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Edição 189

Os impactos da automação na eficiência industrial

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A estabilidade gerada pelo bom uso dos sistemas de automação impacta diretamente na variabilidade dos processos e, consequentemente, na redução de perdas e desvios da produção de etanol, açúcar e bioenergia

Natália Cherubin

Com o aumento das exigências técnicas em relação aos produtos finais e com a necessidade de aumento da eficiência e redução de custos na produção de açúcar, etanol e energia, a indústria sucroenergética vem implementando cada vez mais tecnologias de automação para todo o processo produtivo, desde o recebimento da cana-de-açúcar nas esteiras, passando pelo tratamento do caldo, evaporação e cozimento para produção de açúcar, pela fermentação e destilaria para fabricação do etanol, nas caldeiras de alta pressão, turbinas e geradores de energia elétrica e até mesmo na distribuição do açúcar e do etanol.

O setor vem passando por uma grande evolução na área de automação e controle de processos desde de 2005. Segundo Márcio Venturelli, engenheiro de Aplicações da Westcon e especialista em Automação Industrial, a grande tecnologia que rompeu o status quo do setor foi a implantação em massa de sistemas de automação utilizando-se de redes e protocolos industriais. Após este período, criou-se um novo modelo de operação e manutenção, fazendo com que operadores pudessem compartilhar da tomada de decisões em tempo real na produção. Com opções de centros de operação integradas, a manutenção passou a trabalhar com as informações digitais dos equipamentos.

“Com isso, o tempo de tomada de decisões na operação diminuiu, além dos erros que também diminuíram. Desta forma foi possível elevar os parâmetros de estabilidade de processos, trazendo ganhos de eficiência operacional em toda planta, além do aumento da segurança na operação dos processos.”

Tercio Marques Dalla Vecchia, engenheiro e CEO da Reunion Engenharia, explica que a automação pode ter diferentes objetivos: segurança, estabilidade operacional, confiabilidade e gestão. Estes últimos são os responsáveis pelo eventual aumento de eficiência. “Segurança é, de longe, o aspecto mais importante da automação. A geração e distribuição de vapor e a geração e distribuição de energia elétrica, têm como foco principal a segurança do sistema. A segurança também é o aspecto mais importante nos setores de destilação e desidratação.”

Por ordem de importância os sistemas mais automatizados dentro das unidades sucroenergéticas do Brasil, segundo Dalla Vecchia, são a geração e distribuição de vapor; sistemas de geração e controle de energia; destilação; e desidratação. Nestes pontos, a automação é obrigatória. Já em outras áreas, a automação deve ocorrer, em ordem de importância, nos seguintes processos:

  • Extração;
  • Cozimento (as centrífugas de açúcar são totalmente automatizadas hoje);
  • Evaporação;
  • Tratamento de caldo;
  • Fermentação;
  • Sistema de águas.

Ele, no entanto, frisa que dificilmente uma usina opera completamente automatizada. Mesmo que disponha de todos os elementos físicos necessários, ainda é muito complexo deixar o processo todo na mão da automação. “O processo de implantação da automação deveria ser baseado num plano diretor de automação. Neste plano diretor são idealizados desde a infraestrutura necessária, nível de complexidade da automação de cada operação, até os sistemas de comunicação etc. Depois de realizado o plano diretor é que se parte para a automatização dos processos. Outro ponto importante para que a automação seja um sucesso é a capacitação adequada dos operadores. Sem treinamento e boa capacitação, a automação nunca vai obter os ganhos esperados”, observa.

Eduardo Calichman, diretor Industrial Corporativo da Raízen, conta que a companhia vem seguindo as mais modernas tendências de mercado e é pioneira na adoção de diversas plataformas e iniciativas que resultam em aprimorar a produtividade. “A empresa está em processo contínuo de evolução dos sistemas de automação, sempre atenta às novas tecnologias e conceitos, como os da Indústria 4.0.”

Como a inovação é um dos um pilares que norteiam a atuação da Raízen, diversas tecnologias vem sendo utilizadas nas unidades produtoras do grupo. Calichman destaca:

– O uso de robôs para formação de pallets de açúcar;

– O uso de robôs de arame para chapisco de moenda;

– O uso de redes de comunicação como Profibus DP, Profibus PA e Rede AS’i;

– Medições In Line de grandezas analógicas de brix, densidade, entre outras;

– O uso de software de gestão de ativos para manutenção preditiva em instrumentos de medição e controle;

– Medição online de vibração para gestão de ativos;

– E operações centralizadas no COI (Centro de Operação Industrial);

“Utilizamos ferramentas de medição online, robótica, entre outros sistemas que agregam valor aos negócios, proporcionando o aumento da confiabilidade das medições, redução da variabilidade dos processos e geração ganhos de produtividade.”

AUTOMAÇÃO E A EFICIÊNCIA

É preciso entender que a automação pode ser dividida em duas partes. O controle operacional, que é o uso da tecnologia que elimina a operação manual da planta, dando condições de estabilizar o processo produtivo. E a otimização, que são feitas por meio de ferramentas que trabalharam junto aos sistemas de automação, permitindo a elevação de eficiência no processo. Esta tecnologia, segundo Venturelli, através da leitura de informações do processo em tempo real da automação, indica, aponta e conduz a uma operação mais eficiente. “Ferramentas como o RTO (Otimização em Tempo Real), por exemplo, podem contribuir para ganhos de 3% a 7% em todas as áreas produtivas da usina.”

