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Agrícola

Irrigação: seguro contra quebra de safra e oscilações de moagem

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Segundo especialistas, com cenário de mudanças climáticas, a irrigação é uma importante ferramenta para reduzir os riscos de quebra de safra

O déficit hídrico acentuado pelo qual o setor canavieiro vem atravessando nos últimos anos, em meio ainda às mudanças climáticas, trouxe como consequência a corrosão da produtividade, oscilação na moagem da cana-de-açúcar e, consequentemente, imprevisibilidade financeira para as usinas e produtores de cana.

As perdas de produtividade que temos observado nos canaviais de sequeiro ao longo dos últimos quatro anos foram grandes. De acordo com Daniel Pedroso, engenheiro agrônomo e especialista da Netafim, há relatos de perdas de produtividades na região Centro-Sul na ordem de 15 a 30% de TCH dependendo da região.

“E isso é um fator muito preocupante, pois se assumirmos uma produção do Centro-Sul de 600 milhões de toneladas e admitirmos uma perda de 15%, estamos falando de 90 milhões de toneladas de cana, ou seja, são mais de 10 usinas de gradíssimo porte que não produziram”, destaca.

A última projeção da Canaplan, mostra que a produtividade média dos canaviais do Centro-Sul na safra 2022/23 deverá atingir 72 t/ha, com leve recuperação na safra 2023/24, chegando a algo em torno de 75,5 t por ha. Apesar da recuperação, no entanto, tudo dependerá do clima em março de 2023, o que pode mudar novamente a curva do TCH, segundo a consultoria.

“Tivemos pico de 87 t/ha em 2020/21, o que mostra que temos potencial de ganhos com adoção de novas tecnologias. Tinha muita coisa que não tinha sido feito de acordo, mas continuamos tendo a dependência climática. Isso ficou claro no ano passado, quando vimos que muitos bons produtores tiveram uma quebra muito acentuada. Quem mais quebrou foi quem mais produziu em 2020”, disse Nilceu Cardoso, engenheiro agrônomo e analista da Canaplan.

Vinicius Bof Buffon, especialista da Embrapa Cerrados, em apresentação realizada no último Irrigacana, disse que um dos maiores problemas hoje para o setor é o déficit hídrico acentuado e destacou que as mudanças climáticas podem vir a trazer cenários ainda piores, dando continuidade a situações de quebra de safra e oscilação de moagem, um verdadeiro pesadelo financeiro para as usinas.

“Cana é commodity, a margem é pequena, se houver oscilação na moagem entre 10% a 20%, a usina não para em pé”, disse.

De acordo com o especialista da Embrapa Cerrados, em um ano normal de clima, ou seja, com radiação, temperatura e velocidade de vento, uma usina da região do Oeste Paulista tem condições de atingir cerca de 150 toneladas na média de 12 cortes. No entanto, segundo Buffon, sem a água para atender esse clima essa usina perde 57 t/ha de produtividade, caindo para um potencial de 94 t/ha (em sequeiro) em cinco cortes, valor que reduz ainda mais, chegando a 74 t/ha devido também a deficiências no manejo.

“No entanto, grande parte dessa perda no manejo é hídrica. Dependendo do pacote tecnológico, se formos falar do plantio, por exemplo, quando ele feito sem chuvas e sem condição de preparo, causa perda hídrica. Um trabalho do professor Paulo Sentelhas, mostra que 75% do nosso problema é hídrico. Isso para um clima padrão, então imagine com a adição das mudanças climáticas?”, indagou Buffon.

Em análise da temperatura média dos anos da mesma usina do Oeste Paulista e das precipitações, o pesquisador da Embrapa Cerrados mostra que ao longo dos anos (de 1987 a 2021) tanto a quantidade de dias com temperatura considerada ótima para a cana-de-açúcar se desenvolver, como dias de precipitações, mostraram uma queda significativa.

“A precipitação total não tem correlação quase nenhuma com a produtividade da cana, mas a precipitação efetiva, ou seja, a água que entra no solo e é absorvida pela raiz e usada ela planta, tem, e isso caiu nos últimos anos. Além disso, temos a questão da distribuição das chuvas, porque com as mudanças climáticas, estamos vendo perda de chuvas pela mudança da janela, com verões cada vez mais curtos, acabando mais cedo e ainda com a presença de veranico”, disse o pesquisador da Embrapa Cerrados.

