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Edição 185

Recuperação Judicial dá fôlego para superar a crise

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Empresas e usinas voltadas à cadeia sucroenergética e ao agronegócio encontram na recuperação judicial um meio de ultrapassar a crise sem fechar as portas

Natália Cherubin

A crise econômica que atinge as empresas brasileiras nos mais diversos setores fizeram com que o número de pedidos por recuperação judicial nos últimos dois anos crescesse 88% em todo o Brasil. O agronegócio, um dos principais pilares econômicos do país, começa a enxergar a recuperação judicial como forma de superar os duros impactos deixados pela crise. A alta do dólar, que fez disparar o preço dos insumos e sementes, assim como o alto endividamento e as questões climáticas, que destruíram safras inteiras no biênio 2014/15, são os principais fatores que agravaram a situação pela qual muitas empresas enfrentam.

Apesar de esperar por uma significativa retomada a partir deste ano, o setor sucroenergético, que desde 2008 enfrenta severas dificuldades financeiras, teve em 2015 o maior número de usinas entrando em recuperação judicial em um único ano. Para se ter uma ideia, foram 13 no total, somando juntas uma dívida bancária perto da casa dos R$ 8 bilhões. Nos seis anos anteriores, a média anual era de 11 usinas. Um fato que despertou atenção foi que as unidades de médio e grande porte começaram a fazer parte da maior parcela de usinas em recuperação judicial. Se contarmos desde 2008, o País teve 79 usinas entrando em recuperação judicial, número que representa 23% do total de 350 usinas do Brasil.

A recuperação judicial é um instrumento previsto na Lei 11.101/2005 que tem como objetivo viabilizar a superação da crise econômico-financeira, além de permitir soluções flexíveis para reestruturação do endividamento e reorganização das atividades da empresa, possibilitando a manutenção de todos os benefícios gerados pela atividade empresarial, como a geração de empregos, o recolhimento de tributos e preservação das oportunidades de negócios para clientes e fornecedores.

De acordo com Pedro Magalhães Neto, sócio da EXM Partners, a recuperação judicial é uma ferramenta jurídica direcionada às empresas que passam por uma crise aguda, mas que ainda são economicamente viáveis. “Ela tem como objetivo auxiliar o empresário e a sociedade empresária a ganhar um respiro para realizar a readequação do negócio e superar uma crise econômico-financeira de modo a permitir que a manutenção da atividade empresarial continue gerando os benefícios econômicos e sociais, como por exemplo, geração de empregos, circulação de bens, fomento da economia na área de sua influência e geração de tributos ao Estado.”

Para o advogado Ricardo Dosso, sócio do escritório Dossos Advogados, as usinas sucroenergéticas foram prejudicadas sensivelmente pela falta de políticas públicas de incentivo ao setor nos últimos anos. “Foram privilegiados os investimentos em combustíveis fósseis e o uso da Petrobras como instrumento de política monetária e isso prejudicou diretamente a competitividade do etanol. Não podemos esquecer também que as usinas têm um ciclo operacional longo e oneroso, que começa com o custeio dos canaviais e termina apenas com a comercialização do etanol e do açúcar. Seria preciso ter fontes de financiamento muito grandes para prover capital de giro necessário para atravessar todo esse período e, infelizmente, não há crédito e linhas de financiamento para esse fim. Essas circunstâncias, em resumo, que ocasionaram as dezenas de pedidos de recuperação judicial de usinas, além do fechamento de muitas outras.”

Empresas que encontram-se em recuperação

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QUANDO PEDIR?

Quando se fala que uma empresa precisa passar por recuperação judicial, muitos imaginam que o negócio já está fadado à falência. Mas é o contrário. Segundo Neto, a recuperação judicial é direcionada à empresa que ainda é economicamente viável, ou seja, produz um serviço ou produto que tem seu mercado consumidor. No entanto, o erro que muitas empresas cometem é deixar para pedir a recuperação judicial quando já há pouco o que fazer e negociar.

Os sinais para que uma empresa comece a pensar em um possível pedido de recuperação judicial podem variar conforme o perfil e a localização da empresa. “De forma genérica, é importante que o empresário verifique se há, por exemplo, redução no volume de venda, perda da margem de lucro, se a capacidade de geração de caixa é igual ou inferior ao custo de endividamento. Em caso positivo, podemos afirmar que acendeu o sinal amarelo e é necessário realinhar o negócio. Neste caso, o mais indicado é buscar o apoio de especialistas em reestruturação de empresas e recuperação judicial. Não importa o tamanho da empresa, ela pode ser reestruturada e superar a crise. Desde 2005, existem previsões específicas direcionadas para as micro e pequenas empresas”, explica o sócio da EXM Partners.

