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Edição 189

Está faltando treinamento em logística para aumentar o desempenho das colhedoras de cana

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Metade das usinas do Centro-Sul tiveram desempenho médio abaixo de 447 t/colhedora-dia em 2016. Como o custo de CTT é o maior de uma usina, sendo o corte o mais alto dentre eles, é fundamental que haja mais treinamento logístico para alto desempenho

*Antonio Afférri

Num levantamento efetuado com 100 usinas da região Centro-Sul do Brasil em 2016 em relação à produtividade média diária de suas colhedoras, os números encontrados não foram nada animadores, como mostra a Figura 1.

Um quarto das usinas apresentaram produtividades médias abaixo de 354,7 t/colhedora-dia, sendo que este grupo de usinas teve uma média de apenas 295,9 t/colhedora-dia. Acima dele, outro quarto das usinas ficaram com resultados entre 354,8 e 447,1 t/colhedora-dia, com média do grupo de 397 t/colhedora-dia. São resultados bastante desanimadores e que explicam o porquê do alto custo de CTT (Colheita, Transbordo e Transporte) nas usinas atualmente, já que aproximadamente 48% do custo total de CTT refere-se apenas às colhedoras (C).

Mais ainda, podemos dizer que o grupo seguinte, dos 25% das usinas que atingiram entre 447,2 e 510,1 t/colhedora-dia, também não tem muito do que se orgulhar, com média de 476 t/colhedora-dia.

Mas como fazer para elevar o desempenho das colhedoras de uma usina?

Muitos são os pontos que interferem na melhora do desempenho, como alta disponibilidade mecânica dos equipamentos, maior habilidade dos operadores, maior produtividade agrícola dos canaviais e, acima de tudo, a formação de equipes de alto desempenho.

Contudo, o foco deste artigo é mostrar a importância do treinamento logístico para alto desempenho com o objetivo de alcançar elevada eficiência de gestão, portanto, vamos somente nos ater a este ponto.

A Logística do CTT

O CTT é composto por três processos diferentes, mas cujos ciclos de tempo são dependentes um do outro, seguindo esta sequência lógica:

a) A colhedora colhe (tira) a cana do chão,

b) Depois o veículo de transbordo (VT) leva a cana colhida até o caminhão e a transborda nele;

c) Em seguida, o caminhão leva a cana transbordada até a indústria, abastecendo-a.

Isso parece, e é, bem óbvio, mas o que se segue não é tão óbvio assim:

a) O VT transborda no caminhão a cana que a colhedora conseguiu colher, ou seja, o VT é um gargalo do serviço da colhedora;

b) O caminhão leva para a usina o que o VT conseguiu transbordar nele, ou seja, o caminhão é um gargalo do serviço do VT.

Cuidado ao fazer cálculos médios sem considerar esta interdependência dos processos! Veja este exemplo: se cada colhedora está enchendo um VT de 20 t em 20 minutos e há quatro colhedoras na frente, quer dizer que a frente mandará 240 t de cana por hora para a usina? Isso seria verdade se não existissem gargalos, mas eles existem. Por isso que este cálculo médio tão simplista não é atingido. E neste caso, não há participação da Área de Manutenção Automotiva, sempre lembrada para assumir a culpa quando os cálculos médios não batem.

Figura 1 – Distribuição de frequências de produtividades diárias médias de colhedoras de cana
de 100 usinas da região Centro-Sul do Brasil de março a dezembro de 2016

Assim, dado um canavial, podemos definir que sua colheitabilidade, ou seja, a capacidade de uma colhedora colher nele em função de sua produtividade agrícola, tiro médio, tempo de manobra etc é de, por exemplo, 717 t/dia.

Esta colheitabilidade, contudo, só pode se concretizar se os VTs não forem gargalo. Bom, para este nosso exemplo, se houver somente dois VTs para cada colhedora, isso será um gargalo pois cada VT chegará 1,3 minutos depois do outro ter sido completado pela colhedora. Logo, ao final do dia, nossa colhedora irá colher 622 t/colhedora-dia, 95 t a menos do que a colheitabilidade do canavial.

Paralelamente, se faltar 1,5 horas de caminhão canavieiro por dia nesta frente, os VTs irão parar e farão as colhedoras também parar, trazendo a produtividade de cada colhedora desta frente para 570 t/dia, perdendo mais 52 t/dia. Logo, a colheitabilidade inicial de 717 t/colhedora-dia se reduzirá pelo efeito dos dois gargalos ilustrados acima 570 t/colhedora-dia, ou seja, 147 t/colhedora-dia a menos. O conhecimento e a preparação para atuar junto a estes gargalos, reduzindo-lhes e até eliminando os efeitos, é a base do treinamento logístico de alto desempenho direcionando a líderes de frentes, gestores e encarregados de CTT, e controladores de tráfego e de pátios.

