Edição 192
Especial – Renovabio – a luz no fim do túnel?
MESMO QUE OS IMPACTOS POSITIVOS SÓ VENHAM A ACONTECER EM MÉDIO OU
LONGO PRAZO, O PROJETO, QUE ESTÁ SENDO ENVIADO PARA O CONGRESSO, É A
CHANCE QUE O SETOR TEM PARA VOLTAR INVESTIR EM AUMENTO DE PRODUÇÃO DE ETANOL
Maior previsibilidade, valorização e reconhecimento das externalidades positivas dos biocombustíveis na matriz energética brasileira. Isto é o que mais se tem ouvido e se esperado por quem vive o setor sucroenergético que, após enfrentar a maior crise da sua história, agravada pela falta de incentivos e políticas públicas, se vê prestes a dar um passo importante para reverter o cenário negativo dos últimos nove anos. Como? A resposta parece estar no Renovabio que, se for aprovado, vai revolucionar o mercado de combustíveis e consolidar uma nova fase para o etanol dentro da matriz energética nacional. Será esta a luz no fim do túnel que tanto o setor esperou?
Com o objetivo de atender não só o compromisso firmado na Cop 21, que prevê a redução das emissões de gases efeito estufa, como também a meta de manter a balança comercial saudável nos próximos anos, o Brasil terá que aumentar a sua produção biocombustíveis até 2030. Para que isto seja possível, a produção de combustíveis renováveis deverá representar 18% de toda a energia consumida no país, o que equivaleria, se pensássemos apenas na produção de etanol, em um volume de aproximadamente 50 bilhões de l de etanol, 24 bilhões a mais do recorde de produção atingido até hoje pelo setor, que foi de 30 bilhões de l na safra 2015/16.
Quem vive o setor sabe que a estagnação na produção de etanol ao longo dos últimos anos se deu pela falta de políticas energéticas claras, objetivas e de longo prazo que dessem condições mais seguras para investimentos das usinas em expansão de produção de etanol. Diversas propostas chegaram a ser apresentadas ao governo, no entanto, nenhuma que assegurasse o crescimento do setor de forma sólida, competitiva e que, ao mesmo tempo, fosse ao encontro dos interesses do governo. Pelo menos não até dezembro de 2016, quando o Departamento de Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia (MME), com o apoio de todos os setores de biocombustíveis, criou o Renovabio, um programa que surgiu com o objetivo de descarbonizar a frota de veículos no Brasil, ou seja, reduzir o consumo de combustíveis fósseis no transporte através do aumento da produção dos biocombustíveis.
“O programa se baseia na fixação de um teto de emissões de gases de efeito estufa, que deverá diminuir gradativamente até 2030, com foco nas metas assumidas pelo governo brasileiro na Conferência do Clima das Nações Unidas, ocorrida em 2015 em Paris. Apesar de parecer, à primeira vista, complexo, não estamos inventando a roda. Trata-se de um aperfeiçoamento dos modelos de descarbonização da economia que já existem em outras economias desenvolvidas, a exemplo dos Estados Unidos e Europa”, afirma Pedro Mizutani, presidente do Conselho da Unica (União da Industria da Cana-de-açúcar) e vice-presidente de Relações Externas e Estratégia da Raízen.
Elizabeth Farina, presidente da Unica, afirmou em entrevista à RPAnews que como um programa como este nunca havia sido desenvolvido e apresentado antes, a probabilidade de conquistar a tão sonhada previsibilidade sobre a produção de etanol era zero, porque simplesmente não existia uma proposta concreta. “Acredito que toda a discussão ambiental, o compromisso brasileiro com a Cop 21 e o engajamento na redução de emissões de gases de efeito estufa deram uma base muito sólida para essa demanda [Renovabio] começar a ser desenvolvida. Não é um programa que tem efeito no curtíssimo prazo, mas é um programa que coloca o Brasil dizendo: queremos produzir tanto de biocombustíveis e tanto de fósseis porque queremos reduzir as emissões de CO2 até 2030”, destaca.
