Edição 185
A cana energia e sua versatilidade
Natália Cherubin
A cana energia parece, mas não é algo complemente novo. A busca por uma variedade com maior teor de fibra data do início da década de 70, quando alguns programas de melhoramento de países como Barbados, Índia, Cuba e Austrália tiveram êxito no desenvolvimento destas variedades. No Brasil, a cana energia também foi explorada na década de 80, mas o projeto não caminhou nos anos seguintes. A retomada das pesquisas em cana energia aconteceu em 2002, quando o setor se despertou não só para a cogeração de energia, diante de um mercado mais maduro e que trazia garantia de faturamento extra, como também para o desenvolvimento de outros produtos a partir da cana, caso do etanol de segunda geração.
A Vignis foi pioneira neste desenvolvimento, de acordo com Luis Claudio Rubio, hoje diretor-presidente da empresa. Tudo começou quando ele, um executivo do fundo de capital de risco da Votorantim, conheceu o engenheiro agrônomo Sizuo Matsuoka, que chefiava um grupo de pesquisadores do Programa de Melhoramento Genético em Cana-de-açúcar da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), o que culminou na criação da CanaVialis, vendida em 2008 para a Monsanto, que acabou descontinuando as pesquisas com cana energia e, em 2016, fechou todo o segmento de cana-de-açúcar.
A venda para a Monsanto envolveu uma transação de R$ 300 milhões e obrigou os fundadores a cumprirem um contrato de dois anos de não-competição com a multinacional americana. Só depois deste período que Rubio e Matsuoka puderam criar a Vignis.
“A Vignis é uma empresa que nasceu dedicada exclusivamente ao desenvolvimento e produção da sua cana energia e com suas próprias variedades. Dividimos o nosso mercado em dois: empresas do setor sucroenergético e a indústria em geral, onde estão inseridas as de alimento, mineração, siderurgia, cimentos etc. Com base nesta divisão, nos contratos com o setor sucroenergético, além da biomassa total, priorizamos o plantio de variedades que possam produzir mais açúcar por hectare. E para isso, a Vignis tem um programa de melhoramento genético que desenvolve vários tipos de variedades.”
A Ridesa (Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroenergético) e o IAC (Instituto Agronômico de Campinas), iniciaram suas pesquisas em cana energia um pouco mais tarde, entre 2008 e 2009. O projeto do IAC teve início em 2009, onde passou por uma fase prospecção e diagnóstico, mas, segundo Mauro Xavier, engenheiro agrícola do Programa Cana IAC, o desenvolvimento iniciou efetivamente em 2013, com a importação de acessos para a estruturação das pesquisas em cana energia.
O programa de melhoramento que recentemente deu origem às primeiras variedades da Granbio – a Cana Vertix, lançada em março deste ano – teve início em 2012 e é realizado pelas subsidiárias da companhia, a BioVertis (que tem como missão viabilizar matérias-primas competitivas para a indústria de biocombustíveis, bioquímicos e bioenergia para projetos da Granbio e terceiros) e BioCelere (Centro de Pesquisas em Biologia Sintética, que tem foco no melhoramento genético de microrganismos, processamento de biomassa, desenvolvimento de processos de fermentação e de hidrólise enzimática).
José Bressiani, diretor de Tecnologia Agrícola da Granbio, conta que no início do programa de melhoramento da companhia, foram estabelecidas parcerias com diversos institutos de pesquisa, entre eles o IAC e a Ridesa de Alagoas. No caso da Ridesa/UFAL (Universidade Federal de Alagoas), o convênio foi realizado nos mesmos moldes que a instituição normalmente faz com usinas.
“Nós investimos no programa de melhoramento deles para que desenvolvessem variedades de cana energia e pudéssemos utilizar em nosso plantio comercial. Já com o IAC, a parceria foi para buscarmos um germoplasma básico no exterior e depois compartilharmos para os dois programas de melhoramento (Granbio e IAC). Adicionalmente, com o IAC houve também o compartilhamento técnico e de sementes sexuadas dos cruzamentos realizados na estação de hibridação do IAC, na Bahia”, explica.
CANA ENERGIA X CANA CONVENCIONAL
Uma variedade de cana-de-açúcar considerada tradicional geralmente tem um alto nível de açúcar, ou seja, mais de 15% de sacarose, e médio teor de fibra, que fica entre 12% e 13%. Já a cana-energia é uma variedade desenvolvida a partir do cruzamento de espécies ancestrais e híbridos comerciais de cana-de-açúcar, com a diferença de que é mais robusta e com maior teor de fibra e potencial produtivo, o que faz desta variedade, ideal para fabricação de biocombustíveis e bioquímicos de segunda geração, e para geração e/ou cogeração de energia elétrica.
Segundo Geraldo Veríssimo de Souza Barbosa, professor e doutor do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Alagoas (Ridesa), a cana energia pode ser dividida em duas categorias:
– Cana Tipo I: com médio nível de açúcar (acima de 12% de sacarose) e alto teor de fibra (acima de 18%);
– Cana Tipo II: com baixíssimo nível de açúcar (sacarose menor que 6%) e elevado nível de fibra (acima de 28%).
