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Agrícola

Os segredos do uso da palha na cogeração de energia

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Por: Alisson Henrique 

A palha da cana-de-açúcar passou a ser olhada com mais atenção no âmbito energético a partir dos anos 90. Isso, devido, principalmente, aos trabalhos de instituições como CTC (Centro de Tecnologia Canavieira) e Esalq/USP (Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo).

Nessa época, os pesquisadores produziram conhecimentos relevantes sobre quantidades disponíveis de palha no campo, impactos agrícolas e possíveis rotas de recolhimento. Essas informações possibilitaram a elaboração de inúmeros estudos e análises detalhadas sobre os impactos energéticos e econômicos do recolhimento e uso da palha para a geração de energia.

A crise que assolou o setor nos últimos anos fez com que as usinas passassem a buscar alternativas e apostar em tecnologias e no uso mais eficiente dos resíduos da produção – como o bagaço e a vinhaça. A cogeração da palha, porém, foi uma das que menos tiveram adeptos no setor.

Segundo levantamento feito pela revista RPAnews, atualmente, no Brasil, aproximadamente 18 usinas têm feito ou já fizeram, em algum momento, o recolhimento da palha da cana-de-açúcar para produção de energia.

A Unica (União da Indústria de Cana-de-açúcar), através do seu gerente de Bioeletricidade, Zilmar Souza, afirmou não ter uma levantamento oficial sobre o número de unidades que tem recolhido a matéria-prima para gerar energia.

Provavelmente, um dos fatores que tem feito com que as usinas não se arrisquem em investimentos no recolhimento da palha seja a falta de um planejamento adequado. Viler Janeiro, diretor de Assuntos Corporativos do CTC, explica que alguns itens devem ser levados em consideração para o desenvolvimento de um projeto de recolhimento de palha.

Dentre os quais se destacam o tamanho da usina (moagem total e horária), a área de cana própria, a disponibilidade da unidade para gerar e exportar energia elétrica excedente, e as características das caldeiras.

O levantamento da disponibilidade de palha e a via escolhida para o recolhimento da matéria-prima também deve receber atenções especiais para que a produção seja rentável.

A coleta da palha pode ser feita logo no momento da colheita, através do seu transporte, junto com os toletes de cana picada, para que, posteriormente, seja feita a separação nas estações de limpeza a seco ou por enfardadora, alguns dias depois da colheita.

A Usina Ferrari, que iniciou o projeto de recolhimento da palha em 2014 e deu início as operações em julho 2015, tem hoje um dos modelos mais bem-sucedidos quando o assunto é aproveitamento da palha.

Segundo Hênio J. Respondovesk Junior, gerente Industrial Geral da Ferrari, os principais fatores levados em consideração para o investimento foram quantidade de energia elétrica exportada para a rede, a necessidade de biomassa para cumprir a meta de exportação e a moagem total da usina.

Segundo Junior, os custos totais dos investimentos, que englobam a parte agrícola e industrial chegam a aproximadamente R$ 23 milhões para a capacidade de 25 t/ha palha.

A Usina da Pedra desenvolveu um modelo de recolhimento de palha na safra de 2012. Segundo Marcus Afonso Ramos, gerente de Motomecanização da Usina da Pedra, entre os fatores levados em conta para o uso da matéria-prima, destacam-se a umidade da palha abaixo de 15%, a impureza mineral abaixo de 5% e o custo compatível, visando à geração de energia elétrica.

“Recolhemos aproximadamente 50% da palha proveniente da colheita da cana crua, o que corresponde, em média, a 6 t/ha”.

Marcelo Pierossi, sócio da Lidera Consultoria e Projetos, explica que na maioria das vezes a palha, seca pelo sol, é depositada no solo e depois recolhida através de uma série de operações como o aleiramento, enfardamento, recolhimento dos fardos, e transporte para usina onde são processados para a queima.

“Existem também poucas unidades que recolhem a palha através do uso de forrageiras autopropelidas, que as picam e as lançam diretamente nos caminhões. O método mais utilizado é o enfardamento. No entanto, algumas unidades também aproveitam a palha separada nas estações de limpeza a seco para queima”, comenta Pierossi.

TORNANDO O USO DA PALHA VIÁVEL  

Todas as usinas que buscam um projeto de recolhimento de palha economicamente viável fazem uma comparação entre os custos de recolhimento da palha versus o valor da energia elétrica comercializada com referência no PLD (mercado livre).