Para Plinio Nastari, diretor da consultoria Datagro e representante da Sociedade Civil no CNPE (Conselho Nacional de Política Energética), o programa é uma regulação mínima e não intervencionista. “Não é subsídio, não é imposto de carbono, mas sim uma regulação que promove previsibilidade ao definir o tamanho do mercado dos biocombustíveis com um todo, criando um ambiente mais estruturado, de médio e longo prazo e a possibilidade da precificação não acontecer só em um mercado à vista e sim no estabelecimento de um mercado futuro para o etanol, dando a mesma condição de hedge que existe para o açúcar.”
A sintonia entre as metas para a redução das emissões de carbono e os compromissos assumidos na Cop 21 vai, de acordo com Nastari, criar um feixe de luz que indicará o tamanho do mercado futuro de biocombustíveis, inserindo-os de forma definitiva na matriz de combustíveis brasileira. “O programa não contrapõe biocombustíveis aos combustíveis de origem fóssil. Neste momento, não está sendo definido qual será o tamanho do mercado de etanol, biodiesel, biometano ou bioquerosene. O tamanho do mercado de biocombustíveis estará relacionado à ambição e à velocidade do atingimento das metas de redução de emissões de carbono, o que deve ocorrer em harmonia entre os biocombustíveis e os combustíveis de origem fóssil”, afirmou Nastari em trecho de artigo publicado na imprensa.
Mario Campos, presidente da Siamig (Associação das Indústrias Sucroenergéticas de Minas Gerais), destaca que além de trazer um indicativo de longo prazo da participação do etanol na matriz energética brasileira, dando ao investidor um indicativo do tamanho do mercado para que os investimentos possam ocorrer, o Renovabio eleva também a eficiência da produção de etanol, uma vez que incentiva que as produtoras de biocombustíveis se preocupem ainda mais com a sustentabilidade da sua produção. Para isto, investimentos na lavoura, indústria e cogeração de energia serão necessários.
“O programa mudará a estrutura de comercialização de etanol com a criação do certificado de biocombustíveis, o que possibilitará uma modificação na forma como as usinas comercializam sua produção. Isso também pode gerar ganhos efetivos às empresas, resultando em novos investimentos”, observa Campos.
André Rocha, presidente do Fórum Nacional Sucroenergético, acredita que o Renovabio, apesar de muito audacioso, ainda deve ser visto como uma expectativa. “Este é um projeto não de Governo, mas de Estado, que visa determinar o rumo dos biocombustíveis no Brasil nos próximos anos. Pretensiosamente falando, é como se fosse um Proálcool II.”
RENOVABIO NA PRÁTICA
Ao que tudo indica, o Renovabio vai funcionar como uma política de Estado com base no compromisso internacional do Acordo de Paris que contribuirá com a criação de um mercado de carbono e dará a possibilidade de precificação do etanol, incorporando as externalidades positivas que ele traz à sociedade em termos de redução das emissões.
De acordo com a última versão da proposta de aprimoramento do Marco legal de Biocombustíveis, revisada no início de agosto de 2017 e que será usada pelo Palácio do Planalto para aprovação da Medida Provisória, o RenovaBio, projeto integrante da Política Energética Nacional, tem como principais objetivos:
– promover a adequada expansão da produção e do uso de biocombustíveis na matriz energética nacional;
– promover a geração de investimentos e empregos no setor de biocombustíveis;
– assegurar previsibilidade para a participação competitiva dos diversos biocombustíveis no mercado nacional de combustíveis;
– promover a competitividade do Brasil no mercado internacional de biocombustíveis;
– garantir a adequada relação de eficiência energética e de redução de emissões de gases causadores do efeito estufa na produção, comercialização e uso de biocombustíveis, incluindo mecanismos de avaliação de ciclo de vida;
– e valorizar o papel dos biocombustíveis como propulsor de cadeias de valor relacionadas à bioeconomia sustentável.
