expansão anual do uso de defensivos biológicos da ordem de ١٥٪ nos próximos anos no Brasil. “Acreditamos que os avanços na utilização do controle biológico de pragas têm se mostrado uniforme no agronegócio brasileiro, alcançando, de maneira geral, as principais culturas, incluindo a cana. Alguns dos grandes empecilhos do consumo efetivo de biodefensivos pelos produtores de cana são decorrentes da escassez de técnicos, consultores especializados no manejo integrado de pragas e do insucesso no consumo de biodefensivos irregulares, de baixa qualidade, comercializados ilegalmente como fertilizantes, sem registro como defensivos ou produzidos em biofábricas sem regulamentação”, finaliza Amélia.

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