Conteúdo do treinamento

O setor sucroenergético está bastante ofertado de cursos e treinamentos voltados à operação de colhedoras, bem como de segurança na operação e até de operador mantenedor. A maior parte dos operadores e líderes de colheita mecanizada já passou por estes cursos, às vezes até mais de uma vez. Contudo, poucos já fizeram um treinamento voltado ao alto desempenho da colheita mecanizada. Os resultados mostrados da Figura 1 comprovam isso.

A RPA Consultoria montou este treinamento já faz alguns anos, mas só os aplicava nas usinas que contratassem seu pacote de consultoria de CTT da Alto Desempenho. Por solicitação recente de algumas usinas, a RPA preparou este treinamento como um produto específico, com o conteúdo programático subdividido em dez tópicos:

1) Como funciona o CTT de cana e sua relação de gargalos;

2) O que é colheitabilidade e qual é a importância da relação de VTs (veículos de transbordo) por colhedora;

3) O uso do simulador de produtividade de colhedora e de VT;

4) Dicas de como se pode aumentar a colheitabilidade de um canavial;

5) Fatores a serem gerenciados no dia a dia de uma frente de colheita;

6) Formação de equipes de alto desempenho;

7) A atuação do Controle (ou Central) de Tráfego como maestro da logística de abastecimento ininterrupto de cana na usina;

8) A diferença entre disponibilidade mecânica (responsabilidade da equipe de manutenção) e eficiência operacional (responsabilidade dos gestores das frentes);

9) Como reduzir os tempos perdidos e aumentar a eficiência operacional das frentes;

10) Por que perseguir as metas de desempenho, de perdas e de impurezas todo o tempo.

O alto desempenho consiste na administração dos tempos auxiliares intrínsecos a estas operações, ou seja, é transmitido para a liderança operacional a importância da gestão de tempos e eventos dentro da logística interna da frente de colheita.

Os efeitos do ritmo operacional e seu impacto no desempenho dos equipamentos envolvidos são demonstrados através de um modelo que simula diferentes situações de campo, revelando a importância na gestão da velocidade e tempos de manobra dos recursos envolvidos.

Paralelamente, o conceito de colheitabilidade é abordado, demonstrando como o canavial condiciona os resultados esperados e quais as possíveis estratégias para o planejamento estruturado do sequenciamento da safra.

Algumas dicas para o Alto Desempenho

Como exemplo de boas práticas e dicas que são discutidas e ensinadas no treinamento, seguem algumas:

a) Colhedora manobrando de um lado, VT manobrando do outro – num final de tiro, se a colhedora virar para o lado da cana que está em pé para fazer sua manobra, enquanto o VT virar para o lado contrário, fazendo sua manobra ao mesmo tempo em que a colhedora está fazendo a dela, sem esperar, isso poderá reduzir em até 1 minuto o tempo médio de manobra. Imaginando que a colheitabilidade inicial de nossa colhedora do início deste artigo, de 717 t/dia, tivesse sido calculada com tempo médio de manobra de 1,5 minuto. Se este tempo for reduzido para só 1 minuto, a colheitabilidade da colhedora subirá em 47 t/dia, indo a 764 t/colhedora-dia.

b) Ajustando a velocidade das colhedoras ao canavial à habilidade dos operadores – às vezes encontramos situações em que os canaviais permitem maior velocidade das colhedoras do que o que vem sendo alcançado sem impactar nas perdas de colheita e no aumento de impurezas, muito menos no arranquio e no abalo de soqueiras. Voltando à colhedora com capacidade de 717 t/dia que imaginamos estar trabalhando em média a 4,5 km/h, se ela trabalhasse a 5km/h, ganharia 64 t/dia, passando para 781 t/colhedora-dia. A colhedora deve colher na velocidade máxima possível, desde que o operador consiga em seu aceiro (eito) o mínimo de palha e terra que a usina entende como satisfatórios, sem arranquio de soqueiras e sem expor a máquina a condições de indisponibilidade mecânica. Da mesma forma, a manobra ao final do aceiro (eito) deverá ser o mais breve possível respeitando as normas de conservação das soqueiras regimentadas pela empresa.

Figura 2 – Exemplo de manobra de colhedora e VT em sentidos contrários, para que um não atrapalhe o outro, e ambos possam fazer suas manobras de forma concomitante e independente

c) Quem salva a usina de parar a moagem é o Controle de Tráfego – a Central de Tráfego deve saber pelo menos a cada 60 minutos de como está a puxada de cana de cada frente, identificando qual frente está abaixo da meta e qual frente está acima. Assim que identificar uma frente ruim, deve perguntar ao líder da frente o que aconteceu e quando o líder acha que a frente voltará ao normal. Daí deve verificar se vale a pena desviar viagens de caminhões desta frente ruim para a frente boa. Mesmo que os líderes das frentes fiquem pedindo no rádio mais caminhões – o que é comum nas usinas -, deve ser o Controle de Tráfego que decide por enviar mais ou menos caminhões para as frentes, pois só ele sabe do andamento de todas as frentes.