Ainda de acordo com o documento, o projeto será composto por ações, atividades, projetos e programas, tendo por objetivo viabilizar a oferta de uma energia cada vez mais sustentável, competitiva e segura, observando: os princípios de previsibilidade para a participação dos biocombustíveis, com ênfase na sustentabilidade dessa indústria, na segurança do abastecimento e na proteção dos interesses do consumidor quanto a preço, qualidade e oferta de produtos; eficácia dos biocombustíveis em contribuir para a mitigação efetiva de emissões de gases causadores do efeito estufa e de poluentes locais; potencial de contribuição do mercado de biocombustíveis para a geração de emprego, renda e para o desenvolvimento regional, bem como para promoção de cadeias de valor relacionadas à bioeconomia sustentável; avanço da eficiência energética com o uso de biocombustíveis em veículos, máquinas e equipamentos; e impulso ao desenvolvimento tecnológico e à inovação, visando consolidar a base tecnológica, aumentar a competitividade dos biocombustíveis na matriz energética nacional e acelerar o desenvolvimento e a inserção comercial de biocombustíveis avançados e de novos biocombustíveis.
Para conseguir atingir tais objetivos, o projeto tem como instrumentos:
– os planos nacionais de energia, de agricultura, de ciência, tecnologia, inovação e sobre mudança do clima, e ações de política externa;
– as metas de redução de emissões de gases causadores do efeito estufa na matriz de combustíveis;
– os créditos de descarbonização;
– a certificação de biocombustíveis;
– as adições compulsórias de biocombustíveis aos combustíveis fósseis;
– os incentivos fiscais, financeiros e creditícios;
– e as ações no âmbito do Acordo de Paris sob a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.
André Rocha, presidente do Fórum Nacional Sucroenergético, explica que o Renovabio dará obrigações aos agentes envolvidos, sejam produtores ou distribuidores, de reduzirem suas emissões de CO2. “As distribuidoras terão que cumprir metas na emissão de carbono e esse cumprimento de metas pode se dar vendendo-se cada vez mais biocombustíveis ou através da compra de Certificados de Redução de Emissões (CREs) de quem produz biocombustíveis. Por uma ou outra opção estaremos valorizando os combustíveis renováveis. Dessa forma é possível atingir as metas, ou seja, estimulando e aumentando o consumo dos biocombustíveis.”
Para simplificar o entendimento, as distribuidoras de combustíveis vão ter de cumprir mandatos de redução de carbono para todo o combustível vendido por elas e, para isto, terão de comprar os CREs, que serão emitidos por usinas sucroenergéticas, produtoras de biogás e biodiesel, que por sua vez também passarão previamente por um processo de certificação.
A quantidade de CRE que cada usina vai receber vai depender da quantidade de biocombustível produzida pela unidade e de acordo com uma nota – medindo de 0 a 10 a eficiência na redução de carbono – que será dada por uma empresa certificadora. Quanto menor for a emissão de carbono de todo o processo de produção do biocombustível, maior será a nota da usina.
Existem oito itens que são considerados na avaliação de uma usina, cada um deles com vários subitens, no entanto, tudo o que uma usina fizer para reduzir a quantidade de carbono do processo de produção do etanol será considerado.
A nota obtida no processo de certificação da usina será multiplicada pela capacidade de produção da mesma e o resultado dessa multiplicação serão os CREs que a usina terá para comercializar. Por exemplo, se a usina tem uma capacidade de produção de 80 mil m³ de etanol por ano e tirou nota 8, ela terá 640 mil CREs para comercializar. Outra usina com a mesma capacidade, mas que tirou nota 4, terá apenas 320 mil CREs para comercializar.