Já por enfardamento, a conta é feita pelo custo do recolhimento e processamento da palha entregue na caldeira mais os custos de geração de energia elétrica (EE), que deve ser compensado pelo valor recebido pela venda da energia elétrica excedente.

No entanto, segundo Janeiro, do CTC, um projeto bem estruturado deveria avaliar a quantidade de palha disponível, o custo de recolher e processar essa biomassa, e o custo de geração de energia por este processo.

Desta forma, a unidade poderia firmar contratos de fornecimento de energia de médio e longo prazo com preços mais firmes e favoráveis, dando garantias ao investimento.

“Na via por SLS (Sistema de Limpeza a Seco), além dos ganhos proporcionados pela comercialização de energia elétrica excedente, também devem ser considerados outros ganhos proporcionados pelo sistema, tais como o acréscimo de capacidade de processamento e extração, e redução de perdas e manutenção”, acrescenta.

Para Pierossi, o processo de decisão para a realização do projeto de aproveitamento é complexo e envolve diversas variáveis que são quantitativas e qualitativas. Para ajudar o processo de tomada de decisão, ele revela ter criado uma metodologia baseada em seis dimensões que devem ser levadas em conta neste processo. As dimensões são:

Garantia de fornecimento – relacionada à garantia de entrega de biomassa conforme descrita em projeto. A produção de fardos é de mais fácil contabilização do que a palha que vem junto com a cana, em virtude de sua variação devido à umidade, condições de colheita entre outras;

Operações Agrícolas – aqui, leva-se em conta a adequação de cada rota às necessidades e características do planejamento, bem como os respectivos custos;

Processamento Industrial – equipamentos e sistemas necessários, bem como seu custo e características de operação;

Qualidade da matéria-prima – muito importante nos projetos de cogeração de energia elétrica, pois existem grandes diferenças nas matérias-primas entregues por cada uma das rotas, principalmente com relação à umidade e consequentemente o poder calorífico, densidade e também a quantidade de impurezas minerais. Estas propriedades variam em função da rota escolhida;

Armazenamento – a necessidade de armazenamento para cada rota é totalmente diferente e isso também deve ser considerado durante a execução do projeto;

Investimento – última dimensão que preocupa-se apenas com os investimentos necessários para a operação agrícola, processamento industrial e armazenamento em cada uma das rotas.

De forma geral, os projetos para aproveitamento da palha são profundos, com diferentes dimensões a serem consideradas nos estudos para definição do melhor caminho. Estas dimensões têm variáveis que devem ser levantadas considerando cada um dos casos, não existindo uma única solução perfeita e ideal.

“As unidades que estão fazendo o recolhimento da palha estão fazendo de forma rentável e viável, e seu segredo vem de dois fatores: escala de produção adequada e tecnologia.

Além, claro, do preço de venda da energia elétrica que remunera adequadamente todos seus custos.  A palha vem sendo recolhida em usinas que tem contratos de geração de energia elétrica com melhores condições e isso torna a prática viável”, afirma Pierossi.

TECNOLOGIAS PARA O MELHOR APROVEITAMENTO

Segundo levantamentos recentes, aproximadamente 20% das unidades sucroenergéticas possuem recolhimento de palha sistematizado. Destas, cerca de 60% trazem palha junto com a carga de cana, 35% as trazem enfardadas e 5% tem opção para utilizar os dois sistemas.

O diretor de Assuntos Corporativos do CTC explica que, considerando o estágio atual da tecnologia, as unidades que optam por trazer palha junto com a carga de cana para aumentar a disponibilidade de biomassa e cumprir seus contratos de energia elétrica deveriam operar um SLS (sistema de limpeza a seco), evitando a passagem desta biomassa pelas moendas, o que traz consequências negativas na capacidade de moagem, extração e qualidade do caldo.

Para isto, o CTC desenvolveu, patenteou e disponibiliza as usinas um SLS com eficiência superior a 60%, comprovada através de vários ensaios em diferentes condições. A limpeza da matéria-prima vem sendo apontada como um dos principais gargalos no aproveitamento da palha para a cogeração.

O CTC aconselha que as impurezas minerais presentes na palha enfardada e, mais significativamente, na palha separada pelas estações de limpeza a seco, sejam retiradas do processo, evitando desgastes nas caldeiras.

“Grande parte das unidades utilizam peneiras rotativas para a separação das impurezas minerais. No condicionamento, manter a granulometria da palha próxima a do bagaço também é importante para um bom aproveitamento energético na queima desta biomassa. Trituradores de facas ou martelos são utilizados no condicionamento da palha para esta finalidade”, explica Janeiro.

