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Agrícola

Irrigação contra o déficit hídrico e a favor da produtividade

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O uso da água no sistema de produção de cana não só tem mitigado os efeitos da seca como também trazido redução de custos com fertilizantes

O Centro-Sul do Brasil, principal área produtora de cana-de-açúcar, enfrentou um longo período de estiagem entre 2020 e 2021. Foi a pior seca em 90 anos, o que acelerou o processamento de cana da temporada 2021/22 pelas usinas em meio a uma quebra de safra.

O cenário adverso trouxe reflexos nos índices de produtividade da maioria das usinas e produtores do setor. Dados do histórico de produtividade ao longo de 10 safras mostram que entre as safras 2020/21 e 2021/22 a queda de produtividade média do Centro-Sul chegou a 6,6 t/ha.

Hoje, aproximadamente 50% da cana-de-açúcar do País é produzida na região de Cerrado, de acordo com dados da Embrapa Cerrados. Apesar das vantagens que impulsionaram a cana-de-açúcar para essa região, a concentração do período chuvoso em poucos meses e a baixa capacidade de retenção de água de seus solos implicam em baixa chuva efetiva e reduções da evapotranspiração das plantas.

Além da característica do Bioma Cerrado, o hídrico dessa região tem se agravado com a redução do volume precipitado e o encurtamento da estação chuvosa. Além disso, segundo o pesquisador da Embrapa Cerrados, Vinícius Bof Bufon, há evidências de que as mudanças climáticas globais podem aumentar ainda mais a deficiência hídrica da cana-de-açúcar no Cerrado, o que, além de reduzir o potencial produtivo, encurtaria ainda mais a janela adequada de plantio, elevando ainda mais os custos de produção.

De acordo com o pesquisador, as crises hídrica e econômica da última década levaram à falência dezenas de usinas e, as que sobreviveram, aceleraram o interesse e os investimentos em sistemas irrigados de produção.

Mesmo assim, o sistema irrigado de produção de cana-de-açúcar ainda não ocupa área expressiva no setor sucroenergético brasileiro. Segundo o trabalho do pesquisador, menos de 2% das unidades produtoras de cana possuem alguma fração expressiva e, menos de 1% possuem a maior fração de seus canaviais sob sistema irrigado de produção.

No entanto, a acentuação dos efeitos negativos das secas, cada vez mais frequentes e mais severas tem gerado uma grande onda de interesse no sistema irrigado de produção. De acordo com o pesquisador da Embrapa, são diversas as vantagens técnicas, sociais, financeiras e ambientais da verticalização promovida pelo sistema irrigado de produção de cana-de-açúcar. E não há, por enquanto, nenhum outro novo sistema de produção ou manejo agronômico que possa trazer, em curto e médio prazo, impactos tão substanciais na lucratividade, competitividade e sustentabilidade ao setor sucroenergético brasileiro.

“Por essas razões cresce o consenso de que o sistema irrigado de produção de cana-de-açúcar será, muito em breve, a nova realidade brasileira, ocupando grande fração da área produtiva. No entanto, para acelerar o ganho de escala do sistema irrigado de produção no país, duas frentes precisam ser trabalhadas. A primeira diz respeito à desconstrução de alguns mitos e, a segunda, ao avanço da inovação tecnológica para o estabelecimento de premissas e protocolos cada vez mais sólidos para assegurar ganhos de sustentabilidade econômica, social e ambiental para o setor sucroenergético”, salienta o pesquisador.

Irrigação cresce na cabeça de usinas e produtores  

A BP Bunge conseguiu amenizar o impacto climático graças à localização das suas 11 unidades agroindustriais que estão localizadas em diversos estados do país, como São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Goiás e Tocantins.

“Essa distribuição geográfica com situações climáticas diferentes fez com que o impacto de toda essa seca não fosse tão intenso”, disse Mário Dias Filho, Gerente Corporativo de Desenvolvimento Agronômico da BP Bunge Bioenergia.

Mesmo assim, para reduzir os impactos nas regiões mais secas, a BP Bunge fez um projeto de mitigação de déficit hídrico, que contempla a expansão da irrigação e da fertirrigação (sem vinhaça localizada) com o intuito de auxiliar a brotação e trazer melhora ao ciclo produtivo.

Em 2019, cerca de 20% da área tratada da companhia era irrigada. Para a safra 2022/23, a expectativa é de que a aplicação de água ou vinhaça (fertirrigação) alcance cerca de 60% da área tratada dos 300 mil hectares próprios.

A BP Bunge tem direcionado investimentos para irrigação nas formas de aspersão, pivô e gotejamento. Segundo Dias Filho, quanto mais irrigação a companhia tiver, menor será a exposição a variações climáticas.

“Nossa meta é chegar em 2025 com 70% da área tratada com irrigação, seja ela por salvamento com água ou vinhaça via aspersão (50%) e 20% suplementar via pivô ou gotejamento”, destaca.