Para alívio das unidades sucroenergéticas, a nota recebida não será fixa e poderá mudar de ano para ano dependendo da situação de outras unidades, que podem reduzir ainda mais sua produção de CO2 através da produção de etanol de segunda geração, por exemplo. O método deve trazer maior eficiência as unidades, que estarão sempre em busca de melhores notas, o que deve impedir que elas se acomodem depois de alcançarem uma nota alta. Usinas que estão nas mesmas regiões ou condições podem ter um diferencial significativo na nota se buscarem a máxima eficiência na produção do etanol. Sendo assim, as unidades que tiverem melhor eficiência e maior redução de gases de efeito estufa no processo de produção, maior nota terão e, como consequência, mais CREs poderão vender as distribuidoras de combustíveis que, por sua vez, também poderão comprar uma quantidade maior de certificados para negociar com outras distribuidoras.
A relação entre a quantidade de certificados que as distribuidoras têm que comprar e a quantidade de certificados existentes no ano é que vai determinar o preço dos CREs no mercado. Sendo assim, o preço que as usinas receberão por cada CRE vendido será definido pela relação de oferta e demanda dos CREs. Essa relação será controlada pelo governo e definida anualmente pelo CNPE e o comércio de CREs entre usinas e distribuidora também poderá ser negociado em bolsa, possivelmente na B3 (união da BM&F Bovespa com a Cetip).
![](http://revistarpanews.com.br/images/edicoes/ed192/Mario%20Campos_opt.jpeg)
a estrutura de comercialização
de etanol com a criação do
certificado de biocombustíveis,
o que possibilitará uma
modificação da forma como
as usinas comercializam sua
produção. Isso também pode
gerar ganhos efetivos às
empresas, resultando em
novos investimentos”
MODIFICAÇÕES
Além de trazer mais detalhes sobre as metas, créditos e certificados de descarbonização dentro do Renovabio, na nova versão do documento divulgado no início de agosto, o MME definiu que as metas compulsórias anuais e individuais de redução de emissões de gases que as distribuidoras deverão cumprir poderão ser fixadas para entrar em vigor a partir de 1º de julho de 2018.
O documento ainda prevê um período de transição no qual o CNPE será responsável por aplicar metas individuais em caráter voluntário. Também retirou-se o prazo previsto no plano anterior, de 180 dias, para que o Executivo regulamente a emissão dos Créditos de Descarbonização de Biocombustíveis (CDbios).
A novidade é a criação do CMBC (Comitê de Monitoramento de Biocombustíveis e Combustíveis), que terá papel decisivo na determinação das metas compulsórias anuais de redução de emissões de gases causadores do efeito estufa para a comercialização de combustíveis. Este Comitê ainda poderá estabelecer diretrizes para as firmas que darão notas de eficiência energético-ambiental e distribuirão os certificados que serão comercializados entre produtores e distribuidores de combustíveis. As metas sempre vão ser enviadas para consulta pública, a exemplo do que faz a Agência Ambiental dos EUA no programa RFS (Renewable Fuel Standard).
A CMBC poderá ser formada por diversos ministérios do governo, além da EPE (Empresa de Pesquisa Energética) e ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis). Especialistas e pesquisadores das áreas de Combustíveis e Emissões também poderão integrar o CMBC.
ENTRAVES
Na reta final para sua aprovação, o Renovabio enfrenta entraves tributários. Apesar de negar a informação, fontes afirmaram que o Ministério da Fazenda pretendia criar um imposto para taxar emissões em substituição aos CDBios, o que não teria sido discutido nas consultas públicas sobre o tema. O acertado é que os CDBios deverão ser emitidos por produtores de combustíveis renováveis e comercializados por corretoras na Bolsa de Valores. Distribuidoras que venderem combustíveis fósseis de petróleo comprarão esses títulos como forma de compensar as emissões. E os recursos com as operações poderão virar investimento privado nos biocombustíveis, o que não ocorre há cinco anos no Brasil.
PROJETO DE LEI OU MEDIDA PROVISÓRIA?
