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Como a política do etanol entrou nas delações da Odebrecht

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Herdeiro e ex-presidente da construtora aponta influência sobre medidas do governo Dilma para o setor. Segundo ele, contrapartida foi paga em doações eleitorais.

As delações premiadas dos executivos e ex-executivos da construtora Odebrecht têm revelado ao país um alto grau de influência de agentes do setor privado no governo federal. Além de denúncias de corrupção, caixa dois e doação eleitoral em troca de contratos superfaturados, a empresa atuava junto ao governo de outras maneiras.

Um exemplo está no depoimento em que Marcelo Odebrecht, herdeiro e principal nome do grupo, cita a sua atuação para conseguir benefícios para a construtora no setor de etanol, onde tinha dinheiro investido. Num momento em que amargava prejuízos, o grupo conseguiu interferir em política públicas e alterar um decreto que tratava de benefícios para empresários do ramo.

Marcelo disse que, durante uma reunião com o então ministro da Fazenda Guido Mantega, teve acesso a um pacote que seria divulgado no dia seguinte pelo governo. O empresário considerou as medidas de ajuda insuficientes, conseguiu atrasar o anúncio e influenciar no texto final, divulgado em abril de 2013.

“Eu disse para o Guido [Mantega]: ‘Segura esse negócio e vamos botar os técnicos da Unica [União da Indústria de Cana-de-Açúcar] e seu pessoal para resolver esse assunto e vir um pacote razoável’. Era legítimo, mas se eu não tivesse esse acesso, o pacote iria sair e ia ser prejudicado” Marcelo Odebrecht ex-presidente da Odebrecht .

A ajuda ao setor de etanol foi o capítulo mais recente da relação entre governo federal es empresários da área. O Nexo relembra, em quatro momentos, a história recente dessa indústria.

A era dos biocombustíveis

O etanol como um combustível nacional é uma ideia dos tempos da ditadura militar, mas no início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva o setor voltou a ser incentivado no país. Recém-empossado, o petista dizia que o Brasil iria abastecer o mundo com biocombustíveis e chegou a falar dos planos do país em um discurso na Assembleia Geral da ONU.

Os planos do governo vieram ao mesmo tempo da chegada ao mercado dos carros flex, o que incentivou ainda mais os produtores de cana-de-açúcar, matéria-prima para o etanol. De olho na oportunidade, empresários ampliaram investimentos no setor, e outros, como a Odebrecht, entraram pesado no mercado.

Os prejuízos do etanol: A descoberta do pré-sal em 2007, durante o segundo mandato de Lula, mudou o foco de atenção do governo. Os incentivos ao setor foram diminuindo e a política de combustíveis do governo Dilma Rousseff piorou a situação. Durante o primeiro mandato de Dilma, o governo controlou o preço da gasolina no país para impedir o aumento da inflação.

Isso foi possível porque a Petrobras tem praticamente o monopólio do comércio de combustíveis para as refinarias, e o governo, acionista majoritário da companhia, tem poder de decidir a política de preços. Para ser vantajoso, o etanol precisa ser pelo menos 30% mais barato que a gasolina. Com a gasolina artificialmente barata, os empresários se viram obrigados a vender seu produto abaixo do preço, o que agravou a crise no setor.

Usinas foram fechadas e produtores reclamaram muito das políticas adotadas pelo governo, que teriam sido as principais causas da ruína do mercado de etanol.

A ajuda aos empresários: É nesse contexto de crise que Marcelo Odebrecht e Guido Mantega discutiram, em 2013, o pacote para ajudar os empresários. Na versão de Marcelo, as medidas que o governo iria anunciar não resolveriam os problemas dos produtores de etanol. A Odebrecht tinha feito grandes investimentos no setor e, segundo seu ex-presidente, tem dívidas por causa disso até os dias de hoje.

Vendo as medidas que o governo pretendia anunciar, Marcelo pediu que Mantega que adiasse a medida e ouvisse representantes dos empresários. Segundo o delator, técnicos do Ministério da Fazenda discutiram um decreto que já estava pronto com representantes da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar). O resultado foi a isenção da cobrança de PIS/Cofins, tributos federais, sobre o etanol até 2016.

Recentemente, falando de maneira geral, Dilma disse que se arrepende de ter dado benefícios fiscais a empresários. Esse tipo de incentivo ao setor produtivo foi comum na política econômica de seu governo.

Doação para campanha: Marcelo Odebrecht disse em seu depoimento que considera os pedidos que fez ao governo “legítimos”, mas admite que se não fosse um grande doador de campanha não teria conseguido ver seus pleitos atendidos. Ele diz que as alterações feitas eram embasadas tecnicamente, mas foram vistas pelo governo como um benefício à empreiteira.

“Isso tudo era legítimo, foi um problema criado por eles. Infelizmente ele [Mantega] via isso como um benefício que estava dando para a gente, com certeza pesava na cabeça dele quando ele fazia pedido para doar em campanha. Algumas coisas, não tudo, eu conseguia resolver por esse acesso que eu tinha a ele. Uma empresa ou um setor que não tivesse esse acesso, que não fosse grande doador, talvez não teria conseguido resolver”.

Marcelo Odebrecht em depoimento à Procuradoria-Geral da União disse que naquele momento não eram discutidos valores, mas que havia um acordo implícito com o governo. As ajudas à empresa seriam retribuídas com doação em campanha. “A gente [ele e Mantega] criou uma relação em que eu tinha acesso a ele, ele atendia algumas coisas e ele sabia que eu doava. Ao mesmo tempo eu criava esse compromisso implícito [de doar]. É um exemplo de como funcionava o governo”.

Nas palavras do delator, “não foram poucas as reuniões” para tratar dos problemas do setor de etanol. Ou seja, a política econômica do país podia ser pautada, também, pelos interesses dos doadores de campanha. “Ele [Mantega] sabia que eu era um grande doador. Se ele não começasse a resolver uma parte dos problemas que eu levava para ele, legítimos ou não, eu ia criar dificuldade na época da eleição. (…) Era como funciona a relação de um grande doador com uma pessoa do setor público”.

As respostas de Mantega e Dilma

No início de abril, Guido Mantega chamou de “peça de ficção” as acusações feitas a ele por Marcelo Odebrecht. A declaração foi dada em depoimento ao Tribunal Superior Eleitoral no processo que investiga irregularidades na chapa formada por Dilma Rousseff e Michel Temer. Segundo Marcelo, parte dos pagamentos feitos por medidas do governo foi feita via caixa dois (repasse de dinheiro não declarado a uma campanha).

Dilma chamou as declarações de Marcelo Odebrecht de “delaçãozinha” e disse que o método de reduzir pena em troca de confissões é uma “variante de tortura”. “O Guido nunca foi interlocutor de Marcelo Odebrecht para assuntos eleitorais”, disse a ex-presidente em entrevista à “Folha de S.Paulo”

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