Na região de Ribeirão Preto, ao analisar a precipitação efetiva proporcional a produtividade, e, logo, a moagem, Buffon mostra que ao longo dos últimos 36 anos, há uma oscilação de 10% na moagem. Nos últimos quatro anos, essa oscilação foi de 12% a 28%.

“Diante disso, como planejar o custo agrícola? Como saber quando reformar? Então, no planejamento estratégico já entendemos que a solução é a irrigação. A primeira forma de enxergar a irrigação dentro do planejamento estratégico é como um seguro contra a quebra de safra. Cada usina vai ter o número que ela deseja, ou seja, de acordo com a quebra de moagem que ela consegue suportar. Isso vai do planejamento de cada negócio.”

Em outro trabalho (capítulo de recente livro, publicado em 2021) Buffon, junto a outros especialistas da Embrapa Cerrados, afirma que a transição de parte da produção de cana-de-açúcar brasileira do sistema de sequeiro para o sistema irrigado não é mais uma dúvida.

De acordo com os especialistas da Embrapa, essa mudança é resultado da já consolidada migração da produção sucroenergética para o Cerrado, da estagnação da produtividade, que é resultado do represamento do potencial genético pelo estresse hídrico acentuado, e da urgência de verticalização da produção, bem como da busca pela eficiência e sustentabilidades econômica, social e ambiental do setor sucroenergético.

“Por essas razões cresce o consenso de que o sistema irrigado de produção de cana-de-açúcar será, muito em breve, a nova realidade brasileira, ocupando grande fração da área produtiva”, disseram os pesquisadores no trabalho.

Usinas e produtores da região Centro-Sul já vêm buscando por mais informações e mesmo investindo mais em sistemas de irrigação. O especialista da Netafim revela que usinas e produtores vêm procurando a companhia para ajudar na execução de planos diretores de irrigação.

“Esse fato pode ser claramente observado com a entrada de grandes empresas do setor no mercado de irrigação e de uma maneira muito agressiva. O que vem demonstrando que finalmente o setor voltou os olhos para a irrigação”, afirma.

 

Irrigação não é bem de luxo, mas é paradigma

Os pesquisadores da Embrapa Cerrados acreditam que para acelerar o ganho de escala do sistema irrigado de produção no país, duas frentes precisam ser trabalhadas. “A primeira diz respeito à desconstrução de alguns mitos e, a segunda, ao avanço da inovação tecnológica para o estabelecimento de premissas e protocolos cada vez mais sólidos para assegurar ganhos de sustentabilidade econômica, social e ambiental para o setor sucroenergético”, salientam em trabalho.

Para Pedroso, o setor de modo geral ainda passa por grandes paradigmas e o primeiro deles diz respeito ao pordutor não ter tradição em irrigação, pois acredita que o volume de chuvas e sua distribuição é o suficiente para garantir a produção de cana-de-açúcar e, devido a isso, volta os olhos para outras tecnologias como variedades, maquinários, insumos etc.

“O setor ainda vê a irrigação como um bem de luxo, ou seja, um ativo extremamente caro. O que não é uma realidade, pois como diz o mercado, caro é aquilo que não se paga. Como podemos dizer que uma tecnologia que leva aumentos de produtividade acima de 50%, sendo que as demais tecnologias falamos de 6, 9, 15%, é cara? Caro, no meu ponto de vista é produzir menos de um terço do potencial genético de uma cultura, caro é deixar um mega investimento, como a indústria, ociosa. Isso é caro”, destacou Pedroso.

Outra dificuldade que impede muitas usinas de irrigar é a questão do arrendamento de terra. Isto porque normalmente os contratos são feitos por usinas e mesmo produtores são por um período de 10 anos. “Ou seja, elas têm receio em investir em terras de terceiros e com isso perder o investimento”, completa Pedroso.

Crédito: Netafim

Mais produtividade e estabilidade na moagem

Grandes aumentos na produtividade têm sido observados nos canaviais que antes eram de sequeiro. Segundo Pedroso, também é possível ver a estabilização no fornecimento de matéria-prima para a indústria ao longo dos meses.

“É normal que nos canaviais de meio e, principalmente, nos de final de safra, haja grande queda de produtividade e, com isso, como a capacidade de moagem de uma indústria é constante, observamos ociosidade. Agora, quando irrigamos esses canaviais, aumentando a produtividade, há maior fornecimento de matéria-prima para a indústria nessa época. Além disso, a colheita de cana irrigada no meio e final de safra vem levando a colheita de canaviais de sequeiro nas melhores épocas, ou seja, no início da safra, onde o déficit hídrico é ainda pequeno”, salienta Pedroso.

