A resistência da indústria nacional à renovação da cota de etanol sem tarifa encontrou nas usinas que produzem etanol a partir de milho um reforço de peso nas conversas com Brasília. Embora o governo ainda possa criar outra cota, o segmento foi o fiel da balança para convencer a equipe econômica a não partir para a renovação automática.
A indústria emergente diz que seria uma “incoerência comercial e ambiental” conceder livre mercado à produção subsidiada e mais poluente dos EUA. A oferta de uma contrapartida para facilitar a exportação de açúcar brasileiro em troca também não agrada a essa ala do setor produtivo.
“Não é justo o nosso governo ter uma política para uso do etanol e o produtor de etanol americano vir gozar do programa ambiental brasileiro com milho subsidiado”, disse ao Valor Guilherme Nolasco, presidente da União Nacional do Etanol de Milho (Unem). “Não é protecionismo. Podemos fazer livre comércio desde que lá exista uma política de obrigatoriedade de uso do etanol na gasolina.”
Atualmente, a mistura de etanol na gasolina nos Estados Unidos é de 10%. A mistura de 15% está permitida, mas a infraestrutura para garantir essa oferta é pequena.
Os produtores brasileiros de etanol de milho, concentrados em Goiás e Mato Grosso, temem que o etanol dos Estados Unidos destrua a competitividade de seu produto no Norte e no Nordeste, mercados que ambicionam atender em função de melhorias de infraestrutura.
O temor é compartilhado pelas usinas do Centro-Sul. “Parte da produção do Centro-Sul vai para o Nordeste. Se vier mais etanol dos Estados Unidos, vai destruir o preço nacionalmente”, afirmou Evandro Gussi, presidente da União das Indústrias de Cana-de-Açúcar (Unica).
Gussi disse que uma retomada da cota provocaria “instabilidade nos preços”, dado que o Centro-Sul está com estoques anormalmente elevados por causa da pandemia, enquanto as usinas do Nordeste começam sua safra neste mês. “A cota é um absurdo, independentemente de tamanho ou duração. Onde está o interesse nacional nessa história?”.
As vendas domésticas de etanol na primeira metade de agosto caíram 16% ante o mesmo período de 2019, enquanto os estoques monitorados pelo governo estavam 55% maiores em 31 de julho.
As usinas nordestinas esperam que a não renovação da cota abra espaço para uma discussão “paritária” sobre o comércio bilateral de açúcar e etanol. “Precisamos negociar diante de bases que envolvam o binômio açúcar e etanol”, disse Renato Cunha, presidente da NovaBio, que representa as empresas da região.
O lobby da indústria brasileira incomodou os americanos. Ao Valor, o presidente da Associação de Combustíveis Renováveis, Geoff Cooper, disse que, se for confirmado o fim da cota, vai “agressivamente defender a implementação de tarifas recíprocas sobre importações de etanol brasileiro”. Ele defendeu o protecionismo de Donald Trump e sua postura de “buscar reciprocidade”.