Uma das maiores vantagens destas variedades, segundo Bressiani, é que elas podem ser plantadas em áreas com baixa aptidão agrícola, ou seja, com limitações hídricas e de nutrientes, o que permite a exploração de regiões desfavorecidas e o aumento da produtividade por hectare. “O potencial para esta variedade é enorme, porque só o Brasil tem 32 milhões de ha de pastagens degradadas que podem ser ocupadas com cana energia, mais do que toda a área agricultável da Europa.”
Para usinas, o interesse é geralmente pelo bagaço para cogeração, mas do seu caldo se pode ainda fazer etanol. Aquelas que não têm mais área de expansão podem, na mesma área, produzir mais do que o dobro de cana ou dispensar as áreas mais distantes, diminuindo assim o seu custo de logística. Já aquelas unidades que não têm matéria-prima suficiente, a cana energia pode rapidamente supri-la, pois a partir de um pequeno viveiro se pode fazer grandes áreas. Isto porque, segundo Rubio, enquanto na cana tradicional a razão de multiplicação é de 1:10 (ou 1:5 no plantio mecanizado), na cana energia é de 1:30, às vezes até mais. Além disso, a muda brota melhor, uma vantagem especialmente observada em condições impróprias para a brotação (seca, frio etc).
“Para as empresas que estão surgindo para produzir etanol 2G, a cana energia se presta muito bem para tal, além de ainda permitir a produção de etanol 1G a partir do seu caldo. Empresas que estão surgindo para a produção de etanol de milho estão considerando vantajosa uma destilaria flex que produza etanol também de cana energia, pois assim têm bagaço suficiente como fonte de energia de que necessitam. Já as indústrias do ramo de metalurgia, cimento, etc estão desenvolvendo projetos para uso do bagaço de cana energia em substituição às fontes atualmente em uso, seja de outra biomassa (eucalipto), coque ou óleo”, destaca Rubio.
Além disso, o setor historicamente apresenta instabilidade, ou seja, tem momentos de alto e baixo em termos financeiros, seja pelo preço dos produtos finais (açúcar, etanol e eletricidade), seja pela baixa produtividade dos canaviais devido a fatores climáticos. Outros fatores que tem pesado muito atualmente são os altos custos de produção e de logística de entrega da matéria-prima na esteira. Estes altos custos só podem ser anulados com a produtividade elevada dos canaviais, mas, segundo o diretor-presidente da Vignis, a cana tradicional não consegue entregar essa alta produtividade, porque o potencial genético chegou ao limite e, apesar das novas variedades serem importantes, elas somente substituem outras que apresentam problemas, mas não conseguem dar ganhos substanciais de produtividade.
“Isso é genético, resultado de um parâmetro básico estabelecido pelo setor que é um baixo teor de fibra. Isso torna as variedades pouco resilientes, ou seja, que não suportam estresses, como é o caso da colheita mecanizada. Com isso, o canavial fica falhado e, com a compactação do solo, o crescimento é reduzido. Juntando-se a isso com um evento climático desfavorável, é inevitável uma queda significativa de produtividade, como ocorreu nas safras de 2011 a 2013. Para romper esse círculo vicioso, só mesmo aumentando o teor de fibra. É o que faz a cana energia que, além disso, apresenta vigor de híbrido (razão da alta produtividade) e maior estabilidade (resiliência) devido ao seu vigoroso sistema radicular e presença de rizomas”, acrescenta.
DESEVOLVIMENTOS DO MERCADO
A Vignis tem oito variedades para comercialização. Cada uma delas com suas particularidades e potenciais produtivos que variam de acordo com as regiões onde se situam as lavouras comerciais da empresa. “As canas da Vignis são de alta produtividade agrícola, com teor de fibra na faixa de 20 +- 2% e açúcar de 10 +- 2%. O foco é basicamente maior produção de fibra (bagaço) e açúcar por hectare, ou seja, em última instância, maior retorno financeiro e maior previsibilidade da produção”, afirma Rubio.
Os resultados dos plantios veem confirmando a expectativa da Vignis. Nas condições de cada região, a cana energia vem produzindo pelo menos o dobro ou as vezes o triplo que a cana tradicional produz naquele local em termos de biomassa total. Assim, em termos de ATR por área, a sua produção é maior. A grande vantagem é que a sobra de bagaço é pelo menos 10 vezes maior. “Quando pensamos no grande desafio de sustentabilidade do setor que é um melhor uso do seu ativo de terras, ficamos muito felizes com os resultados que temos alcançado até agora”, destaca Rubio.
A Vignis tem 10 mil ha plantados com cana energia, distribuídos em vários estados brasileiros como Goiás, Mato Grosso e São Paulo, além disso tem alguns projetos sendo discutidos para implementação em Tocantins, Maranhão e Rio de Janeiro. A empresa inclusive tem um contrato de fornecimento de cana energia para a Raízen, que na próxima safra deve ser de aproximadamente 500 mil t, podendo chegar a 1 milhão de t na safra de 2018/19.