Apesar de tudo indicar que o projeto seria analisado como MP, até o fechamento desta edição ainda não havia confirmação clara sobre se o Renovabio seria enviado pela Casa Civil como Medida Provisória ou Projeto de lei. Do lado dos agentes dos setores de biocombustíveis, o caminho mais curto seria via Medida Provisória, no entanto, as distribuidoras teriam interesse de que siga como Projeto de Lei.
Se for como Projeto de Lei, o Renovabio deverá tramitar primeiramente na Câmara dos Deputados e no Senado para análise e votação e, apesar de ser possível solicitar urgência no seu trâmite, somente após o projeto ser aprovado pelo Congresso Nacional seria encaminhado para a sanção do Executivo e publicado para entrar em vigência. Este caminho seria o mais longo, já que o Projeto de Lei pode tomar vários caminhos dentro do Congresso Nacional. Como Medida Provisória o projeto também passa pela aprovação dos congressistas, no entanto, o trâmite acontece com as regras já em vigor.
“De acordo com a nossa Constituição Federal (art. 62), em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá editar Medidas Provisórias, com força imediata de lei, sem a participação prévia do Congresso Nacional na sua edição. Anota-se que a Constituição Federal veda a expedição de Medidas Provisórias sobre determinadas matérias, contudo, no caso do programa Renovabio, não haveria essa vedação”, afirma Michael A. Ferrari da Silva, advogado especialista em Direito Público do escritório Pereira Advogados.
Outro ponto, apesar de ter força de lei, é que as Medidas Provisórias têm que ser aprovadas pelo Congresso Nacional para serem convertidas em lei. Além disso, as MPs vigoram por 60 dias, prorrogáveis por mais 60 dias, ou seja, elas perdem a eficácia se não forem aprovadas dentro desse prazo. Por outro lado, se a
Medida Provisória não for apreciada em até 45 dias após a sua publicação, entrará em regime de urgência, subsequentemente em cada uma das Casas do Congresso Nacional. Assim, passará a trancar a pauta de votação de outras MPs e projetos na Câmara dos Deputados e no Senado.
“A MP tem efeito imediato, mas precisa ser aprovada em 180 dias e não pode ‘furar fila’. O Projeto de Lei pode ter rito mais rápido se tiver acordo de lideranças nas duas casas, ou seja, Câmara dos Deputados e Senado Federal. O trâmite normal de um PL é mais lento, mas pode ser de iniciativa Parlamentar também. Tudo vai depender do tamanho da fila das MPs e se conseguimos acordo de lideranças nas duas casas”, declarou o presidente do Fórum Nacional Sucroenergético à RPAnews.
Se depender da boa vontade do presidente da República, o Renovabio tem muitas chances de ser aprovado via MP. No dia primeiro de agosto, documentos em prol do Renovabio foram entregues ao presidente Michel Temer durante almoço da FPA (Frente Parlamentar Agropecuária). Além do manifesto de apoio ao Programa assinado pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin e mais 18 entidades, entre elas aa Unica, o Fórum Nacional Sucroenergético, a Fiesp e a Faesp, um outro manifesto elaborado pela própria FPA e outros documentos assinados por entidades do setor também chegaram às mãos de Temer.
O presidente da República deu a entender que o Renovabio está muito próximo da aprovação. “Digamos que o Programa está no forno, a regulamentação está indo para a Casa Civil e logo depois daremos uma solução a isso e vocês me convidam para um novo almoço para comemorar”, afirmou em reunião.
As lideranças do setor ainda seguiram até a residência oficial do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, onde ressaltaram a relevância do Renovabio e pediram que o projeto seja aprovado como Medida Provisória assim que chegar à Câmara. O parlamentar também recebeu cópia dos documentos entregues a Temer.
A questão agora, segundo o presidente do Fórum Nacional Sucroenergético, que esteve presente no encontro com o Presidente, depende da aprovação da Medida Provisória e se ela não vai sofrer nenhum tipo de alteração. “A partir disso poderemos ter melhores expectavas. Em reunião realizada conosco no dia 04 de julho, o Presidente Michel Temer assumiu o compromisso de enviar o Projeto ao Congresso via MP e ratificou em reunião junto ao FPA.”