Fábio Cordeiro Silva, supervisor de Operações da Usina Nardini, que realiza o recolhimento da palha desde 2013, conta que a empresa utiliza enfardadoras e carregadoras para realizar a operação.

A estrutura utilizada é composta por um aleirador, duas enfardadoras, duas carregadoras e dois caminhões. “São recolhidos aproximadamente 60% da palha, o que corresponde a 8,5 t de palha por ha. Com o recolhimento foi possível um aumento de 6% da exportação total de energia”, revela.

Luiz Gustavo Junqueira Figueiredo, diretor Comercial da Usina Alta Mogiana, conta que a unidade faz a colheita da sua palha através de enfardadoras, que são recebidos por uma esteira independente da moagem da cana, onde são cortados em partes menores e juntam-se ao bagaço para alimentar as caldeiras.

De acordo com Figueiredo, antes que começar a recolher a palha, a empresa realizou uma série de levantamentos e somente depois de um ano passou a fazer o processo.

“Começamos a fazer investimentos na safra de 2015. Utilizamos o método de recolhimento de fardo com palha inteira e trituração na indústria. Os blocos, que podem atingir até 500 kg de palha, dependendo a umidade, são enviados para o processamento industrial em caminhões. Há maior densidade de carga de cana, menor custo de transporte e, na moenda, a extração é melhor, com menor desgaste do equipamento”, revela.

Hoje, Usina da Pedra utiliza enfardadoras prismáticas que produzem fardos a partir da palha previamente enleirada. Os fardos produzidos são recolhidos através de uma carreta e depositados num pátio, onde é realizado o carregamento nos caminhões que os levam para a trituração.

“Na indústria, possuímos um triturador horizontal fixo que em operação produz uma grande quantidade de poeira ao triturar os fardos. Para resolver este problema, em pontos específicos do triturador, fizemos um enclausuramento do local. Lá se aspira o pó produzido, direcionando-o para ser pulverizado com água”, conta Ramos.

Na busca pelo aprimoramento da operação e eliminação da trituração de fardos, a Reunion Engenharia está trazendo uma nova tecnologia para atender a queima da palha sem que seja necessário haver a trituração.

Tercio Marques Dalla Vecchia, engenheiro e CEO da empresa, explica que neste modelo, os fardos são transportados por um sistema de correntes através de um túnel até o escarificador, cuja finalidade é desfazer o fardo.

A palha solta é encaminhada para dentro da fornalha por roscas que empurram a massa por um duto resfriado a água para dentro da fornalha. A grelha é do tipo vibratória resfriada a água, o que é importante, pois a temperatura da fornalha quando se usa palha seca é muito maior do que uma caldeira a bagaço.

No aspecto corrosividade, a caldeira apresenta muitas vantagens como a formação de um filme protetor nos superaquecedores pelo conhecimento adequado da temperatura de fusão da fuligem.

“Como a palha não é bagaço, não deve ser tratada como tal. A potência consumida e os problemas operacionais para triturar a palha são muito grandes, principalmente pela quantidade de matéria mineral que acompanha a cana. As caldeiras de palha têm um projeto muito diferente das caldeiras para queimar bagaço. Então, ter caldeiras que queimem diretamente os fardos da palha seria o ideal,” opina Dalla Vecchia.

 

PALA TRAZIDA VIA COLHEDORA DE CANA

– Baixa eficiência dos sistemas de separação (60%).

– Interferência negativa no processo (extração, tratamento do caldo, cozimento, fermentação, cor do açúcar e outros);

– Umidade de aproximadamente 40% a 60%;

– A palha, por não ter secado no campo, é rica em Cl (Cloro), o principal elemento causador de corrosão;

– Depois da palha ter sido separada, é triturada para ficar na mesma condição física do bagaço e, assim, poder ser alimentada nas caldeiras, projetadas para bagaço de cana. A potência consumida é muito alta, cerca de 7 KW por t de palha.

 

 

PALHA ENFARDADA

A palha é separada da cana no campo é deixada no solo para secar e depois ser enfardada. Então, além de chegar à indústria mais seca e com um PCI muito mais alto que o do bagaço (umidade de 10% a 20%), ela vem com menos cloro.