Atualmente, existem vários fatores que podem acarretar em um pedido de recuperação judicial por parte das usinas. “Esses fatores favoráveis a solicitação podem variar e decorrer de condições externas, oriundas de políticas governamentais, câmbio, fatores climáticos, retração de mercado etc. E também de fatores internos, como obsolência de produtos e serviços que afetam a competitividade da empresa, gestão ineficaz, elevado endividamento, que ocasiona despesas financeiras insustentáveis, enfim, fatores que comprometem as finanças de curto e médio prazo da empresa e que, consequentemente, impossibilitam o pagamento pontual das obrigações assumidas”, explica Dosso.

Hoje, a recuperação é o único instrumento disponível que permite a blindagem da empresa por pelo menos 180 dias, durante os quais ela terá tranquilidade financeira e operacional para reorganizar seus negócios. Dosso explica que a recuperação também faz com que a empresa seja protagonista da negociação com os credores, o que não ocorre quando as tratativas são feitas individualmente. “A força da empresa em recuperação para dialogar com os credores é muito maior do que se não estivesse nessa condição, e o resultado disso tem sido a redução substancial das dívidas e a possibilidade de pagamento com carência e em prazos alongados. ”

Além de opinião parecida com a do sócio do escritório Dossos Advogados, Neto salienta que o pedido de recuperação judicial também tem um lado ruim. “Como desvantagem, acredito que podemos atribuir o fator desgaste. Quando uma empresa faz o requerimento para entrar em recuperação, há um desgaste, não só dos executivos, mas também com relação a imagem da empresa. Isso costuma acontecer por certo tempo, perante seus principais fornecedores. ”

Em caso de empresas com ações na bolsa, com o pedido de recuperação, as negociações das ações são suspensas. A comercialização volta a ocorrer normalmente, mas seus papeis são excluídos dos índices de ações, que são um importante indicador do mercado de ações.

PLANO DE RECUPERAÇÃO

COMO A EMPRESA ENTRA EM
RECUPERAÇÃO JUDICIAL?

O pedido de recuperação judicial deve ser feito na Justiça. A partir do pedido, a empresa tem seis meses para tentar um acordo com credores sobre um plano de recuperação que definirá como sairá da crise financeira. Assim que entra com o pedido de recuperação judicial, a empresa precisa apresentar um processo para o juiz, que analisa a documentação e, se esta estiver completa, dá o despacho que autoriza a recuperação. Após o despacho, a empresa tem 60 dias para apresentar o plano de recuperação à Justiça (caso contrário, o juiz decreta a falência).

É no plano de recuperação que a empresa apresenta os meios pormenorizados, ou seja, os detalhes de como pretende superar sua crise. Nele, devem constar a demonstração da viabilidade econômica do negócio e também laudos de avaliação dos ativos da empresa, elaborado por profissionais habilitados. “No plano, também será apresentada a maneira com que a empresa pretende pagar seus credores, incluindo descontos, prazos e outras condições de pagamento compatíveis com sua geração de caixa”, explica Dosso.

Neto salienta que além do objetivo maior do plano, que é traçar as diretrizes e obrigações que orientarão a empresa a superar a crise, negociando as dívidas com seus credores, o que inclui novos prazos e formatos, é fundamental que a empresa solicitadora apresente detalhes que façam com que seus parceiros voltem a acreditar na empresa. “É essencial que também conste no plano o incentivo para que os credores voltem a apostar na devedora, através de novo dinheiro ou com abertura de crédito”, acrescenta.

A recuperação judicial começa com a apresentação do pedido ao Poder Judiciário no local do principal estabelecimento da empresa. Preenchidos os requisitos legais, é deferido o processamento da recuperação e, neste ato, é nomeado o administrador judicial e são suspensas todas as execuções movidas contra a empresa, justamente para dar fôlego financeiro ao negócio e para que existam condições para elaborar as estratégias de reestruturação.

“Em 60 dias deve ser apresentado o plano de recuperação, e nos 120 dias seguintes, havendo objeção de qualquer credor ao plano, será realizada a assembleia de credores para analisá-lo e votá-lo. Neste período, a empresa deverá dialogar com seus credores e convencê-los a apoiá-la, o que inclui a continuidade no fornecimento de produtos e serviços, abertura de novas linhas de crédito e outras formas de colaboração. A efetiva colaboração de credores é incentivada pela legislação, que lhe possibilita o pagamento dos créditos em condições mais favoráveis do que aquelas previstas para os demais credores”, explica Dosso.

A recuperação judicial é encerrada 24 meses após a decisão judicial que homologa a aprovação do plano, desde que este esteja sendo regularmente cumprido pela empresa. Até esse momento as atividades da empresa continuam sendo fiscalizadas pelo administrador judicial.