“Todos os nossos projetos, sejam eles no setor sucroenergético ou em outros setores da indústria, são realizados com um contrato de longo prazo. Assim, nós fornecemos o produto, ou seja, no setor sucroenergético fornecemos cana na esteira da usina, e nos projetos com outros setores da indústria, fornecemos biomassa (bagaço), que é processada em nossas indústrias. Em todos os projetos, nós somos os proprietários do canavial e não licenciamos variedades”, explica Rubio.
Geraldo Veríssimo de Souza Barbosa, professor e doutor do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Alagoas, revela que a Ridesa desenvolve a cana energia Tipo I, voltada para atender empresas do setor sucroenergético que estão investindo na produção de etanol de segunda geração e no aumento da cogeração de eletricidade, e a Tipo II, procurada por empresas que desejam produzir e fornecer biomassa para a geração de eletricidade. As variedades devem ser liberadas em 2018.
“Temos clones nas diversas fases do melhoramento (seleção e experimentação). São cinco séries RB que vem sendo testadas em vários estados nas áreas de abrangência das universidades federais da Ridesa. Os resultados denotam superioridade em relação as variedades padrões de cana-de-açúcar convencional como, por exemplo, maior rendimento por área, quando soma produção de açúcar mais produção de fibra, maior resistência a pragas e maior longevidade do canavial (maior número de colheitas).”
Como o foco do programa de melhoramento da GranBio consiste, desde o início, em chegar a uma variedade rica em biomassa, buscou-se nos bancos do IAC e Ridesa, espécies ancestrais da cana-de-açúcar que originalmente são constituídas por mais fibra do que açúcar. Características de resposta a estresses típicos da agricultura, como o ataque de pragas e doenças, seca e salinidade também foram buscadas nos bancos de germoplasma.
O resultado disso, segundo Bressani, é uma cana que se destaca-se pelo potencial de produção de biomassa, alto teor de fibras e intermediária concentração de açúcares no caldo. Suas principais características são robustez, presença de rizomas radiculares, alta capacidade de perfilhamento e excelente brotação de soqueira. Por conta do reduzido teor de açúcares solúveis e maior conteúdo de fibras, as variedades Vertix também apresentam índice reduzido de ataque de pragas. Devido a estas características, a Cana Vertix pode ser utilizada tanto em projetos focados em geração de energia elétrica como também em modelos mistos de produção de etanol (1G e 2G) e energia.
“Os testes iniciais foram realizados no Estado de Alagoas, mas temos também plantações experimentais em cinco estados das regiões Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste, com características de clima e solo distintas. Até o momento, já validamos a utilização da cana energia para o processamento em usina de primeira geração, com posterior destino do caldo para fermentação e produção do etanol e do bagaço para a queima em caldeira e produção de vapor e energia elétrica. Também já destinamos a cana energia colhida de forma integral com forrageiras para queima direta em caldeira, com e sem secagem prévia. Em ambos os casos, os resultados foram promissores e confirmam nossa recomendação de uso da cana energia para as usinas 1G e também para o uso direto como fonte de biomassa para a geração e/ou cogeração de energia, além da utilização em projetos de segunda geração (biocombustíveis e bioquímicos)”, conta Bressani.
A produtividade das primeiras variedades Vertix alcançaram entre 180 e 200 t/ha, na média dos dois primeiros cortes, com teor de fibras em torno de 25% e conteúdo de açúcares entre 75 e 85 kg/t de biomassa. Outros experimentos que avaliaram o ataque de broca comum e broca gigante tiveram intensidade de infestação significativamente inferior nas variedades Vertix quando comparadas a variedades comerciais de cana-de-açúcar. Tais características, de acordo com o diretor de Tecnologia Agrícola da Granbio, têm impacto direto no custo de produção e torna os projetos que venham a utilizá-la mais competitivos.
No fim de março deste ano, a GranBio lançou suas primeiras variedades comerciais da Cana Vertix, já registradas no Ministério da Agricultura e em fase de comercialização no mercado. A expectativa é que a utilização das variedades se dê tanto em projetos industriais de produção de etanol e/ou eletricidade, como também em substituição a outras biomassas em indústrias intensivas em energia elétrica. Isso porque o custo de produção da cana energia é muito competitivo quando comparados com outras fontes de biomassa.
“As expectativas são as melhores possíveis. Trata-se de uma solução inédita que, por suas características, pode tornar mais competitivos os projetos que venham a utilizá-la como matéria-prima e, assim, impulsionar o setor. O alto teor de biomassa por hectare associado à concentração flexível de açúcares no colmo representa uma oportunidade importante para o setor, que terá mais flexibilidade para se adaptar às constantes flutuações de preço dos produtos etanol, açúcar e energia”, conclui Bressani.
O alto teor de biomassa associado à concentração variável de açúcares destas variedades, podem dar maior flexibilidade ao setor diante das constantes flutuações de preço dos seus produtos