ENQUANDO O RENOVABIO NÃO VEM
Mesmo que o Renovabio seja aprovado ainda este ano pelo Congresso Nacional, de acordo com as expectativas do setor de biocombustíveis, os impactos positivos só virão em médio ou longo prazo. Enquanto o tão sonhado programa não se concretiza, o setor continua clamando por outras ações junto ao governo. Seria a Cide, a taxação do etanol importado ou o fim do Pis/Cofins sobre o etanol a melhor solução em curto prazo?
O presidente da Siamig acredita que hoje os maiores problemas do setor têm sido o alto endividamento, as barreiras existentes com relação ao preço do etanol, que concorre no mercado interno com a gasolina, e a concorrência desleal do etanol de cana com o etanol de milho americano. Desta forma, a solução para que o setor volte a respirar e resolva os problemas de precificação do etanol, qualquer diferencial tributário que exista entre o etanol e a gasolina é essencial. Além disso, qualquer barreira à entrada do produto de milho também seria importante.
“Precisamos de uma solução conjunta entre estes dois itens, uma parte foi conseguida recentemente com a variação do Pis/Cofins, onde o setor recuperou parte da competitividade perdida do início do ano, mas isso não é suficiente. O governo deve pensar numa solução rápida para a questão do etanol de milho importado, assim como para o diferencial tributário entre etanol e gasolina, onde a Cide (Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico) é uma solução”, opina Campos.
Pedro Robério, presidente da Sindaçúcar-AL (Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Alagoas), defende o retorno da diferenciação tributária através da Cide ou Pis/Cofins e o restabelecimento parcial da TEC sobre o etanol anidro para 17% de forma a coibir um volume de importação especulativo de etanol de menor qualidade e com subsídios. “Fixada as regras tributárias que contemplem as externalidades positivas do etanol e implantado o Renovabio com regras de mercado e sem subsídios fiscais no seu amadurecimento, o setor se estabiliza e retoma os seus investimentos de forma sustentada e duradoura.”
Ricardo Pinto, sócio-diretor da RPA Consultoria, acredita que no curto prazo, o impacto mais positivo para o setor também seria o retorno da Cide na gasolina, como forma de blindar o preço do etanol nos postos de combustível contra a forte redução nos preços do petróleo e mantendo a opção do consumidor pelo combustível ambientalmente mais amigável, que é o etanol.
Já Renato Cunha, presidente da Sindaçucar-PE (Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Pernambuco), afirma que não há política alguma que possa ajudar o setor a se reerguer como o Renovabio. No entanto, a Cide na gasolina, o imposto de importação aos combustíveis fósseis ou uma tarifa para a importação de etanol são válidos.
“A política ausente e iníqua é a que não remunera externalidades do etanol e não parametriza a competitividade, por exemplo, do etanol e gasolina como complementares no fluxo de suprimento do país. Acho que compete ao governo agora regular, já que ele tem sido expert em desregular e acarretar danos muitíssimos onerosos aos biocombustíveis”, destaca Cunha.
Adriano Reis, diretor-fundador do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura) afirma que, além do Renovabio, que é importante, o governo precisa dar repostas mais rápidas e mais pragmáticas ao setor. Que respostas seriam essas? “Por exemplo, porque o governo não aumenta Cide da gasolina de R$ 0,10 para R$ 0,20? Agora é um momento espetacular para fazer isso. Inflação caindo, preço do barril baixo, então, porque o governo não mostra que está preocupado em aumentar o consumo de etanol hidratado e de não causar mais prejuízos ao produtor? Não dá para ficar esperando um Projeto de Lei ou Medida Provisória ser aprovado no congresso, ainda mais diante da situação política pela qual o Brasil passa. Projeto de lei no congresso não se aprova em menos de um ano, se tudo der certo. O setor está precisando de medidas de curto prazo que o tirem desse sufoco. A política atual em relação ao etanol está queimando o valor do produto e destruindo as empresas”, critica Reis.
