A primeira quinzena de julho trouxe números robustos de moagem, mas também um alerta para a qualidade da cana processada no Centro-Sul. Segundo dados da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), foram moídas 49,823 milhões de toneladas de cana no período. “A princípio, parece um bom número — até olharmos o ATR quinzenal, que veio quase 10 quilos por tonelada abaixo do registrado no mesmo período do ano passado. É como preparar um belo jantar e perceber, na hora de servir, que esqueceu o sal”, compara Arnaldo Luiz Corrêa, diretor da Archer Consulting.
O analista destaca que a perda de ATR vem se acentuando desde o início da safra. “Começamos com uma redução de 3,40 kg por tonelada, passamos para 4,58, depois 7,95, e na leitura mais recente já estamos em 9,60 kg. Teve uma breve reação em junho — como quem toma fôlego antes de escorregar mais — mas as projeções indicam que podemos chegar a uma perda de 12,5 kg até outubro. Isso está em linha com relatos nada animadores de diversas usinas”, afirma.
Cenários possíveis
No cenário mais otimista, baseado na média de 20 consultorias, tradings e instituições, a moagem pode alcançar 605 milhões de toneladas. Com 256 milhões já processadas — a terceira menor marca dos últimos dez anos — seria necessário moer mais 349 milhões até o fim da safra. “Viável? Sim, tecnicamente. Isso aconteceu em quatro das últimas dez safras. Mas, se desconsiderarmos as duas super safras recentes, essa chance cai para 30%. Não exatamente um cenário para apostar o cafezinho”, ironiza Corrêa.
Mesmo que esse volume seja atingido, o ATR médio projetado ficaria em 132,88 kg/t, totalizando 80,4 milhões de toneladas de ATR — 7 milhões a menos que no ano passado. Mantido o mix de 51,5% para o açúcar, a produção ficaria aquém de 40 milhões de toneladas. “Sonhar com 40 milhões é como torcer para o VAR não marcar aquele pênalti numa final: possível, mas improvável”, resume.
Num cenário intermediário, mais próximo dos bastidores das usinas, segundo Corrêa, a moagem seria de 595 milhões de toneladas, com ATR de 132 kg/t. Isso resultaria em 79 milhões de toneladas de ATR e 38,8 milhões de toneladas de açúcar. Já a projeção própria da Archer é mais conservadora: moagem de 581 milhões de toneladas, ATR de 132,63 kg/t e produção final de 37,8 milhões de toneladas de açúcar.
“O discurso otimista de mais de 40 milhões começa a soar como promessa de político em véspera de eleição: difícil de sustentar quando os números apertam. Se a produção ficar abaixo de 38 milhões, o impacto no mercado pode ser expressivo”, alerta.
O etanol mantém preços sustentados, diante da percepção de estoques mais apertados no fim do ano. Pesam fatores como a possível redução da safra, o cumprimento da demanda obrigatória por anidro e a entrada em vigor, em 1º de agosto, da mistura E30 (30% de etanol na gasolina).
Mercado e câmbio
Na semana passada, o contrato outubro/25 do açúcar bruto fechou a 16,20 centavos de dólar por libra-peso, queda de 8 pontos. Vencimentos mais longos pouco oscilaram. No câmbio, o real encerrou a R$ 5,5400, ligeiramente valorizado frente ao dólar, mesmo com a instabilidade externa. A combinação de açúcar mais fraco e moeda mais firme reduziu as cotações em reais por tonelada: queda de R$ 25 para a safra 2025/26, R$ 19 para 2026/27 e R$ 15 para 2027/28.
Os fundos especulativos seguem vendidos em 125 mil lotes, mesmo após recomprar 3 mil na semana. Corrêa observa que cada 98 lotes recomprados gerou cerca de 1 ponto de alta no outubro/25. “Se resolverem recomprar 50 mil lotes, veremos o mercado subir 500 pontos? Seria quase poético — se o mercado obedecesse matemática simples”, comenta.
Desde 13 de maio de 2025, a média móvel de 50 dias vem atuando como uma barreira técnica sólida, sem ser rompida de forma consistente. Nesta semana, ela encerrou a 16,64 centavos de dólar por libra-peso. Um rompimento decisivo dessa média poderá abrir espaço para uma recuperação mais robusta, com alvos técnicos em 17,50; 18,50 e 19,50 centavos.
No entanto, a perda de fôlego nas tentativas de alta e a dificuldade em sustentar os avanços sugerem um mercado ainda fragilizado, com viés lateral a levemente baixista no curto prazo. Os próximos níveis de suporte estão em 16,03; 15,76 e 15,47 centavos de dólar por libra-peso, e devem ser observados de perto caso a pressão vendedora se intensifique.
Natália Cherubin para RPAnews