Inconvenientes

– Necessidade de desenfardar, picar transportar e alimentar a caldeira na mesma condição física do bagaço;

– Alimentadores da caldeira não são preparados para a palha;

– Sobrecarga nos transportadores de bagaço;

– Variação no PCI do combustível, o que ocasiona redução na eficiência da caldeira, que é projetada para uma média;

– Corrosão menor do que a palha fresca, mas ainda acentuada;

PREÇO DA ENERGIA É DESAFIO

A Usina Cevasa teve um projeto de recolhimento de palha por apenas um ano. Paulo Carvalho, responsável pelo Planejamento Industrial da unidade, explica que para fazer o recolhimento, a empresa alugou duas enfardadoras que recolhiam a palha e enviava para a indústria em fardos de aproximadamente 500 kg, que eram triturados e misturados ao bagaço, alimentando as caldeiras para a geração de vapor e energia.

A unidade retirou, ao todo, 12 mil t de palha durante um ano. No entanto, o fator preço foi crucial para que a usina encerrasse suas operações com a palha. “O custo da operação é alto e com a queda no valor de venda da energia, a operação ficou inviável”, afirma Carvalho.

Pierossi salienta que há uma enorme viabilidade na operação, entretanto, a energia gerada pelo insumo tem que ter um preço justo. “Com o ajuste do setor elétrico e preços mais adequados, a palha oferece ao setor uma grande oportunidade de renda adicional ao açúcar e etanol.”

Para o diretor de Assuntos Corporativos do CTC, atualmente, os preços que a matéria-prima vem sendo comercializada já podem ser considerados rentáveis. “Os desafios estão relacionados com a curva de aprendizado destas tecnologias, a integração agroindustrial e sua disseminação, que vai resultar em redução de custos.”

Considerando a safra de 2015 como referência, a Usina da Pedra teve um custo geral para o recolhimento e trituração dos fardos de R$ 136,76 por t, incluindo-se a remuneração de capital de toda a estrutura própria envolvida no processo.

“Precisamos destacar que nesta safra o período de enfardamento foi de abril a outubro, mas estocamos parte da produção que foi processada em novembro e dezembro”, conclui o gerente de Motomecanização Agrícola da Usina da Pedra.

A palha de cana é uma boa opção para geração de excedentes significativos de energia elétrica nas usinas. Segundo o diretor de Assuntos Corporativos do CTC, uma maior utilização da palha depende basicamente da política setorial e de preços com previsibilidade para investimentos.

“Considerando que são processos novos, linhas de financiamentos especiais seriam importantes para maior disseminação do uso da palha. As possibilidades de leilões de energia elétrica específicos para palha de cana também poderiam alavancar e difundir as tecnologias.”

Ainda de acordo com Janeiro, um projeto de usina modelo em uso de palha para cogeração seria o ‘Palha Flex’, uma solução desenvolvida pelo próprio Centro de Tecnologia Canavieira que oferece tecnologias para implantação de sistemas de processamento de palha de cana-de-açúcar em fardos, sistemas de limpeza a seco e sistemas híbridos, customizados de acordo com a necessidade de cada usina. A partir deste aproveitamento da palha de cana é possível ampliar a exportação energia elétrica, incrementando a receita da usina.

“Essa energia elétrica adicional pode variar de acordo com a umidade do material (vinculada ao tipo de rota adotada para o aproveitamento da palha) e em função das condições de vapor utilizadas na termelétrica.

No caso dos sistemas de limpeza a seco, a redução do volume de palha que se destinaria a moenda implica no aumento da capacidade horária de moagem, melhor extração e qualidade do caldo, e menor desgaste de equipamentos”, adiciona.

Como todo projeto no setor sucroenergético, o programa mais interessante depende das características específicas de cada usina, como por exemplo, sua localização, escala de produção, disponibilidade de equipamentos já existentes, distribuição geográfica das áreas de colheita e layout industrial. A planta industrial de demonstração implantada pelo CTC na Usina Ferrari é um exemplo modelo para o uso da palha enfardada.

A instalação conta com um sistema de descarregamento de fardos de grande capacidade e semi-automatizado, possibilitando a movimentação de até 100 mil t de palha enfardada por ano. Além disso, sistemas de retirada de barbantes, limpeza, trituração e despoeiramento também fazem parte da instalação.

“Sem dúvida, o projeto com maior escala e tecnologia de todos é o existente na Usina Ferrari, que é projetado pelo CTC e contempla a melhor tecnologia disponível em todas as operações industriais e possibilita uma escala de produção de grande porte, além de uma matéria-prima de qualidade ao final do processo”, salienta Pierossi.

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