Roberto Hollanda, presidente da Biosul (Associação dos Produtores de Bioenergia do Mato Grosso do Sul) afirma que as medidas de curto prazo serão fundamentais. “Nossa crise é severa e mesmo com o horizonte positivo do Renovabio, precisamos de correções em curto prazo. O retorno de alíquota de importação para o etanol e a correção da distorção causada com o fim do crédito do Pis/Cofins do etanol seriam as mais urgentes.”
Para Alexandre Lima, presidente da AFCP (Associação dos Fornecedores de Cana de Pernambuco), há outros fatores diretos que interferem na retomada dos investimentos do setor, a exemplo do baixo preço do petróleo, que tem derrubando os preços do açúcar e do etanol e consequentemente da cana. “Acho importante um conjunto de medidas. Dentre elas julgo a taxação do etanol importado ser a mais importante neste momento. Contudo, é indispensável para qualquer setor econômico nacional, a exemplo do sucroenergético, que haja a plena previsibilidade de uma política energética de Estado e não das políticas de governos.”
O presidente do Fórum Nacional Sucroenergético afirma que após anos de políticas públicas erradas e que trouxeram prejuízos ao longo dos últimos anos, o mais importante é voltar a ter rentabilidade para que se consiga diminuir o endividamento das unidades e permitir que o setor tenha mais estímulos para investimentos, sejam em ampliações ou novas unidades.
De acordo com ele, em vários países do mundo, para estimular a rentabilidade e competitividade dos biocombustíveis os governos desoneraram, ao contrário do que aconteceu no Brasil, que optou por uma política inversa que resultou em aumento de carga tributária e oneração do etanol. “A nossa expectativa era de que, em um primeiro momento, não houvesse uma desoneração, mas que voltássemos ao sistema de tributação como era entre 2013 e 2016. Queríamos voltar ao status quo do período antes da desoneração, na pior na hipóteses. Na melhor delas, gostaríamos de continuar com a desoneração para estimular o consumo de biocombustíveis”, aponta Rocha.
No entanto, infelizmente não foi essa a solução encontrada pelo governo, que resolveu, ao final de julho, aumentar o Pis/Cofins sobre os combustíveis, prejudicando ainda mais o etanol e as usinas. “Além de prejudicar o setor porque aumentou nosso custo de produção, já que utilizamos diesel nas frotas, fez com que o preço do etanol subisse. Em primeira análise, o governo teria onerado mais a gasolina, mas não é essa conclusão que estamos chegando, porque o efeito prático dessas onerações estão praticamente se anulando. Você tem hoje um consumidor chateado, porque houve aumento de carga tributária, e de outro, a tão sonhada competitividade que estávamos esperando não está na prática ocorrendo. Então o governo não está conseguindo agradar a todos”, critica.
Sobre a questão da importação de etanol de milho, Rocha afirma que há falta de regulamentação por omissão da ANP e que ele, como representante do Fórum Nacional Sucroenergético, junto a outras entidades vêm discutindo com o governo, desde fevereiro, a possibilidade de colocar uma tarifa mínima sobre o etanol norte-americano.
“Estamos pedindo para que, provisoriamente, enquanto a MP não corrige essa distorção, se coloque uma tarifa de 17%. O problema dessa distorção é que mesmo que a ANP resolva, só teremos efeitos práticos a partir de 2019. Então pedimos que, nessa janela, até 2019, o governo possa estabelecer uma política que valorize o produto nacional e que dê o tratamento, pelo menos igual ao produto importado. Essa tarifa é uma forma de fazer isso”, propõe.
Apesar das discussões e reuniões que vem ocorrendo, não há por parte do setor grandes expectativas. “Temos três grandes pontos com o governo: o Renovabio, que é de longo prazo, a questão da taxa de importação de pelo menos 17% durante um período, até que se possa melhorar a regulamentação e, por fim, a questão de competitividade tributária a favor do etanol. Assim poderíamos resolver os problemas colaterais causados ao longo dos últimos seis anos”, complementa Rocha.