Nos clientes irrigantes, Pedroso diz que a companhia tem observado ganhos de mais de 50% de aumento de TCH, dependendo da região e da idade do canavial. Usinas de Minas Gerais tem obtido cifras acima de 140 t/ha em seu 5 corte, canas com longevidade acima de 12 anos e com média de produtividade acima de 100 t/ha.

“No nordeste brasileiro, vemos produtividades acima de 100% quando comparado ao sequeiro. E até caso de grandes grupos de São Paulo que estão aumentando sua média de produtividade na ordem de 70%. A longevidade ajuda na redução do custo de renovação, pois esse custo hoje é próximo de R$ 12 mil por hectare, um valor muito alto, portanto, adiar o máximo possível e ainda contando com aumento de TCH é um estratégia interessante”, disse Pedroso.

Cana irrigada por gotejamento na região de Ribeirão Preto, SP. A produtividade atingida pela usina foi de Cana de Usina, 190 t/ha com 16 meses (Credito: Netafim)

Planejamento estratégico e manejo

Antes de pensar em realizar um planejamento estratégico para irrigar, primeiramente é preciso ter em mente qual o objetivo e quando irá utilizar a irrigação. Será em início, meio ou final de safra? Depois disso, é preciso escolher quais as áreas que serão irrigadas e se elas possuem um mínimo de infraestrutura, como água (em um volume correspondente com a dimensão da área a ser irrigada) e energia elétrica, além disso, é preciso saber as limitações do solo, quais pragas atuam por ali e o tipo de topografia.

“Após isso, será a hora de determinar qual o equipamento de irrigação que irá utilizar através de suas características”, explica Pedroso.

Outro detalhe a ser observado é o tipo de manejo que se dará a cana irrigada, que não é como na cana de sequeiro. Segundo Pedroso, hoje o maior erro é que muitos produtores ainda tratam o sistema de irrigação apenas como um equipamento de molhação, ou seja, aplicam a água sem nenhum critério.

“É o famoso ‘Não choveu irriga, choveu não irriga’. Mas o que eles têm que entender que a água é um insumo de produção e não simplesmente um substituto das chuvas. Entender que canavial irrigado é diferente de canavial de sequeiro + água é fundamental”, destaca.

Tendo isso em mente, todo o manejo de irrigação/fertirrigação, segundo ele, deve ser realizado através de critério técnicos em que se leve em consideração a umidade que já está no solo, sua capacidade de retenção de água, a necessidade diária de água das plantas.

“Isso vale para a adubação (fertirrigação) e os produtores e usinas devem conhecer a cultura de absorção de nutriente da cultura e desta maneira aplicar o nutriente que a planta precisa, quando ela precisa”, conclui o engenheiro agrônomo e especialista da Netafim.

De acordo com o analista da Canaplan, nesse momento, de safra (2022/23) seca, existe um nicho na maior parte do Centro-Sul para uso da irrigação. “Então, pensando em sustentabilidade, por que vou utilizar água para irrigação? Para não ter instabilidade na minha produção. Significa ter maior estabilidade do que eu vou ofertar ao meu comercial. Tenho mais controle do meu sistema nas mãos. Além disso, tem os ganhos indiretos como, redução dos custos pelos impactos indiretos nas operações. Mas temos os desafios. Precisamos ser eficientes no uso da água, que vai impactar na redução das emissões”, afirmou Cardoso.

Um estudo foi feito pela Canaplan em parceria com a Netafim, considerando uma usina em um cenário de vários anos, pensando até a safra 2037/38, ou seja, um investimento de longo prazo. Se essa usina estabiliza uma expansão gradativa de 1000 hectares por ano, com o intuito de pagar o investimento no sistema gotejo, ela conseguiria um ganho de 217 mil toneladas de cana. Em momentos de pico de seca, por exemplo, esse retorno chegaria a 340 mil toneladas. Esses dados foram feitos pegando produtividade do Centro-Sul no terço final de safra, que é o pior cenário.

“O sucesso da adoção da irrigação vai exigir sacrifícios, continuidade do trabalho e novas formas de pensar. Se não conseguirmos fazer nada nesse sentido, vamos continuar sempre falando da mesma situação do Centro-Sul, oscilando entre 70 e 78 toneladas por hectare e à mercê das condições ambientais”, concluiu.

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