Contudo, a BP Bunge quer fazer o uso da água de forma consciente. Para que a captação de fontes externas seja menor e com finalidades bem específicas para irrigação, diversas etapas da operação industrial e agrícola fazem reuso da água nas 11 unidades da BP Bunge. “O uso racional de água e a qualidade dos recursos hídricos, aliás, integram os compromissos sustentáveis da empresa, presentes nas metas ‘Nossos Compromissos 2030’”, disse o gerente Corporativo de Desenvolvimento Agronômico da BP Bunge Bioenergia à RPAnews.

A irrigação nas usinas da BP Bunge é utilizada de forma complementar à outras práticas que auxiliam o aumento da produtividade. Uma delas é a organização da colheita a partir de critérios técnicos e operacionais, que permite priorizar a colheita em solos mais fracos, colocando os solos mais estruturados mais à frente.

“Além do manejo de colheita e da irrigação, outras práticas são utilizadas constantemente para promover o crescimento das raízes, como, por exemplo, incorporação de matéria orgânica, rotação de cultura, aplicação de adubo organomimeral, fertilizantes foliares e estimuladores de desenvolvimento”, adiciona Dias Filho.

A meta da BP Bunge é chegar em 2025 com 70% da área tratada com irrigação, seja ela por salvamento com água ou vinhaça via aspersão (50%) e 20% suplementar via pivô ou gotejamento (Crédito: BP Bunge)

Eduardo Sampaio, produtor de cana e grãos da região de Mococa, SP, sofreu bastante com as chuvas irregulares. Nos últimos dois anos o período de estiagem começou mais cedo, com poucas chuvas já no mês de março, prejudicando principalmente o plantio e, consequentemente, a produtividade do canavial de 1º corte.

“Para piorar, ano passado sofremos, além disso, com três geadas muito fortes e um incêndio de grandes proporções, que atingiu quase 100% das áreas cultivadas”, disse à RPAnews.

Na safra passada a quebra de produção foi de 22%, devido principalmente às geadas e seca. Nesta safra, com 20% da sua área colhida, o produtor observa uma quebra de 8%, em função da baixa produtividade das canas de 1º corte e da brotação ruim, principalmente dos canaviais mais velhos, em função do incêndio ocorrido em setembro de 2021.

Para mitigar os efeitos da estiagem, o produtor tem feito toda a área de reforma de cana com plantio de soja em sistema de plantio direto na palhada. Após a colheita da soja, a cana também é plantada em plantio direto.

“Basicamente tentamos colher todo o canavial com 13 meses, até pelo menos o 4º ou 5º corte. Toda a colheita da cana crua é mecanizada e sem manejo da palha desde a safra 2010/11. Eventualmente, dependendo da disponibilidade e preço, aplicamos vinhaça em alguns talhões”, diz.

Diante da perda causada pela estiagem, em 2021, Sampaio conta que decidiu implementar um projeto de irrigação por gotejamento em uma área de 60 hectares. “A irrigação por gotejamento foi implantada em uma área que corresponde a 5% de toda a sua cana. Em julho o canavial será colhido, mas a estimativa é que atinja a produtividade projetada. Vamos avaliar como vai se comportar a colheita e a brotação inicial, mas a expansão da área de irrigação por gotejo está num horizonte próximo”, afirmou Sampaio, que projeta atingir umTCH próximo a 160 t/ha na área irrigada.

Segundo Daniel Pedrosa, engenheiro agrônomo e especialista da Netafim, responsável pela instalação desse projeto, em sequeiro o produtor atingia em torno de 86 t/ha. “Vi algumas de suas áreas e acredito que esse canavial deva atingir até 180 t/ha”.

Mesmo com manejo de colheita, fertirrigação, o uso da irrigação com água ainda sim é muito importante, de acordo com Sampaio. “Isso por conta dos altos custos que se tem para implementar um canavial, com cada vez mais necessidade de aplicação de novos produtos, além das perdas que podem vir a ocorrer devido à falta de chuvas nos primeiros estágios da produção. Nesse sentido, o gotejo se encaixaria muito bem, não só porque fornece água, mas também porque contribui para a diminuição do pisoteio na lavoura”, afirma o produtor.

Apesar de seu canavial irrigado ainda não ter sido colhido, ele acredita que vá alcançar 50% mais de TCH. O cálculo inicial de amortização do investimento, que se daria no 3º corte, se mantém.

“Comparo a produção canavieira atual com a pecuária de corte extensiva de baixa adoção de tecnologia. Ela pode ter viabilidade econômica em alguma região, mas não na nossa. Com o aumento extraordinário dos custos e operações, sem que tenham se revertido em aumentos consistentes de produção, vejo a irrigação como uma tecnologia importante para se conseguir melhores produtividades. Mas aí acho que vamos chegar a uma encruzilhada importante para o setor, e principalmente para o fornecedor de cana, que tem a TCH como sua única moeda. Ou seja, à medida que o produtor de cana se torna um irrigante, outras culturas mais rentáveis que a cana atualmente começam a aparecer em seu horizonte. Resta saber se o setor vai estar disposto a dividir melhor o bolo ou se conformar em perder seus melhores produtores para outras culturas e continuar com as 70 t/ha de média, que é o que temos visto”, destacou Sampaio.