LUZ NO FIM DO TÚNEL?
Muitos acreditam que a tábua de salvação para as usinas sucroenergéticas é o novo programa do MME. O presidente da Biosul é um deles. “O Ministério de Minas e Energia tem aberto uma interlocução inédita com o setor. O Renovabio foi elaborado com uma velocidade e competência impressionantes, visto que é um projeto de elaboração difícil pelo aspecto multidisciplinar, profundidade técnica das medidas propostas e quantidade de agentes e segmentos da sociedade envolvidos. É um projeto de grande qualidade e é hoje a grande esperança do setor”, afirmou.
Para o presidente da Sindaçúcar- AL, o setor verá a luz quando os mecanismos tributários forem implementados e na sequência a houver a operação plena do Renovabio. “Este é o mais avançado programa para manutenção e crescimento sustentado dos biocombustíveis no Brasil, depois da criação do Proálcool. Precisamos implementar esse programa para nos inserirmos definitivamente no uso sustentável, socialmente abrangente e economicamente suportável de combustíveis.”
O presidente da Siamig afirma que o setor já vem enxergando a vendo a luz no fim do túnel há muitos anos. Só que ainda precisa chegar lá. “O Renovabio tem condição de ser o indutor do crescimento setorial, é um programa de Estado onde a participação do planejamento de médio e longo prazo vai ser essencial. Saber a real participação dos biocombustíveis da matriz de transportes, pelo menos até 2030, trará uma segurança importante para os investidores, o que pode dar uma condição para renovar os ânimos dos atuais investidores e atrair novos players para o segmento.”
Para Rocha, o programa pode vir a ser a luz no final do túnel, desde que haja aprovação e regulementação. “Precisamos primeiro é que seja aprovado pelo Congresso até o final de 2017. Depois de aprovado, teremos de colocar a mão na massa e iniciar o Renovabio, que é um programa novo e que estará sujeito a ajustes. Nele, prevemos que a cada três anos haverá uma revisão das metas, sendo que nos primeiros três anos a revisão será anual. Então temos vários ajustes. Nos primeiros anos pode ser que hajam mais acertos do que erros ou mais erros do que acertos. Talvez demoremos a engrenar, por isso, falamos que é uma política de médio e longo prazo. Mais a gente espera que seja uma política permanente e que dê competitividade e estimule o uso cada vez maior de biocombustíveis de maneira geral.”
O sócio-diretor da RPA Consultoria, visualiza três momentos para o setor sucroenergético brasileiro daqui para frente. “Entre 2017 e 2018, vejo uma fase de consolidação, com movimento de fusões e aquisições, com a produção brasileira ficando estagnada. De 2019 a 2020, prevejo um novo momento de bons preços, insuflando um movimento de reativação de parte das 76 usinas que hoje se acham paradas, além do retorno forte de investimento nos canaviais para que as produtividades agrícolas atuais – bem baixas – voltem a crescer. Finalmente, a partir de 2021, acredito que voltaremos a ver o surgimento de diversos projetos de construção de novas usinas, ou seja, o retorno das usinas greenfield.”
A partir de agora, o Renovabio parte para a segunda frente de debate que vai ser no Congresso Nacional. Agora a sociedade também vai ter oportunidade de debater e opinar sobre este projeto tão importante para o setor. A expectativa é que se consiga aprovar o projeto, em termos de legislação, até o final de 2017 para que, a partir de 2018, iniciem os trabalhos do Renovabio. “As concepção dele é um ponto de partida para voltarmos a estimular o setor a novos investimentos. Então, se conseguirmos trazer com ele a segurança jurídica e a previsibilidade, algo que o setor sempre lutou, será uma grande vitória”, concluiu o presidente do Fórum Nacional do Setor Sucroenergético.
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