Aumento no número de pessoas na força de inspeção deve intensificar as ações já no início do plantio, ampliando o foco sobre NR 31, áreas de vivência, uso de agrotóxicos e terceirização — com risco maior de autuações e TACs.
No último dia 18 de novembro foram nomeados 855 novos Auditores Fiscais do Trabalho (AFT), aprovados no último Concurso Público Unificado. Com esse reforço, a Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), passará a contar com mais de 2.700 AFTs dedicados à fiscalização do cumprimento da legislação trabalhista e das normas de saúde e segurança do trabalho.
Como o setor sucroenergético está nos preparativos para o plantio da cana-de-açúcar, fase na qual as fiscalizações costumam ser intensificadas, é possível que as ações de inspeção aumentem em razão dessa ampliação do quadro de Auditores. Embora o impacto não seja imediato, Bruna Mello, advogada especialista em Direito do Trabalho do escritório Pereira Advogados, explica que o efeito será rápido.
“O aumento no número de auditores não implica ampliação imediata das ações, pois depende de ambientação e definição de agenda. Contudo, na prática, essa recomposição tende a resultar em um incremento das fiscalizações em curto prazo, que se estima coincidir com o plantio já no início do próximo ano.”
A especialista lembra que o foco tradicional da fiscalização no setor sucroenergético sempre esteve nas atividades de campo, principalmente no trabalho braçal. “Historicamente, as estatísticas evidenciam maior precariedade nas atividades rurais de caráter braçal, sobretudo quando a colheita da cana era realizada manualmente”, afirma. Com a mecanização, o foco deslocou-se para o plantio, onde hoje se concentram as principais frentes de trabalho e onde a atuação do grupo móvel tem sido prioritária.
NR 31 e risco de enquadramento em condição degradante
A NR 31 continua sendo o principal eixo de fiscalização, especialmente nos pontos que envolvem condições sanitárias, conforto, alojamentos e manejo de agrotóxicos. A advogada destaca que a norma é rigorosa e detalhada. “Ela estabelece diretrizes específicas para trabalho com agrotóxicos, desde o armazenamento adequado até a disponibilização de água, sabão, toalhas, armários e instalações de higienização. A fiscalização adota rigor elevado porque são substâncias que podem causar prejuízos diretos à saúde”, explica Bruna.
As áreas de vivência — instalações sanitárias, locais de refeição e alojamentos — representam cerca de 90% das irregularidades registradas em fiscalização no meio rural. Quando diferentes itens da NR 31 são descumpridos simultaneamente, o cenário pode ser enquadrado como condição degradante. “Essa violação ocorre quando o ambiente compromete direitos fundamentais do trabalhador, especialmente em razão de condições inadequadas de segurança, higiene, alimentação e moradia, e constitui uma das modalidades de trabalho análogo ao escravo, conforme o art. 149 do Código Penal”, afirma.
Bruna enfatiza que a fiscalização não tem caráter punitivo por si só, mas busca o cumprimento da legislação. Ocorre que muitas irregularidades são fruto de práticas culturais. “Em muitas situações, as infrações decorrem de costumes regionais, de modo que a irregularidade acaba se tornando habitual. Defendemos que, em certas hipóteses, a fiscalização poderia adotar critério orientativo, mas como os auditores são obrigados a autuar quando identificam irregularidades, isso nem sempre acontece”, explica. Ela destaca que, apesar dos esforços crescentes das empresas, persistem práticas recorrentes, sobretudo as enraizadas no dia a dia das frentes rurais.
Terceirização e riscos ampliados para as usinas
A entrada dos novos auditores também deve intensificar a fiscalização sobre frentes terceirizadas de plantio, aumentando a exposição das usinas a responsabilização solidária. “Esse cenário aumenta o risco de responsabilização quando houver falhas na gestão contratual ou no cumprimento da NR 31 por parte das empresas contratadas”, afirma.
Entre as obrigações da tomadora, previstas na Lei 6.019/74, estão o acompanhamento sistemático da documentação, verificação do registro formal dos trabalhadores, checagem da idoneidade financeira da empresa, análise do capital social mínimo, confirmação da origem dos empregados e inspeções periódicas das condições reais de trabalho, transporte, EPIs, treinamentos, PGR, PCMSO e fichas de EPI. Para Bruna, antes mesmo da assinatura do contrato, a usina deve avaliar se a terceirizada tem capacidade real de cumprir a legislação de saúde e segurança.
Ela alerta que, com a digitalização dos processos, os autos de infração chegam rapidamente ao Ministério Público do Trabalho, acompanhados de relatórios, fotos e documentos. “Quando há risco grave, indícios de reincidência ou violação estrutural, o MPT costuma instaurar procedimento para apurar os fatos e pode propor um Termo de Ajustamento de Conduta. No setor sucroenergético, os fatores que mais têm levado à proposição de TAC incluem condições degradantes, trabalho sem registro formal e jornadas excessivas”, explica.
Onde agir agora: medidas imediatas antes do plantio
Bruna recomenda que as usinas adotem ações imediatas para reduzir riscos durante o plantio: auditorias pré-contratuais nas terceirizadas, conferência de treinamentos, exames, PGR, PCMSO e EPIs, além de inspeções presenciais nas frentes de trabalho — próprias ou terceirizadas— com foco nos pontos mais sensíveis da NR 31. “Essas medidas preventivas reduzem substancialmente o risco de autuações e de responsabilização civil”, afirma.
Ao resumir a orientação central para o setor diante do novo cenário, a advogada é direta: “A principal orientação jurídica é intensificar a verificação sistemática do cumprimento da NR 31. Isso implica fortalecer rotinas de inspeção, documentar controles, corrigir imediatamente não conformidades e manter supervisão contínua das frentes próprias e terceirizadas”, conclui.
Natália Cherubin para RPAnews

