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Opinião

[Opinião] Açúcar: conversa de passarinho

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As chuvas intermitentes no porto de Santos vêm causando impacto na logística do escoamento de açúcar proveniente das zonas produtivas. A ocorrência de chuvas acarreta uma pausa nos procedimentos de embarque no porto, já que as operações portuárias para carga de açúcar requerem condições climáticas adequadas para sua execução.

Diante deste cenário, as tradings se veem na contingência de suspender temporariamente o transporte de açúcar das usinas, pois a continuidade do processo fica comprometida sem a possibilidade de embarque, com terminais lotados. Como consequência direta, as usinas enfrentam um dilema operacional: dado que o açúcar recém-produzido não pode ser despachado e o espaço de armazenamento é finito, surge a necessidade de interromper a produção. Vão produzir etanol, então? Não é bem assim, como se sabe.

Algumas usinas têm observado que sua produção superará as quantidades previamente acordadas nos contratos comerciais estabelecidos com as tradings, resultando em um excedente de açúcar. Esta situação de produção superavitária, naturalmente, implica que o volume adicional de açúcar não estava contemplado pelo comprador nos planejamentos logísticos iniciais para o transporte até o porto.

Diante dessa oferta ampliada e não comprometida por contratos, as tradings encontram uma oportunidade de negociação. Elas capitalizam sobre o gargalo logístico existente e a maior disponibilidade de açúcar das usinas para propor aquisições desse excedente a preços mais vantajosos. Segundo relatos de algumas fontes do mercado, os descontos oferecidos nessas compras adicionais podem atingir um desconto de 250 a 300 pontos.

A usina se depara com uma decisão comercial crítica: aceitar a venda de açúcar com um desconto significativo proposto pelas tradings ou redirecionar a produção para o etanol, o qual está sujeito a um desconto de 1.350 pontos no mercado doméstico. Ao ponderar suas opções, a usina pode ser influenciada pela necessidade imediata de liquidez e pela avaliação de que uma venda com desconto ainda pode ser preferível a uma situação de prejuízo ou de custos fixos elevados sem a correspondente receita.

O desconto profundo oferecido pelas tradings, apesar de desfavorável, pode ser visto como uma alternativa viável sob as atuais circunstâncias. As tradings, por sua vez, apresentam um argumento comercial baseado na logística portuária. Elas podem justificar o desconto com base no aumento do tempo de espera para o carregamento nos navios no porto de Santos, que pode chegar a aproximadamente 32 dias. Este atraso no lineup portuário implica em custos adicionais que as tradings buscam mitigar através do desconto proposto. Diante do exposto, a usina pode considerar a oferta das tradings como a opção mais pragmática, optando por concretizar a venda mesmo com a redução de margem, ao invés de enfrentar os desafios e incertezas do mercado de etanol interno.

O congestionamento no porto é uma condição temporária, e se espera que se normalize com o tempo. O consenso de mercado é que o atual lineup não perdurará até o início da próxima safra no Centro-Sul. Historicamente, o primeiro trimestre é reconhecido por registrar volumes menores de embarque de açúcar, representando cerca de 19% do total anual, o que significa que uma diminuição no fluxo de açúcar direcionado ao porto neste período é esperada e pode ser considerada dentro da normalidade sazonal. Com a previsão de uma redução natural na fila de espera para embarques, as tradings estão posicionadas para aproveitar o momento de transição.

Com um desconto dessa magnitude, dá até para as tradings entregarem o açúcar comprado “sem custo” contra a expiração do contrato futuro de julho/24 ainda que a compra tenha sido contra o vencimento março/24. Um experiente executivo do mercado me diz que foi por essa razão que uma grande trading entregou açúcar contra o vencimento outubro/23. Ela poderia – segundo ele – ter vendido o spread V23/H24 (ou seja, vendeu o outubro/23 e comprou concomitantemente o março/24). Entregou o produto em outubro/23 (na perna vendida) e vai receber em março/24 (na perna comprada) a ser precificado com esse desconto. Segundo o mesmo executivo, tem mais de 50 dólares por tonelada na mesa nessa operação.

Os animados altistas esperam ansiosos que até o final do ano o mercado os ouça e negocie nos 30 centavos de dólar por libra-peso. Para que tal cenário se materialize, é essencial que os fundos especulativos assumam uma postura agressiva de compra, impulsionando assim o mercado na direção desejada. Os fundos especulativos, ao invés de acumular posições compradoras, optaram por uma liquidação significativa de 17.700 lotes segundo o COT (Commitment of Traders), o relatório dos comitentes publicado hoje pelo CFTC (Commodity Futures Trading Commission), a agência americana reguladora do mercado de commodities, com base na posição de terça-feira passada.

Tem sido esse ioiô infernal. Liquidam a posição, depois entram comprando, depois liquidam, depois entram comprando de novo e assim vai. Nas últimas duas semanas, essa atividade tem mantido os preços do açúcar confinados em um intervalo estreito e relativamente estático: quando o mercado se aproxima de 28 centavos de dólar por libra-peso, surge pressão vendedora; inversamente, ao atingir a marca de 26.50 centavos, compradores entram no mercado, fornecendo suporte aos preços. Essa alternância entre pressões de compra e venda cria um ciclo que pode ser frustrante para aqueles que buscam uma tendência mais definida e oportunidades claras de negociação. Vamos ver quanto tempo dura essa brincadeira.

Na semana, NY encerrou a sexta-feira com o vencimento março/24 cotado a 27.78 centavos de dólar por libra-peso, uma variação positiva de 44 pontos (9.70 dólares por tonelada) em relação à semana anterior. Todos os meses de vencimento até julho/26 encerraram com valorização média de 31 pontos (6.80 dólares por tonelada). O real, no entanto, apresentou valorização acumulada na semana frente ao dólar em 2.26%, com a moeda americana fechando a R$ 4,9030. Essa valorização fez com que o valor médio das cotações de NY convertidas na moeda brasileira tenha encolhido cerca de 30 reais por tonelada. Ou seja, o valor líquido desta semana – apesar da alta de NY – é inferior ao da semana anterior.

Um passarinho muito bem informado com suas asas mergulhadas no mercado indiano de açúcar sussurrou no meu ouvido que poderíamos estar dando adeus aos dias de açúcar a preço de ouro em breve. Segundo ele, prepare-se para piscar e ver o preço descer para 25 centavos de dólar por libra-peso mais rápido do que se desenrola um tapete de boas-vindas. E não para por aí: segundo ele, as conversas do próximo Sugar Dinner em Londres vão ter um sabor um pouco mais amargo, com o preço possivelmente caindo para 23 centavos de dólar por libra-peso. Encerro por aqui.

 

 

*Arnaldo Luiz Corrêa é analista de Mercado e diretor da Archer Consulting

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