Fernando Rodrigues, gerente de Produtos de Instrumentação e Analítica da ABB Brasil, afirma que é difícil definir os ganhos em eficiência em números já que hoje existem usinas com diferentes processos e níveis de automação. “Entretanto, como os volumes processados nas usinas são muito grandes, uma melhoria de 0,1% de eficiência chega a gerar até R$ 1 milhão em redução de custos por ano.”

Viesser: “Gostaríamos de medir em tempo
real a ART da dorna,a Pol/Fibra da cana no
preparo,a cor do açúcar e a umidade bagaço.
Para alguns até temos instrumentos
disponíveis, mas o custo e confiabilidade
ainda não fazem jus a aplicação no processo

Já é comprovado que os sistemas de automação contribuem para ganhos de eficiência, custos e performance industrial. Mas o diretor Industrial Corporativo da Raízen, destaca que a estabilidade gerada pelo bom uso dos sistemas de automação, impacta diretamente na variabilidade do processo e, consequentemente, na redução de perdas e desvios das variáveis controladas na produção de etanol, açúcar e bioenergia.

Antonio Carlos Viesser, diretor adjunto Industrial da Tonon Bioenergia, que já aplica automação desde a recepção da cana até carregamento de etanol e açúcar, afirma que apesar de ser difícil mensurar o quanto a unidade conseguiu evoluir em eficiência, o que se observa são muitos ganhos. Isto porque com a automação a usina conseguiu aumentar a padronização e a agilidade em seus processos.

“Antes controlávamos a vazão de embebição para moenda de forma manual, hoje controlamos de forma automática em cima da relação fibra analisada PCTS. Esta padronização, sem dúvida, nos trouxe ganhos de extração e umidade no bagaço. Na questão da agilidade, antes amostrávamos as perdas industriais de forma pontual e de tempos em tempos. Hoje, com a automação, temos amostradores contínuos e ponderais. Dessa forma, conseguimos identificar com rapidez e precisão onde e quanto estamos perdendo, assim conseguimos atuar nos pontos de perda, reduzindo-as e aumentando o nosso rendimento industrial”, destaca Viesser.

A Tonon Bioenergia não tem os comparativos detalhados do antes e depois da automação em cada uma de suas áreas, mas já realizou um trabalho com amostras do antes e depois da aplicação de uma nova malha de controle nas caldeiras, que demostrou um ganho de aproximadamente 3 GW em energia elétrica durante a safra.

O desejo da unidade é continuar a expandir a automação nos processos industriais. Para isto, ela mudou a forma de gerir a automação. Antes a usina identificava um ponto de melhoria e depois contratava uma empresa de automação para desenvolver as melhorias, o que levava semanas. Hoje, a Tonon tem, em cada unidade produtora, um engenheiro de automação que fica diariamente em contato com a equipe de processo industrial buscando identificar os pontos para melhoria. “Uma vez identificada a solução é implementada de imediato. Quando temos uma demanda de automação de maior quantidade, aí sim contratamos uma empresa especializada, ficando a cargo deste engenheiro de automação, o gerenciamento de todos os trabalhos a se desenvolver.”

QUALIDADE EM OPERAÇÃO

Antes de pensar na automação como ferramenta para aumento de eficiência dos processos, é preciso lembrar que cada unidade tem que encontrar os melhores ajustes dos parâmetros de processo de acordo com a sua realidade. São os operadores que vão determinar os parâmetros para atender demandas dos processos, as falhas de sistemas ou fazer a adequação de qualidade dos produtos. Assim, de acordo com o CEO da Reunion, se os operadores não estiverem com o processo ‘na mão’, a automação não terá nenhum efeito benéfico. “O treinamento dos operadores então é fundamental para a operação segura e eficiente do processo via automação.”

Se bem ajustados e definidos os parâmetros pelos operadores, a automação será capaz de manter a estabilidade do processo o mais próximo do ponto ótimo. Este fato é que aumenta as eficiências das operações. “A geração de dados históricos pelo sistema automático permite a avaliação dos processos bastante profunda. Operadores e gerentes com excelente conhecimento conseguem retirar lições importantes dos dados e assim determinar os aspectos a serem otimizados. A gestão como um todo ganha muito”, acrescenta.

Marco Antonio Alasmar, diretor Técnico da RAM, observa que a automação por si só não garante a eficiência do processo. É preciso cuidar da qualidade da operação e manutenção tomando como base algumas premissas:

– Ausência de treinamento para exercer funções operacionais e de manutenção;

– Alta rotatividade do pessoal de operação de campo e COI. Ou seja, a alta rotatividade com a ausência do treinamento cria um circulo vicioso perigoso, pois a pessoa que sai deixa seus vícios operacionais e o que entra traz vícios novos;

– Ferramentas adequadas para manutenção;

– Capacitação e reciclagem constante.