Ao contrário do que se observa na colheita de cana com corte manual (cana inteira), a colheita mecanizada não possui estoque, ou seja, é uma operação just in time com a indústria. Na cana inteira se observa uma transferência de estoque da cana cortada e depositada no chão pelo cortador através das operações de carregamento (carregadoras) e transporte (caminhões). Daí o fato de que, na colheita de cana inteira, quem abastece a usina são os caminhões, ou seja, quanto mais caminhões na frota de transporte, maior impacto na quantidade de cana entregue, assim como as carregadoras em menor proporção.

Esta logística contribui negativamente com os gestores atuais que, em muitos casos, ainda têm esta visão em suas ações, ou seja, atribuindo aos caminhões a força da entrega de cana na usina.

Em nada acrescenta o fluxo da colheita mecanizada com a adição de transbordos e caminhões no processo, pois a colhedora só vai conseguir tirar a cana do chão em função da colheitabilidade do canavial e habilidade de seu operador, segundo uma eficiência de gestão desenvolvida pelo líder ou encarregado de cada frente.

Recomenda-se priorizar a manutenção de colhedoras e transbordos que estão operando, deixando aqueles equipamentos quebrados para intervenção após execução da agenda de intervenções preventivas ou com horário marcado, como abastecimentos ou lubrificações.

Manobras supostamente estratégicas em circunstâncias precárias de abastecimento levam gestores do processo de colheita a alocarem caminhões nas frentes mais próximas naquele instante, contando com um “arranque” no fluxo de entrega, o que muitas vezes dá certo, porém acompanhado de resultados insatisfatórios na qualidade da matéria-prima entregue, arranquio de soqueiras e redução da disponibilidade dos equipamentos envolvidos, por expô-los a risco de quebra ou acidente, ou seja, a indisponibilidade mecânica.

O desempenho dos transbordos e caminhões é significativamente influenciado pela distribuição espacial dos recursos envolvidos. Esta é uma habilidade sine qua non para um líder ou encarregado de frente de colheita, além da capacidade de entender os efeitos dos tempos e eventos intrínsecos da logística interna encontrados na frente de colheita.

Além da colheitabilidade de um canavial, encontramos diferentes colheitabilidades em cada aceiro (eito) onde as “n” colhedoras de uma determinada frente estão trabalhando. Para alcançar o máximo desempenho da frente que garanta a meta de entrega planejada, o líder deverá organizar todos os recursos envolvidos e monitorá-los ininterruptamente, procurando manter o fluxo de cana projetado. A organização e os métodos para garantir o alto desempenho de toda a equipe de colheita são tarefas de todo líder de frente, comprometido com todos os envolvidos.

Cada canavial, com sua respectiva colheitabilidade, e cada operador em sua colhedora determinarão a velocidade máxima, sob a supervisão in loco do líder ou encarregado da frente, assim como os demais recursos envolvidos (transbordos e caminhões), para que o ritmo acelerado seja conduzido de forma a proporcionar o alto desempenho de toda a equipe.

Por fim, a logística interna das frentes proporciona múltiplas oportunidades de ganho de eficiência a cada movimento dos recursos envolvidos, como a movimentação interna para a abertura de novos aceiros (eitos), a alocação do pátio de transferência, a tomada dos tempos do ciclo do VT, em especial o tempo de carregamento, o tempo de deslocamento vazio e carregado e para transferência da carga dos VTs e o ciclo dos caminhões entre o campo e a indústria.

Neste ponto do treinamento é desenvolvida a fusão dos conceitos de colheitabilidade e de alto desempenho, onde o papel do controle de tráfego é apresentado, demonstrando como ele pode trabalhar para garantir a entrega nominal de cana à indústria.

O desenvolvimento de equipes de manutenção e operacional comprometidas, de forma que cada um conheça exatamente suas funções, é a garantia do alcance das metas estabelecidas.

Aliás, isso nos faz lembrar do nosso principal objetivo ao desenvolver o treinamento logístico de alto desempenho do CTT: “Atender à necessidade de cana da indústria, nem mais e nem menos (NUNCA menos)!”.

* Antonio Afférri é engenheiro agrônomo e mestre em Agronomia com área de concentração em Mecanização Agrícola, além de sócio-fundador da RPA Consultoria, com 32 anos de experiência no setor sucroenergético, sendo 11 anos como consultor. É especializado em treinamento logístico em CTT de Alto Desempenho para líderes, encarregados, controladores de tráfego e gestores de CTT

Fonte: Dados do Datacana, da Consulcana, adaptados pelo autor

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