Como os incêndios em Áreas de Preservação Permanente impactam o agronegócio e quais medidas legais e preventivas podem proteger o produtor rural
As Áreas de Preservação Permanente (APPs) são fundamentais para a manutenção do equilíbrio ambiental nas propriedades rurais. Presentes nas margens de rios, nascentes, encostas e outros pontos sensíveis, essas áreas estão protegidas pela Lei nº 12.651/2012 (o Código Florestal), e exercem funções vitais como a proteção dos recursos hídricos, a estabilidade do solo e a conservação da biodiversidade.
Entretanto, nos últimos anos, incêndios em APPs têm se tornado um desafio crescente para o agronegócio. Esses eventos não apenas causam perdas ambientais graves, mas também expõem produtores a riscos jurídicos e financeiros significativos. Neste artigo, discutimos as implicações desses incêndios e os caminhos possíveis para a prevenção e proteção eficaz das propriedades rurais.
O que diz a lei: dever de preservar e recuperar
De acordo com o Código Florestal, a responsabilidade pela preservação e recuperação das APPs é objetiva. Isso significa que o produtor rural pode ser responsabilizado mesmo quando o dano for causado por terceiros ou por fatores naturais. O artigo 38, por exemplo, estabelece que cabe ao proprietário recuperar, às suas expensas, as áreas degradadas.
Além disso, provocar incêndios em florestas ou áreas protegidas é considerado crime ambiental, conforme o artigo 41 da Lei nº 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais), com penas que vão desde multas até detenção. Quando o fogo atinge uma APP, as consequências são ainda mais severas, devido à proteção legal reforçada dessas áreas.
Quando o fogo se torna armadilha
A prática da queima controlada ainda é utilizada em algumas regiões como técnica de manejo agrícola, mas, quando feita de forma inadequada, pode transformar-se em uma verdadeira armadilha jurídica. Durante os períodos de seca, a vegetação ressecada se torna combustível fácil para incêndios que fogem do controle, colocando em risco não apenas o meio ambiente, mas também a reputação e a sustentabilidade das propriedades.
As consequências são abrangentes: o produtor pode ser responsabilizado civilmente, sendo obrigado a recompor a área degradada e a indenizar terceiros afetados; administrativamente, com multas e embargos; e penalmente, pela prática de crime ambiental.
Boas práticas: prevenção e gestão estratégica
A prevenção é a chave para evitar prejuízos. A primeira medida é manter a regularidade documental, com Cadastro Ambiental Rural (CAR) atualizado, licenças em dia e laudos técnicos que comprovem boas práticas ambientais. Além disso, a adoção de medidas concretas de prevenção é essencial.
Entre essas medidas estão:
- Aceiros: faixas de terra sem vegetação ao redor das áreas protegidas, que dificultam a propagação do fogo;
- Brigadas de incêndio: equipes treinadas para o combate rápido em caso de focos de calor;
- Monitoramento via satélite e drones: ferramentas tecnológicas que permitem a detecção precoce e a resposta ágil;
- Protocolos de emergência: planos de evacuação, comunicação com autoridades e contenção de danos.
Além disso, o suporte de uma assessoria jurídica especializada pode ser crucial tanto na fase de planejamento quanto na eventual necessidade de defesa administrativa ou judicial. Um bom planejamento jurídico também envolve a formalização de acordos com vizinhos e comunidades locais, promovendo planos de contingência conjuntos.
Apoio institucional e incentivos para quem preserva
Diversas instituições públicas e privadas oferecem apoio técnico e financeiro a produtores que investem na preservação ambiental. Programas de crédito rural com juros mais baixos, iniciativas de pagamento por serviços ambientais e certificações de sustentabilidade são algumas das oportunidades disponíveis para quem adota boas práticas de manejo e proteção das APPs.
Outra medida interessante é a elaboração de um Plano de Queima Prescrita, documento técnico que estabelece critérios seguros para a utilização controlada do fogo, em conformidade com a legislação ambiental. Quando validado pelos órgãos competentes, esse plano pode prevenir autuações e facilitar a comprovação de diligência em caso de incidentes.
A importância do Junho Verde na conscientização sobre queimadas
O mês de junho marca, em todo o Brasil, a campanha do Junho Verde, uma iniciativa voltada à promoção da educação ambiental e da conscientização sobre a importância da preservação dos ecossistemas. No contexto das APPs, essa campanha ganha destaque como ferramenta estratégica para alertar produtores, comunidades rurais e gestores públicos sobre os riscos e responsabilidades relacionados às queimadas.
É durante o Junho Verde que muitas instituições intensificam ações educativas e de fiscalização, além de promoverem o debate sobre políticas públicas ambientais. Para o agronegócio, essa é uma oportunidade valiosa de reforçar o compromisso com a sustentabilidade e de se posicionar como aliado na luta contra a degradação ambiental.
Conclusão
Incêndios em Áreas de Preservação Permanente não são apenas uma ameaça ecológica: representam um grave risco jurídico e econômico para o agronegócio. A legislação brasileira é clara ao impor responsabilidades severas aos produtores que não adotam medidas preventivas eficazes. Por isso, é fundamental que as propriedades rurais invistam em gestão ambiental, tecnologias de monitoramento, planos de prevenção e apoio jurídico qualificado.
O Junho Verde vem lembrar que preservar não é apenas uma obrigação legal, mas uma necessidade estratégica. Mais do que nunca, o futuro do agronegócio depende de práticas sustentáveis, de respeito à natureza e de ações preventivas que evitem que o fogo transforme oportunidades em prejuízo. A proteção das APPs é, portanto, um compromisso com o presente e um investimento no amanhã.
* Janaína Stein é Advogada do escritório Martinez e Associados. É Mestre em Sistema Constitucional de Garantia de Direitos. Com formação executiva em Agro e Meio Ambiente pelo Insper/Columbia Climate School. Membro da Comissão de Direito Ambiental e sustentabilidade da 25ª Subseção da OAB e membro do Comitê de Ética no Uso de Animais em Pesquisa Científica pela UNESP. Atuante no setor contencioso e consultivo, com foco no setor agroindustrial em títulos executivos, direito ambiental e conflitos contratuais cíveis.