Cana irrigada por gotejamento do produtor Eduardo Sampaio, da região de Mococa, SP, deve atingir algo em torno de 160 t/ha nessa temporada.

Na safra 2021/22, enquanto a média das usinas do Centro-Sul registrava uma quebra de produtividade, a Bevap Bioenergia atingiu uma média de 109 toneladas por hectare. Com relação ao ATR, a média até maio/22 foi de 140kg/t cana – o que representa cerca de 22 kg de açúcar por tonelada de cana acima da média de São Paulo para o mesmo período.

A usina processou 2,78 milhões de tonelada de cana no último ciclo e espera crescer ainda mais em 2022/23. Para a safra atual, a Bevap espera aumentar sua moagem em 7%, para 3 milhões de toneladas, e alcançar um avanço de 15% no faturamento. A expectativa para o médio prazo, é chegar a 4,5 milhões de toneladas (capacidade instalada) de cana por safra.

Localizada em no Nororeste de Minas Gerais, na cidade de João Pinheiro, a Bevap hoje conta com 30 mil hectares de cultivo de cana-de-açúcar com irrigação plena. São mais de 150 pivôs e irrigação por gotejamento. O projeto da companhia foi concebido e está estrategicamente posicionado numa região que apresenta relevo plano, com diversidade de solos, boa disponibilidade de recursos hídricos, características climáticas ideais para o cultivo da cana-de-açúcar, mas marcadas por longos períodos de estiagem.

Por isso, a Bevap, desde sua concepção, tem investido em projetos de irrigação automatizados e de alta tecnologia. Atualmente, a companhia consome 18 mil metros cúbicos de água por hora, e nesta safra a usina pretende ampliar o consumo para 22 mil metros cúbicos de água por hora.

Foto aérea da Bevap, que irriga seus 30 mil hectares no Noroeste Mineiro.

Gotejo ajuda a reduzir custos com fertilizantes

Mesmo com a alta nos preços dos produtos da cana como, açúcar e etanol, o custo de produção se tornou um grande empecilho para os fornecedores e usinas de todo país. Um dos grandes causadores do aumento de custo é a alta dos fertilizantes causados pela alta do petróleo, a guerra entre Rússia e Ucrânia, e a taxa de câmbio.

“Uma das maneiras de se mitigar a alta dos custos de produção é aumentar a produtividade, verticalizando a produção. Para isso, o sistema de irrigação por gotejamento pode ajudar, pois é o único sistema que consegue aumentar a produtividade em média 50%”, diz.

O sistema de gotejamento possui outra característica fundamental, o uso da fertirrigação, ou seja, a disponibilização de nutrientes via água de irrigação. “A fertirrigação possui muitos benefícios quando comparados a adubação sólida mecanizada. Uma delas é que com a fertirrigação o fertilizante já está dissolvido e pronto para ser utilizado pelas plantas, quando realizamos a adubação sólida, primeiramente o fertilizante tem que ser dissolvido (por chuvas) e somente após isso que ficará disponível para as plantas”, destaca Pedroso.

Além disso, o gotejamento dá acesso às raízes da planta todo o ciclo, sendo possível atender a curva de extração de nutrientes da cultura, ou seja, aplicar o nutriente que a planta precisa, quando ela precisa. Seguindo dessa maneira, nota-se claramente a maior eficiência de absorção nutricional de canaviais que usam a fertirrigação em relação aos que utilizam a adubação sólida.

“Em um case, realizado no estado do Mato Grosso do Sul, em um ano chuvoso, foram aplicados 150 kg de N; 180 kg de Fósforo e 160 kg de Potássio em canaviais irrigados por gotejamento, via fertirrigação e a mesma quantidade, via adubação sólida, em canaviais de sequeiro, observamos nos resultados que a eficiência, ou seja, a conversão kg de fertilizante para produzir 1 tonelada de colmo foi muito melhor no canavial irrigado. As plantas irrigadas precisaram de menos fertilizante para produzir 1 tonelada de colmo”, explica Pedroso.

Os números se repetem na região Oeste de São Paulo, desta vez com um déficit hídrico maior. Nesta região, de acordo com Pedroso, foi observado que mesmo utilizando mais fertilizantes por hectare (150 kg de Nitrogênio; 52 kg de Fósforo e 160 kg de Potássio no sistema irrigado e 100 kg de Nitrogênio; 50 kg de Fósforo e 100 kg de Potássio, no sequeiro) a eficiência foi maior no sistema irrigado.

Além disso, outra característica da fertirrigação é a redução dos custos de produção. Uma simulação realizada pela Netafim, mostra que apesar de uma área irrigada por gotejamento apresentar um maior custo de fertilizantes por hectare, com o aumento de produtividade observa-se que o custo de produção (R$/ton de cana) é menor.

“Com o gotejamento ainda é possível realizar a injeção de vinhaça, na proporção 5% de vinhaça com 95 % de água de maneira rápida e eficiente, reduzindo ainda mais os custos de produção do canavial”, conclui Pedroso.

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