Ele ainda destaca que as usinas sempre devem reavaliar seus processos para reestruturar a automação e evitar qualquer tipo de ineficiência dos processos automatizados. “As usinas já automatizadas devem ser avaliadas via ferramentas dedicadas a análise de malhas de controle ou por meio de consultoria especializada em Processo e Automação.”

Um teste bastante simples para avaliar se a automação da usina funciona, segundo ele, pode ser feito através da análise de quatro elementos (Figura 1):

1) Já pegou algum operador de COI dormindo? Se a resposta é não, é sinal de que a automação não está funcionando bem;

2) O operador do COI é comandado pelo pessoal de campo? Este é um sinal de que a usina opera em manual com comando remoto pelo COI;

3) Se desligar o rádio comunicador, por quanto tempo a usina continua operando? Caso não opere sem o rádio, a situação da automação é gravíssima;

4) Quantos operadores tem o COI? Não é regra, mas no mercado há exemplos de usinas operando com cinco pessoas na produção de açúcar, etanol, energia, enquanto outras trabalham com apenas três pessoas.

ALÉM DA EFICIÊNCIA

Muito além de ganhos em eficiência, segundo o diretor Industrial Corporativo da Raízen, a automação tem permitido o melhor gerenciamento de ativos e padronização de sistemas. No gerenciamento de ativos, com utilização de ferramentas de software é possível detectar anormalidades antes que elas se tornem falhas, trabalhando assim com a manutenção preditiva/preventiva dos sistemas, o que possibilita evitar paradas emergenciais nas unidades produtoras. “Em relação à padronização de sistemas, ganhos de qualificação da equipe de manutenção são obtidos com sistemas padronizados, por meio de treinamentos dos sistemas, controle de estoque e intercâmbio de colaboradores entre as unidades para a resolução dos problemas.”

Segundo Alasmar, a automação impacta positivamente na segurança operacional; política de governança; na interface entre T.I. e T.A para implantação de indicadores de processo, qualidade e produtividade; na redução no tempo de diagnóstico de falhas para orientar a manutenção; na rastreabilidade; e na interface com PCM para controle da manutenção.

Para a Tonon Bioenergia, o plus da automação é o aumento na segurança do trabalho. Isto porque, com a padronização das operações, com as medições em tempo real e os alarmes em supervisório, a usina tem tido um ganho significativo na segurança de seus colaboradores. “Um exemplo prático é limpeza de regeneradores de caldo/condensado e caldo/vinhaça. Sabemos o risco de manter um operador ao lado de um equipamento deste para fazer manobras de entrada e saída de líquidos quentes simultaneamente. Qualquer erro pode ser fatal, então, a automação permite a manobra no tempo certo, com qualidade, eficiência e, principalmente, com segurança, já que a operação é feita a distância com apenas um toque na tela do computador”, valoriza Viesser.

Para Rodrigues, além do aumento da eficiência, a automação traz a estabilização do processo de produção, melhoria na qualidade do produto final e, principalmente, ajuda a reduzir os impactos ao meio ambiente e a aumentar a segurança dos trabalhadores da usina e do seu entorno. “Neste exato momento, a ABB vem trabalhando para desenvolver uma solução com a tecnologia de analítica de precisão através de infra vermelho (NIR) para monitoração online de determinadas variáveis, que hoje em dia somente são monitoradas nas usinas através de análises de laboratório. Este trabalho irá reduzir o tempo de processamento, aumentar a qualidade e reduzir custos da produção a níveis jamais alcançados.”

FIGURA 1 – SUA AUTOMAÇÃO FUNCIONA?

GARGALOS

Para Viesser, os gargalos ainda estão nos custos e na confiabilidade das tecnologias. “Gostaríamos de medir em tempo real a ART da dorna, a Pol/Fibra da cana no preparo, a cor do açúcar e a umidade bagaço. Para alguns até temos instrumentos disponíveis, mas o custo e confiabilidade ainda não fazem jus a aplicação no processo. No entanto, não tenho dúvidas que em breve teremos maior facilidade de acesso a instrumentos deste tipo e poderemos aplicar no processo para ter ganhos reais.”

Já para Venturelli a principal questão já não tem a ver com a aquisição de tecnologias, mas sim, educação e treinamento de profissionais de operação, manutenção e planejamento para estas novas realidades. De acordo com Venturelli, os custos das tecnologias vem diminuindo com o tempo, todavia, os profissionais de um modo geral não conhecem as inovações, não sabem usar e, com isso, dificultam a implantação com receio do desconhecido, fazendo com que a planta perca em competitividade de produção e custo no mercado.

“O setor sucroenergético, não diferente dos outros, passará por uma grande mudança na digitalização dos processos produtivos, é preciso um esforço conjunto de governo, empresários, educação e pesquisa, onde podemos entender que o Brasil pode dar um salto quantitativo e qualitativo em processos produtivos. Para isso, devemos entender que projetos de curto prazo não atenderão mais as demandas das próximas gerações. É preciso um entendimento amplo das necessidades de projetos de longo prazo e crescimento”, conclui.

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