A não aprovação do plano ou seu descumprimento podem acarretar a convolação da recuperação judicial em falência. Dada a gravidade da decretação da falência, é comum e recomendável que seja dada à empresa oportunidade para modificação do plano e apresentação de novas condições que possibilitem a preservação de suas atividades. Genericamente, o melhor momento é aquele quando os primeiros sinais de crise já se fazem presentes – como a redução da margem de lucro, a queda no volume de venda, a capacidade de caixa inferior ao endividamento – porém ainda não destruiu os fundamentos econômicos do empreendimento, mantendo o negócio economicamente viável. Os maiores casos de sucesso têm como característica empresas que utilizaram o instrumento de forma preventiva, e não apenas de forma corretiva.

NEGOCIAÇÃO

Mesmo a recuperação judicial parecendo um bom meio de sair da crise e conseguir reconstruir a empresa economicamente, algumas usinas optam por não fazer o pedido, tentando, assim, renegociar suas contas diretamente com seus credores e fornecedores. O caso mais famoso dos últimos anos é o do GVO (Grupo Virgolino de Oliveira), uma das maiores companhias sucroalcooleiras do país, que mesmo com uma dívida estimada em US$ 735 milhões, abriu mão de um processo de recuperação judicial e partiu para a negociação individual com cada credor.

“Achávamos que pedir por recuperação judicial não era o melhor caminho. Acreditávamos que o melhor era conversar com cada um de nossos credores, mostrar boa vontade, mostrar a eles qual era a real situação da empresa, tentar colocar as quanto usinas em operação e, aos pouquinhos, ir adquirindo créditos outra vez. Foi um processo de conversar, quase que corpo a corpo, com cada um deles. Explicamos que a única chance deles poderem receber aquilo que tinham a receber era se a gente voltasse a operar. Era só trabalhando que poderíamos pagar as dívidas”, conta o presidente do GVO, Joamir Alves.

Para ele, o segredo de todo o processo foi manter as informações em aberto e ser honesto, tentando cumprir o que foi negociado. “Eu não tive problema de mostrar a cara e dizer que eu acreditava que íamos moer. Eu acreditava porque nós tínhamos muita cana própria. Isso ajudou o processo de restruturação. A família e as usinas tinham patrimônio. Além disso, a família estava envolvida no processo e se dispôs a atualizar o patrimônio para permitir a recuperação. É uma combinação de crença do executivo, funcionário e o próprio empenho da família em colocar as contas da usina em dia.”

Dosso explica que é natural que usinas e quaisquer outras empresas tentem reestruturar seu passivo sem a necessidade da recuperação judicial, e muitas vezes essa negociação tem êxito. “Em outras situações, no entanto, a pressão dos credores e a não obtenção de acordos compatíveis com sua capacidade de pagamento fazem com que a recuperação judicial seja o meio adequado e necessário para enfrentamento do problema. Ainda há certa resistência de empresas à recuperação judicial, mas creio que o adequado esclarecimento sobre todos os seus aspectos e consequências faz com que deva ser considerada uma alternativa eficaz e realmente poderosa”.

Neto conta que a grande diferença entre as duas ações, a de pedir ou não a recuperação, é que com a solicitação, há uma possibilidade de que as partes envolvidas renegociem não apenas o simples parcelamento de dívida, mas principalmente ajustes operacionais que possibilitarão à empresa retomar a sua atividade e seu desempenho financeiro. Os cenários que identificam o melhor momento para pedir a recuperação judicial podem variar, uma vez que cada caso tem suas particularidades. Uma companhia, por exemplo, pode não estar inadimplente, mas já ter conhecimento que não conseguirá rolar suas dívidas por não ter mais garantias para prestar.

A Dedini, empresa de bens de capital que fornece usinas sucroenergéticas completas, com duas sedes, uma em Piracicaba e outra atualmente parada, na cidade de Sertãozinho, SP, é uma das empresas que entrou em recuperação judicial recentemente. A Dedini apresentou em seu plano de recuperação judicial como pagamento dos débitos dos ex-trabalhadores, além de R$ 15,8 milhões, a venda da Dedini Refratário, a Codistil Nordeste, o pagamento de R$ 480 mil mensais, como também 50% sobre o licenciamento de marcas e patentes.

A empresa enviou comunicado, via assessoria de imprensa, informando que os R$ 15,8 milhões referentes à venda do estacionamento do Shopping Piracicaba já estão depositados na conta do processo de recuperação judicial, para que sejam direcionados aos ex-funcionários. No final de setembro, a Dedini conseguiu a aprovação dos credores para o plano de recuperação que viabilizará a sua retomada. A proposta básica do plano é pagar integralmente, já no primeiro ano, os créditos trabalhistas, de R$ 36,56 milhões. Também no primeiro ano, e com valor integral, seriam pagas as rescisões trabalhistas extraconcursais, estimadas em cerca de R$ 20 milhões. Pelo plano, também serão liquidados 50% do valor devido aos demais credores em 11 anos.

(Colaboração de Alisson Henrique)

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